quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um pedaço de história e um convite

“Vendo a vida como um maravilhoso quadro pontilhista, cada ponto em si é uma bobagem. Os pontos se misturam e se transformam. Lá vai a aranha tecendo sua inescapável tapeçaria."

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Não poderia haver momento melhor pra eu receber esta notícia. Esses dias liguei a televisão e vi um comercial do Rock in Rio, com a mesma música que ouvia quando era pequeno e me matava de vontade de ir, quando o festival era apenas um sonho. Fiquei deprimido em perceber que não estava com o mínimo ânimo de ir. Não estava com o mínimo ânimo de fazer nada, nem queria que nada acontecesse comigo. Ia dizer que não sou uma pessoa de multidões, mas percebo que em grande parte dos tempos sou um enorme solipsista, distante de pessoas. Apego-me mais a ambientes.

Como poderia esquecer meu primeiro semestre de 2009. O que eu pensava ser a pior fase da minha vida, hoje é só um momento visto do alto, um momento que adoro rever. Os amigos que tenho em recordação são idéias, ambientes. Primeiro, toda a praia de Icaraí, que eu caminhava ida e volta todos os dias. A varanda da pousada onde fiquei inicialmente. Depois, o mirante do MAC: ia ao mirante todas as noites e revezava minha visão entre a viva cidade de Niterói e o calmo mar da Baía de Guanabara. Quase ignorava o Rio de Janeiro. Até que descobri um pequeno mirante na Praia das Flechas. Deserto, vazio, virou meu abrigo, meu esconderijo pessoal. O dia podia ser qualquer merda, mas sempre havia o mirante, o Rio de Janeiro e até um cigarro, dependendo de como fosse o dia. Depois descobri que esse mirante era extremamente perigoso, e eu ficava lá tranquilamente até altas horas, como se estivesse completamente seguro. Que cidade artística é o Rio de Janeiro, a arte está no ar de tal forma que você só percebe o quanto foi enfeitiçado por ela quando sai da cidade e volta ao normal. Nesta época, virei uma mistura cultural sem qualquer sentido racional. Enquanto lia poesia concretista brasileira, ouvia Radiohead. Enquanto lia Dostoievski, ouvia Cartola, Arnaldo Antunes. Às vezes me pegava vestido com roupas simbolicamente brasileiras, mas o que tocava em meu mp4 era os dois artistas que invadiram meu corpo como um vírus nesta época: The National e Elliott Smith.

Outra coisa que me ajudou a sobreviver foi o Palmeiras. Que ano simplesmente inacreditável. Quando eu digo que títulos são quase inválidos no futebol, caso não sejam recheados por histórias incríveis, e que estas são mais importantes do que os próprios títulos, as pessoas preferem achar que estou de papo furado. Acompanhei toda a Libertadores isolado em Niterói. Vocês não imaginam o quão difícil é reunir palmeirenses naquela cidade. Talvez por estar longe de casa, de minha família, amigos, tão distante de tudo, foi neste instante que vi o Palmeiras como algo maior que um clube, mas uma casa que se move comigo pra qualquer lugar que eu vá. Lembro de me revezar entre três bares para ver os jogos do Palmeiras, não perdi nenhum. Um deles foi pra mim inesquecível. Em frente à Faculdade de Direito tem um pequeno e clássico bar de esquina, com uma televisão minúscula. Me debruçava no balcão pra ver os jogos, concentrado. Era ali que eu estava, nas oitavas de final, Palmeiras e Sport. Quando o bar lotado me viu inteiramente vestido de palmeirense, eu acabei por promover uma união nunca vista no Rio de Janeiro. Vascaínos, flamenguistas, botafoguenses e tricolores se abraçavam e apoiavam o Sport, tudo isso contra o Marcelo vestido de verde. A partida foi para os pênaltis e eu já estava completamente irritado - sou calmo pra qualquer coisa, mas futebol, definitivamente não. Primeira cobrança, Mozart disperdiça pelo Palmeiras. Só faltava me espancarem no bar. Não vou me fazer de forte: mantive-me firme unicamente porque eu tinha consciência de que o maior goleiro da história do futebol, meu único ídolo, o jogador que nasceu de Libertadores, estava no gol. E não deu outra, com duas defesas do Marcos, ele estava pulando no canto do gramado pra comemorar com a torcida e eu pulando fora do bar antes que se irritassem comigo.

Ao contrário de qualquer falsa impressão que eu possa ter passado, eu gosto muito do Rio de Janeiro. O vejo como um antidepressivo. É um lugar em que eu não me sinto obrigado a pensar tanto, sinto que posso simplesmente ficar bêbado por aí, sair sorrindo com meu cabelo todo bagunçado e meus óculos escuros grandes demais pra minha cara. Ao contrário de Sampa, que é pra mim como um espelho. Quando entro em Sampa, minha cabeça vai à mil, sequer gosto de conversar, gosto de pensar, viver dentro de mim, correr pra dentro até que eu mesmo termine e meus pensamentos caiam em algum vazio. Nem precisa me perguntar que lugar prefiro, né? Não viveria sem visitar o Rio regularmente, mas não troco a sinceridade de Sampa por lugar nenhum. É engraçado, mas se você passa a vida correndo do pessimismo, você acaba completamente pessimista, mas se você mergulha de cabeça no pessimismo, sempre surge uma esperança. Sampa é a cidade onde você pode ter um grupo de amigos incríveis, cada um individualmente muito interessante, e ao mesmo tempo seu grupo ser apenas mais um em uma multidão. Entendo que detestem a sensação, mas não há nada que eu goste mais do que ser algo especial isolado dentro de mim, que ninguém nunca descobrirá. Só assim pode haver sentido em continuar sendo eu mesmo. Acho que é exatamente por isso que a fama tem um poder tão destruidor. Imaginem a expectativa que causa uma multidão, se um dos grãos de arroz que você conhece é tão especial? Irônico ou não, a cidade mais pessimista do mundo pode ser a única coisa a despertar uma pontada de otimismo. Toda a sujeira das ruas, a injustiça, o medo, o cansaço das pessoas, felizmente ou infelizmente, podem construir coisas belas. E é exatamente neste cenário que já sinto meus pés pisando, mais especificamente no Saci Hostel, em Sumaré, pra ver The National.

Pensei em dizer que era minha banda favorita, mas aí senti o pavor que sinto quando imagino um questionário em minha frente. As verdades são tão frágeis, o Devir é tão verdadeiro. Às vezes tenho a sensação de que inclusive o céu ou a ciência são meras construções, que podem despedaçar a qualquer instante. E como seria bonito. Já tive várias bandas como favoritas, hoje vejo que cada uma ocupa um espaço muito específico; entre elas não existe a melhor porque entre elas não existe comparação.

Mas, deixando a divagação de lado, o fato é que hoje estava no estágio com o pensamento da mesma forma que tem estado por muito tempo: nada na vida realmente vale a pena, a não ser que você se engane um pouco. Como nos formam desde pequenos para sermos robôs. Nos potencializam racionalmente ao máximo, criam diversos objetivos artificiais para que nos sintamos impulsionados a exercer nosso potencial racional ao máximo, mas ao mesmo tempo trabalham por nossa banalização, pra que não fiquemos perigosos. Eis o que somos, máquinas humanas. Meu celular vibrou oito vezes na mesa e eu já ia fazer o de praxe: fazê-lo parar de vibrar e deixar que ele continue tocando. Percebi, então, que não era uma ligação, mas que eu havia recebido quatro SMS simultaneamente. Quatro pessoas me contando que o show do The National havia sido confirmado no Brasil.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi quando ouvi o “Alligator” pela primeira vez, em Niterói. Ouvi a primeira música do álbum, “Secret Meeting”, e a identificação foi simplesmente instantânea, como se fosse a banda que eu procurei minha vida inteira. Coloquei o álbum no mp4 e fui pra garagem do prédio, ouvir inteiro, sozinho, sentado, andando em círculos (sempre no sentido anti-horário, meu TOC). Ouvi duas vezes seguidas no estacionamento. A terceira já foi no MAC, olhando as luzes de Niterói. A partir disto, a banda já era parte viva e pulsante de mim.

Vendo estas mensagens, pensando no show, pensando em pisar no Saci Hostel pela segunda vez depois de estar lá com grandes amigos, um de cada canto deste enorme país, pro show de outra banda que marcou minha vida (Green Day). Pensar em tudo o que eu sou e que não fica exposto em nossa sociedade mecânica. Só posso pensar que há um imenso universo dentro de mim, uma liberdade sem tamanho. O homem livre é livre em qualquer circunstância social. Será?