Minha vida está estacionada. Às vezes sinto vontade de empurrá-la com toda força, mas logo após, agarro-a e a imobilizo. Medo de envelhecer. Medo de sobreviver por muito tempo. Este medo da dependência e a vontade de que minha existência salte todas as etapas restantes e desapareça, uma vez que já está morta.
Encosto a cabeça na janela do ônibus, antes ou após minha aula, e me ponho a observar o asfalto a se movimentar infinitamente sob mim, o pneu a percorrê-lo agressivamente. Eu, no entanto, sei que continuo parado. Doeria se minha cabeça defendesse o asfalto? Talvez. Quando o ônibus está cheio, procuro um ponto para fixar meu olhar. Costumo optar por meu tênis, o que me mostra como a beleza não só pode estar nos detalhes, mas que também algumas coisas precisam ser não mais do que detalhes para que sejam belas. Procuro deixar a música o mais alto possível em meus fones de ouvido, para que não ouça nada ao meu redor; para que o exterior seja apenas imagens. Às vezes assisto à televisão, mas gosto de deixá-la muda. É estranho que, em um mundo com espaço para tantas palavras, grunhidos, gestos, o silêncio possa ser o mais confortável.
Mas meu tênis bem sabe que isto não é suficiente. Eu sei o que aqueles inúmeros estudantes estão dizendo. Às vezes tenho a sorte de pegar algum trabalhador, com uma cansativa jornada de trabalho – mal recompensada – e me sinto confortado. Posso ver que em sua cabeça não se formam palavras, mas a dor se expressa de forma plena. Ele a compreende, faz-me ter pena daqueles que buscam a compreensão argumentativamente nas palavras, nos choques de imagens. Nele, o sentimento parece ter forma própria, assim como as tantas outras formas de expressão.
Abaixo a cabeça e novamente lamento por todos os estudantes, debatendo suas aulas, cursos; suas idéias, como se nelas houvesse o fogo da vida. Enganaram-nos quando disseram que devemos estudar, ler, nos politizar, entender. Quando disseram que devemos nos interessar pelo interior – e não exterior – das pessoas. Que terrível engano, que consome tudo o que encontra.
A inteligência destrói tudo, todas as verdades. Mostra que em seu mundo, que tenta separar-se do corpo, tudo é artificialmente construído e que, quanto mais a compreensão derruba, mais aproxima-se o vazio. O corpo, não. O corpo invoca dores, libera hormônios, grita sensações. Da dor à sexualidade, todas as sensações são igualmente prazerosas, só elas provam que você ainda está vivo.
Lembro-me de imaginar que um dia, quando eu menos esperasse, uma garota estranha entraria no ônibus, se sentaria do meu lado e diria: “Você tá ouvindo The National? É minha banda favorita” – como nos filmes –, e daí viriam novamente as sensações, com elas o sangue voltaria a correr em meu corpo e, a partir daí, estaria vivo. Hoje olho à minha volta em um ônibus e vejo diversas possíveis garotas, com este potencial, e às vezes me provocam até um sorriso irônico, debochando de mim mesmo. Não as quero, porém, do meu lado. Quero que as sensações fiquem longe de mim e que eu permaneça para sempre um cadáver.
Este é o mundo do corpo. Não pertenço a ele.