quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Friends



Terminei o box de Friends e prometi a mim mesmo que darei um tempo da série que me ocupa tanto tempo há tantos anos.

Não precisa ir muito longe pra perceber como Friends é algo especial. Não há nenhuma referência comparável no estilo do seriado, porque é algo que alterou completamente o formato e de uma forma completamente natural. “Seinfeld”, maior referência da área, tem um excelente humor, um tom de casualidade, até certa continuidade. Mas Friends é um seriado além do completo.

A princípio, os próprios atores parecem destinados aos papéis. Muitos deles, como Courteney Cox (que foi indicada inicialmente para Rachel) e Jannifer Aniston (que foi indicada inicialmente para Monica), sentiram por si mesmas a qual personagem eram destinadas e insistiram com a produção para alterarem as personagens nas quais seriam testadas.

David Schwimmer e Matt LeBlanc, segundo os autores, foram escolhidos sem grande necessidade de reflexão, tão bem se adequaram aos papéis em seus testes.

Nos excelentes especiais do box vê-se uma Lisa Kudrow apaixonada por sua personagem, explorando detalhes de forma exaustiva. Lisa passou a ter aulas de violão no decorrer da série e, após aprender alguns poucos acordes (percebam, na maioria das músicas ela usa apenas E, D, A), decidiu que quanto mais aprendesse, menos seria condizente com a Phoebe, como uma atriz que verdadeiramente domina sua personagem, e o resultado foram as canções simples que se tornaram hinos entre os fãs de Friends.

Sou suspeito para falar de Matthew Perry, como grande fã. Matthew sempre fora considerado um grande ator, mas as oportunidades não surgiam a ele adequadamente. Chegou a escrever um piloto de série semelhante ao de Friends, e por isso foi indicado para os testes ao papel de Chandler. David Crane diz que chegaram a duvidar do roteiro, pelos testes de Chandler, porque era um personagem engraçado, e que a princípio seria fácil para um ator, mas nenhum deles dava certo. E Matthew Perry se encaixou perfeitamente para o papel.

Percebam que, além de os próprios esboços dos personagens terem caminhado em direção aos atores, os atores não só deram vida às idéias dos personagens, como terminaram suas construções com situações de suas vidas reais; o nariz de Rachel, a história conturbada entre Matthew Perry e seus pais. Chandler e Phoebe, que a princípio seriam coadjuvantes da série, inevitavelmente foram incorporados como dois entre os seis principais.

David Crane também expressa diversas vezes sua preferência pelas cenas em que os seis atuam juntos no set. Nessas cenas, bem como nos erros de gravação, percebe-se a incrível sintonia entre os atores, e o domínio de cada um em relação aos seus respectivos personagens.

Aprendi com séries como “Friends” ou “Lost” o quão importante é criar personagens que sejam vivos e completos. Lost, com as inúmeras falhas de planejamento do roteiro, sobrevive graças aos personagens envolventes e independentes. Em Friends, os personagens são de tal forma vivos que os fãs são capazes de brincar com eles em situações independentes ao enredo da série; sabemos como eles reagiriam a determinadas situações com as quais nos deparamos na vida, e isso os torna quase nossos amigos imaginários. Foi exatamente esse brilhantismo de cada um que tornou a série tão diferenciada, fugindo dos padrões normais e se tornando quase uma novela de qualidade. Além do humor – nunca deixado de lado -, queríamos saber o que aconteceriam com as diversas situações, cuja continuidade montava um longo e identificável enredo por toda a série, além do constante dinamismo. Nunca deixando o humor de lado, ríamos e sentíamos como um ator-espectador, que não podia tomar parte. Quando Joey e Rachel começam a se relacionar, o fã consegue sentir o que sentem os próprios personagens na série; a vontade de que Rachel e Ross ficassem juntos, mas sempre mantendo em mente os sentimentos puros de Joey e, claro, não conseguindo deixar de lado o fato de adorá-lo também.

O envolvimento, além disto, não era só interior à série e não se prendia somente aos atores. Foram estes atores, grandes amigos, que ajudaram Matthew Perry a superar seu problema com o álcool e remédios. E o envolvimento de Chandler e Monica, do qual muitos fãs reclamam por tirar um pouco da qualidade dos personagens, pela caricaturização e pela frequência de situações muito semelhantes e, de certa forma, enjoativas, parecem ter sido também a percepção dos autores de que, tal era o envolvimento de Matthew Perry com o personagem Chandler, talvez fosse hora de dar ao próprio personagem um tom de superação e felicidade, coincidente com a superação do próprio ator.

Enfim, a série em toda sua complexidade dramática supracitada, acaba por ser importante para os fãs em sua própria vida, confortando-nos de uma forma única. Acho impossível que algum dia eu deixe de rever alguns episódios, ainda que de vez em quando. É como sentir saudades de verdadeiros amigos. Mesmo porque boa parte de meus amigos são também fãs de Friends e de certa forma é um meio que tenho de matar as saudades que tenho deles. Também porque Friends nos ensina a ver a vida como uma grande e divertida piada, e passar por ela encarando seus problemas com bom humor, coragem e otimismo. Também a sermos felizes ainda que convivendo com tais problemas, que às vezes são até necessários.

Sem entrar no mérito qualidade, no mundo do Cinema/séries/musicais/etc, Friends é sem dúvidas algo pelo que sinto, sobretudo, carinho.

Não sei como terminar isso.

“Sure, where?”

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

SSDD

SSDD

Ficou sendo o lema deles, mas Jonesy não conseguia se lembrar de modo algum quem começou a dizer primeiro. O troco é um sufoco, este era dele. Freddy me foda e quase uma dezena de obscenidades mais pitorescas quem inventou foi Beaver. Foi Henry quem lhes ensinou a dizer o que vai em volta vem de volta, coisa de babaquice zen. Henry gostava, mesmo quando eram meninos. Mas SSDD; o que dizer de SSDD? De que cuca fundida tinha saído?
Isso não importava. O que importava era que eles acreditavam na primeira metade dessa coisa quadno formaram um quarteto, na coisa inteira quando formaram um quinteto, e depois na segunda metade dela quando tornaram a formar um quarteto.
Quando só os quatro tornaram a se reunir, os dias ficaram mais sinistros. Havia mais dias de Freddy me foda. Sabiam disso, mas não por quê. Sabiam que alguma coisa estava errada com eles - pelo menos diferente -, mas não o quê. Sabiam que tinham sido apanhados, mas não exatamente como. E tudo isso bem antes das luzes no céu. Antes de McCarthy e Becky Shue.
SSDD: às vezes é só o que a gente diz. E às vezes a gente não crê em outra coisa se não nas trevas. E aí, como é que a gente segue em frente?


1988: até Beaver fica na fossa

Dizer que o casamento de Beaver não deu certo é o mesmo que dizer que o lançamento do ônibus espacial challenger deu um pouco errado. Joe "Beaver" Clarendon e Laurie Sue Kenopensky viveram juntos oito meses e depois tchau, minha garota se mandou, me ajudem a dar a porra da volta por cima.
O "Beav" é basicamente um sujeito feliz, qualquer um da turma vai dizer isso, mas está numa fase negra. Não vê nenhum dos velhos amigos (os que ele considera amigos para valer), a não ser numa ´nica semana em novembro, mês em que se reúnem todo ano, e novembro passado ele e Laurie Sue ainda estavam se segurando. Por um fio, claro, mas ainda se segurando. Agora ele passa um bocado de tempo - demais, ele sabe - nos bares do distrito de Old Port, em Portland. O Porthole, o Seaman's Club e o Free Street Pub. Anda bebendo demais, fumando demais da velha erva, e de manhã quase sempre evita se olhar no espelho do banheiro; os olhos vermelhos se desviam do reflexo e ele pensa: Tenho que parar com as boates. Logo, logo vou ter o mesmo tipo de problema que o Pete teve. Vou pirar de vez.
Parar com as boates, parar com as farras, uma puta idéia, e depois lá está ele de volta, lambe-porre, que se dane. Nesta quinta-feira é o Free Street, e aposto que vai estar com um chopinho na mão, um fuminho no bolso, alguma antiga música instrumental, que lembra um pouco The Ventures, tocando na vitrola automática. Não se lembra direito do nome desta, que foi popular antes do tempo dele. Mesmo assim, conhece; ouve bastante a rádio de música antiga de Portland desde que se divorciou. Música antiga acalma. Uma porção de música nova... Laurie Sue conhecia e gostava de um monte delas, mas Beaver não curte.
O Free Street está praticamente vazio, mais ou menos uma meia dúzia de sujeitos da turma num dos reservados, bebendo cerveja Millers e tirando cartas de um baralho engordurado para ver quem vai pagar cada rodada. O que é esta música instrumento com essas guitarras murmurantes? "Out of Limits"? "Telstar"? Não, tem um sintetizador em "Telstar" que nesta não tem. E quem é que liga para isso? Os outros camaradas estão conversando sobre Jackson Browne, que tocou no Centro Cívico ontem à noite e fez um show duca, na opinião do George Pelsen, que estava lá.
-Vou contar pra vocês uma outra coisa que foi duca - diz George, olhando para eles de um jeito de impressionar. Ergue o queixo saliente, mostrando uma mancha roxa no pescoço. - Sabem o que é isto?
-Um chupão, não é? - Kent Astor pergunta, com certa timidez.
-Você é inteligente pacas - George retruca. - Eu estava parado do lado da porta dos bastidores depois do show, eu e um bando de caras, na esperança de conseguir um autógrafo do Jackson. Ou talvez, não sei, do David Lindley. Ele é legal.
Kent e Sean Robideau concordam que Lindley é legal - não um deus da guitarra, de jeito nenhum (Mark Knopfler, do Dire Straits, é um deus da guitarra; e Angus Young, do AC/DC, e - claro, Clapton), mas mesmo assim legal. Lindley faz um som de ritmo acelerado; tem também um cabelo rasta de impressionar. Até os ombros.
Beaver não entra na conversa. De repente, quer se mandar daqui, deste bar fedido, que não leva a nada, e tomar um pouco de ar fresco. Sabe aonde é que George vai chegar com a história, e é tudo mentira.
O nome dela não é Chantay, vocês não sabem como é que ela se chama, ela passou como vento por vocês como se vocês nem estivessem lá, o que é que vocês iam significar para uma garota como ela, de qualquer modo, só mais um cabeludo classe-operária numa outra cidade classe-operária da Nova Inglaterra, subiu no ônibus da banda e sumiu da vida de vocês. A porra da vidinha desinteressante que vocês levam. Chantays é o nome do grupo que a gente está ouvindo, não Mar-Kets ou Bar-Kays, mas Chantays, é "Pipeline", com o Chantays, e essa coisa no teu pescoço não é um chupão, é um arranhão do aparelho de barbear.
É nisso que pensa, e depois ouve um choro. Não no Free Street, mas na cabeça dele. Um choro que rolou faz tempo. Entra bem na cabeça da gente, esse choro, entra como cacos de vidro, e ah! porra, Freddy, me foda, alguém faça ele parar de chorar. Fui eu quem fez ele parar, Beaver pensa. Fui eu. Fui eu quem fez ele parar. Eu o abracei e cantei para ele.
Enquanto isso, George Pensen está contando para eles que a porta dos bastidores finalmente se abriu, mas quem saiu não foi Jackson Browne, muito menos David Lindley; foi o trio das gatinhas cantoras, uma chamada Randi, uma chamada Susi e uma chamada Chantay. Gostosinhas, ah, tão altas e apetitosas.
-Cara - diz Sean, revirando os olhos. É um sujeito gorducho cujas aventuras sexuais consistem em de vez em quando fazer umas excursões até Boston, onde fica observando as garotas do Foxy Lady fazer strip-tease e as garçonetes do Hooters. - Ô, cara, a danada da Chantay. - Faz um gesto de tocar punheta. Nisso, pelo menos, pensa o Beav, ele parece um profissional.
-Aí comecei a papear com elas... com ela, praticamente, a Chantay, e perguntei pra ela se ela não queria conhecer um pouco da vida noturna de Portland. Então a gente...
O beav tira um palito do bolso e o enfia na boca, saindo de sintonia. De repente, tudo o que ele quer é o palito. Não a cerveja na frente dele, não o fuminho no bolso, decerto não o papo-furado do George Pensen de como ele e a mítica Chantay subiram na traseira da caminhonete dele, bendita seja aquela coberta de acampamento, quando o astral do George rola não teima que ele não dá bola.
É tudo uma canseira, Beaver pensa, e de uma hora para a outra fica desesperadamente deprimido, mais deprimido do que quando Laurie Sue fez as malas e voltou para a casa da mãe. Isso não é do feitio dele, e de repente só quer se mandar daqui, encher os pulmões do ar fresco e salgado da beira-mar e achar um telefone. Quer fazer isso e então ligar para JOnesy e para Henry, ou um ou ouro, dá na mesma; quer perguntar: Escuta, cara, o que é que está acontecendo, e ouvir de um deles a resposta: Ah, vocês sabe, Beav, SSDD. Sem animação, sem diversão.
Ele se levanta.
-Ô, cara - George diz. Beaver estudou com George no Westbrook Junior College, e naquela época parecia bastante cuca-fresca, mas isso foi muitas cervejas atrás - Aonde é que está indo?
-Mijar - Beaver responde, rolando o palito de um canto da boca para o outro.
-Bom, então vai depressa e senta esse rabo aí porque eu estou chegando na melhor parte - George diz, e Beaver pensa: calcinhas sem fundilhos. Puxa, rapaz, hoje a antiga e esquisita vibração está forte, quem sabe é o barômetro ou sei lá eu. Baixando a voz, George diz: - Quando ergui a saia dela...
-Jà sei, estava usando calcinhas sem fundilhos - diz Beaver. Registra o olhar de surpresa, quase choque, nos olhos do George, mas não dá atenção. - Claro que quero ouvir essa parte.
Afasta-se, anda na direção do banheiro dos homens, que tem aquele cheiro róseo-amarelado de urina e desinfetante, passa por ele, passa pelo das mulheres, passa pela porta em que está escrito ESCRITÓRIO e sai na viela. O céu acima dele está cinzento e chuvoso, mas o ar está bom. Tão bom. Ele o respira muito fundo e torna a pensar. Sem animação, sem diversão. Dá um sorrisinho.
Anda por uns dez minutos, mastigando palitos e desanuviando a cabeça. Num determinado ponto, não consegue se lembrar exatamente quando, joga fura o fumo que estava no bolso. E depois liga para Henry do telefone público na loja Joe's Smoke, perto da Monument Square. Aguarda a secretária eletrônica - Henry ainda está na escola - mas na verdade Henry está em casa e tira o fone do gancho na segunda chamada.
-Como vai? - Beaver pergunta.
-Ah, você sabe - Henry responde. - A mesma merda, um outro dia. E você, Beav?
Beav fecha os olhos. Por um momento, tudo está bem de novo; tão bem quanto dá para estar neste mundo fodido, de qualquer modo.
-Quase na mesma, companheiro - responde. - Mais ou menos na mesma.


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Muito se perde na tradução, não tanto por incompetência do tradutor quanto por incompatibilidade dos idiomas, mas enfim.

Trecho de "O apanhador de sonhos" - Stephen King.