segunda-feira, 10 de março de 2008

10/03/2008 - Raciocínio Divino

10/03/2008

Raciocínio Divino

-Muito bom, Ricardo, mas tente jogar como um homem amanhã!
-Você me deve uma cerveja por aquele gol, senhor testosterona!
E foi assim que Ricardo se despediu de um amigo, enquanto preparava para tomar uma ducha “pós-pelada”. Apesar de ser tudo em um clima de pura alegria e descontração para todos, Ricardo levava aquilo mais a sério do que aparentava; desde pequeno ele leva consigo o sonho de ser profissional no futebol, coisa que todo garoto tem e perde no decorrer da vida. Essa perda não aconteceu para Ricardo, pois, tendo uma infância conturbada, a única coisa que lhe trazia alegria era o futebol, assim como o pincel ao pintor depressivo ou o violão ao músico, e seu único sonho era defender o escudo palmeirense, não por dinheiro ou consagração, mas por puro amor.
Enquanto a água escorria por sua cabeça, Ricardo recapitulava cada pequeno lance do dia, o que durou tempo o suficiente para se enxugar e vestir.
Assim, Ricardo ia caminhando pela rua, pensando em si mesmo com a camisa do palmeiras, logo após fazer um gol em uma final, pulando e agitando a torcida.
Foi nessa distração que Ricardo acabou se pondo no meio da rua, esquecendo de olhar para os lados, despertando ao ouvir o barulho de uma freada brusca e sentindo uma pancada que dobrou o ritmo de batimentos de seu coração.
Ele não parecia muito ferido. Quando o motorista saiu do carro, desesperado, encontrou Ricardo no chão, olhos abertos, respirando fortemente e muito assustado. Infelizmente, primeiros socorros não era seu ponto forte e, achando que estava tudo bem, o homem foi tentar ajudar Ricardo a se levantar.
Hoje em dia, Ricardo passa todo o seu dia em uma varanda, com uma Televisão de lado que ele só gosta de ouvir, nunca olhando para ela. Depois que o médico lhe disse que ele só poderia voltar a ter seus movimentos da perna com um milagre ou com células tronco, Ricardo permanece ali, esperando que um dia ouça pela televisão que as pesquisas e o uso de células tronco foram liberados para que ele, finalmente, possa concretizar seu sonho.
É engraçado como costumamos ligar o termo “milagre” ao sobrenatural e nunca pensar no que o conhecimento humano pode trazer de extraordinário; enquanto vários religiosos podem permitir um milagre da ciência ao invés de esperar milagres divinos, Ricardo senta e espera que eles pensem quem é mais importante: ele ou um agrupamento de células indiferenciadas que nem sequer tem uma forma que lembre, ao menos forçando muito a visão, algum ser vivo conhecido.
Claro que essa espera pode demorar muito pois nós, como somos totalmente saudáveis e podemos andar até a igreja no fim de semana e orar pelo próximo, sempre podemos adiar discussões como essa para amanhã, mês que vem ou nunca.





Já imaginou quantas pessoas como Ricardo existem no mundo, esperando apenas que você tome um pouco de consciência? Se Deus deu a inteligência ao homem, talvez seja para que, a partir de agora, nós operemos os milagres.