terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Que as mães sempre vivam

Sou um péssimo conselheiro, talvez o pior que exista; na verdade, uma pessoa nunca deveria fazer com sua vida o que faço com a minha; nasci assim, imutável, cheio de certezas - as mais incertas que se possa imaginar. Queria conseguir dizer para as pessoas o que sinto e penso e não guardar e empregar isso em formas disfarçadas de textos ou músicas; simplesmente jogar o fardo para o alto instantaneamente. Mas sinto demais, vejo demais, ouço demais e temo demais pôr para fora tudo o que sinto. Entalado, cheio, estufado, uma explosão que está sempre adiada e da qual tenho vontade de me livrar, mas não gritando, contando, me abrindo; simplesmente sair de mim, ir para um lugar onde eu simplesmente já não sinta mais nada.
Nós nascemos com a única certeza de que morreremos; por mais que a vida seja bela, ela leva à morte, como qualquer sentimento. Não há sentimento que seja eternamente bom - há simplesmente aqueles que se mantêm eternamente vivos - qualquer destes se converterão em uma dor, uma cicatriz. O amor, não é que não exista, mas implica, custa, em um grande sofrimento - que é necessário; sem ele, o amor não existiria.
O fato é que existe e o sofrimento é real, estará presente em toda sua vida; vivemos fadados a alegrias curtas e sofrimentos longa-metragens.
Eu não me expresso bem, mas não costumo mentir, costumo me calar - omitir. Mas há uma situação na qual alguém nunca conseguiu encontrar sinceridade e que a hipocrisia está sempre ligada - inclusive em mim.
Diversas vezes recebi ligações, já de madrugada, com pessoas ameaçando se matar - menti em todas as vezes. Confesso que talvez tenham sido meus piores conselhos. Não se encontra motivos para uma pessoa continuar viva; se ela não o possui, ninguém encontrará. Então o que dizer? Se você a ama, por ela ser importante para você, você a aconselha a ficar viva mesmo tendo consciência de que a vida dela é uma merda e que a morte seria o melhor para ela - ou todos nós; se você não dá a mínima para a pessoa, ainda assim a aconselhará a não fazê-lo por isso ser disseminado como o certo.
Quando recebia esses telefonemas, só conseguia pensar nas mães dessas pessoas e suas reações com relação ao suicídio - eu menti, por elas, para dar a elas a única razão que tenho para evitá-lo, disseminar meu medo para as pessoas assim como a mãe que mima demais o filho e passa a ele os seus.
A vida é um teste e admiro as pessoas que têm a coragem que não tenho, a coragem de ir até o fim.
Que suas mães vivam para sempre.

domingo, 18 de janeiro de 2009

"É preciso estar-se, sempre, bêbado.
Tudo está lá, eis a única questão.
Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-
os para a terra,
é preciso embebedar-vos sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa.
Mas embebedai-vos.
.
E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio,
sobre a grama verde de uma vala,
na solidão morna de vosso quarto,
vós vos acordardes,
a embriaguês já diminuída ou desaparecida,
perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o
que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são;
e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão:
"É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados
do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa."
Charles Baudelaire
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"Juro nunca mais beber - e fez o sinal-da-cruz com os indicadores. Acrescentou: - Álcool.
O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.
- Curou-se 100% do vício - comentavam os amigos.
Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr-de-sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos"
Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Abstrações de um mesmo tema

"Liberdade" - era o que dizia o adesivo daquele monza preto em uma parada de estrada em uma das paradas da vida. Voltei para Juiz de Fora em minhas férias como uma loucura e, sem entender bem e fazendo o errado, novamente a deixei, repentinamente. Acontece que nessa parada, tudo fez sentido; de uma forma louca, aquele carro estava ali, esperando por mim, naquele segundo - e eu precisava estar ali.
Liberdade é um conceito que precisa de revisão. Varia de pessoa para pessoa, mas de certa forma, segue uma constânciaa. Uma pessoa que mora em uma pequena cidade, isolada do mundo, que possa se locomover para onde quiser nessa cidade, talvez sinta-se livre - no nosso conceito, não é, mas ela sente a liberdade que nós buscamos e, nesse caso, o que pensamos não importa; ela é livre. A evolução, globalização, tornam a liberdade algo mais amplo e, para a maioria das pessoas, distante. Se essa pessoa nessa pequena cidade descobrisse uma praia maravilhosa do outro lado do mundo, sendo considerado provável que ela não tivesse condições de chegar até ela, talvez não se considerasse mais livre. E quando isso acontece, precisamos ter um carro, comprar passagens aéreas; depois termos o carro dos nossos sonhos, uma passagem para um lugar ainda mais distante - a imagem de liberdade que criamos em nossa cabeça muda. Os fatores aos quais somnos expostos hoje em dia não destroem a liberdade, mas a cada dia que passa, a tornam mais maravilhosa e inalcançável. O mesmo sentimento de milhares de anos atrás, para ser atingido, começa a formar cada vez mais e maiores exigências até chegar o dia em que ele será tão maravilhoso que nunca será alcançado.
Mas toda essa digressão pura e simplesmente - repleta de perguntas, mas sem nenhuma resposta - me leva a uma questão ainda maior.
Chutando alto, talvez pela pouca divulgação, talvez pelos temas abordados ou talvez pela falta de qualidade, imagino que algo em torno de dez pessoas lêem esse blog com freqüência; dessas dez, sete são pessoas que considero inteligentes; por um momento, me pergunto o que essas sete continuam fazendo aqui.
Nós não conseguimos encontrar sequer respostas pequenas, normalmente nos vangloriamos ao encontrar perguntas pequenas, mas estamos sempre procurando grandes respostas com esperança e convicção de que as encontraremos. Pessoas que encontram grandes perguntas normalmente são consagradas como gênios na história, poucas são as que encontraram grandes respostas (se é que há alguma; no momento, não consigo citar); na verdade, grandes respostas se convetem em perguntas ainda maiores, tornando o mundo das idéias uma grande avalanche.
Acho que eu sou puramente um questionador, levanto perguntas e raramente acredito na certeza, mas a busco avidamente. Por exemplo, um dos dias mais tristes de minha vida foi quando acordei e percebi que já não conseguia mais acreditar em Deus; mas enquanto muitos simplesmente acreditam porque é algo que está em nossas raízes culturais (e mesmo porquie a natureza humana pede a crença), eu busco sinais e informações que não precisam ser necessariamente concretos, mas que me façam sentir que sua existência seja concreta (agora mesmo o alcorão viaja comigo em minha mochila).
Quando eu afirmo que o artista tem de ser infeliz para que as outras pessoas sejam felizes, estou presumindo que, através do sofrimento, o artista vá encontrar respostas. Eu sou infeliz - nunca encontrei nenhuma. Minha afirmação se baseia na crença de que um dia, em meio a tantas perguntas que lancei, consiga encontrar ao menos uma resposta.
Metade do café se vai, metade da viagem se vai, várias abstrações, nada concreto.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ego revolucionário - as revoluções "porção única"

Não posso afirmar que Russeau estava certo ou errado com relação à sociedade, mas tenho consciência de que esta corrompe o homem mais e mais a cada dia que passa, talvez por cada vez mais oferecer a este um ambiente ideal para que ele se revele, se deixe levar por seus instintos mais internos.
Essa gradação afasta cada vez mais o homem de seu lado idealista e o aproxima de seu ego; às vezes eu olho ao meu redor e me sinto sozinho. Não parece haver mais revolucionários idealistas como os vistos em toda a história, como os vistos no século XX, o que eu vejo são pessoas que simplesmente querem ser vistas como aquelas do passado, admiradas por serem considerados revolucionárias, mas visando seu ego e não seus ideais - se é que possuem algum realmente.
É o que vemos a cada dia que passa; não há espontânea vontade, é preciso que um policial mate um adolescente e isto apareça na televisão para as pessoas se revoltarem; é preciso que setecentos palestinos morram e bombas explodam na Faixa de Gaza para que as pessoas se revoltem - é preciso que até os jornais se escandalizem para que as pessoas se assustem um pouco.
É aí que surgem os heróis porção única, que nunca haviam sequer ouvido falar no assunto, mas que lêem desesperadamente sobre ele, falam sem parar coisas que às vezes nem sequer sabem se estão certas ou têm algum embasamento para afirmá-las; repassam belos e-mails, muito bem escritos, com opiniões alheias, sem sequer terem certeza do que estão repassando. Informação, idealismo? Zero. Ego? Mil - olha como ele fala bonito e tem a barba grande.
A revolução não está morta, mas dorme na ignorância desses jovens "politizados".

sábado, 10 de janeiro de 2009

Rock n' roll nunca será passado

Estou ficando velho. Triste e precoce, mas é a realidade. Impressionante o que um CD que há muito você não ouvia pode resgatar e trazer para você; é o que o "Panela do Diabo" - Raul Seixas - está fazendo comigo agora.
Me lembro de minhas duas primeiras bandas, meus tempos "Raul Seixas"; como eu mudei, como eu me sinto diferente.
Envelheci, mas de uma forma engraçada, muito do que foi ainda é - o rock ainda corre em minhas veias; amadureci, mas ainda acredito em meus sonhos. Olho para pessoas que passaram por minha vida musical de maneiras diversas em minha adolescência e sinto que neles o sonho de uma banda, mudança, ficou para trás, apagou-se perante as obrigações e preocupações da maturidade; esses sonhos não adormecem em meu coração; idéias amplamente diferentes, mas os sonhos se mantêm e se mantêm também a garra e a vontade de realizá-los.
Quando o rock n' roll se torna passado, descobre-se que ele nunca foi presente; uma descoberta que nunca experimentarei.

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"Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
Não sei por que nasci
pra querer ajudar a querer consertar
o que não pode ser.
Não sei, pois nasci para isso, aquilo
e o enguiço de tanto querer.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
Estou sempre
pensando em aparar os cabelos de alguém
e sempre tentando mudar a direção do trem.
À noite a luz do meu quarto eu não quero apagar
pra que você não tropece na escada quando chegar.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
O meu egoísmo é tão egoísta
que o auge do meu egoísmo é querer ajudar.
.
Mas não sei por que nasci
pra querer ajudar a querer consertar
o que não pode ser.
Não sei, pois nasci para isso, aquilo
e o enguiço de tanto querer.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou, assim;
no final, carpinteiro de mim."

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

(...)

"O homem andava apressado, investigando tudo ao seu redor, como se houvesse perdido algo e o estivesse procurando, farejando como um lobo, caçando pela noite. O fato é que havia se segurado mais do que podia e precisava se soltar naquele instante, deixar que seus instintos fizessem seu trabalho, agir como suas raízes ordenavam – era um animal, já não podia negar, não importava o quanto fosse inteligente, o quanto assimilasse, continuaria sempre sendo um animal.
Um barulho o fez parar instantaneamente. Por alguns segundos o homem fechou os olhos e sentiu sua respiração ecoar – estava mais bela do que nunca, soava como música; todos os pequenos sons da rua – como o gotejar de calhas de pequenas casas de baixo porte ou o vento movimentando papéis no chão – formavam uma simples e bela sinfonia, uma música em homenagem a alguém que por muito tempo esteve morto e agora finalmente voltara à vida.
Colocou a mão direita no interior de seu paletó e lá estava ela – sempre estivera lá – adormecida, esperando pelo momento de finalmente voltar a ser usada. Duvidamos de alguns sentimentos que são certos, mas simplesmente acreditamos em alguns que são duvidosos; o fato é que soava certo tocá-la naquele instante, o toque provocou-lhe a sensação de que sua mão estava no lugar certo, na hora certa; era hora de usá-la.
Abriu os olhos e sorriu; o garoto – algo em torno de dezenove anos – havia passado por ele fingindo indiferença, mas nem era preciso olhar em seus olhos para perceber a presença do medo, da desconfiança; talvez o garoto tentasse não admiti-la sequer a si mesmo e isso fosse o que a tornava tão gritante. O homem dobrou rapidamente uma esquina; precisava pegá-lo de frente, olhar em sua face enquanto ele sentia o que tinha por fazer.
Esperou os passos ficarem mais fortes e dobrou a esquina seguinte, parando bem em frente ao garoto – tão próximos que quase trombaram. Por um segundo que, se não houvesse sido criado um padrão para o tempo, poderia se dizer horas ou dias, eles se encararam, olho a olho – muito próximos – e, nesse segundo, um pôde entender perfeitamente o estado de espírito e as intenções do outro; apenas um deles sorria.
Com o braço esquerdo, o homem retirou um pano úmido do paletó e o pressionou contra o rosto do garoto, que se debateu em vão – não era forte o suficiente – até desmaiar.
A partir daí o homem se sentia cada vez menos consciente, como se seu próprio corpo fizesse seu trabalho agora; ficava parado, apenas observando seus braços agirem sozinhos.
Retirou de seu paletó uma bela faca que parecia brilhar, entender e responder ao luar. Virou o garoto de costas e, cuidadosamente, rasgou sua camiseta, a afastando e deixando suas costas a vista. De olhos fechados, enquanto movimentava a boca sem produzir sons, o homem, com a faca, desenhou habilmente uma partitura já preenchida por notas nas costas do garoto.
-Permita que esse cadáver utilize seu corpo para produzir vida – ele disse.
Repentinamente o homem se levantou, caindo para trás como se houvesse levado um susto; olhou para o garoto com indiferença enquanto se limpava (ou tentava se limpar) com um novo pano, ajeitou seu paletó e saiu andando novamente, tentando se lembrar onde havia estacionado seu carro."

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Morte

Libertem-se desses corpos, seus ignorantes! Deus não existe; se existisse, estaria rindo da inocência de vocês. Libertem-se desses corpos, seus ignorantes! Vocês não são mais que ninguém e nem sequer são algo, são simplesmente algo feito a imagem e semelhança do corpo de Deus, algo que não existe! Vocês nem sequer existem! Se matem, todos! Todos são inúteis, todos são pedaços em decomposição andando pelo planeta, são meros seres que se sentem vazios e tentam justificar o vazio acreditando que exista algo. Não existe nada! Se matem, todos, todas as carnes em decomposição nesse instante nesse planeta. Se joguem pelas janelas, quebrem o que houver ao seu lado, se matem, matem ao outro. Nada existe. A morte é a única existência concreta, é a única esperança pra quem procura existir: se você quer existir, a única forma é abandonando o corpo putrefato no qual você habita. Não tema mais a morte, ela é o único caminho, a única esperança. Se jogue dessa janela, rápido, se mate, é a única forma de talvez se tornar algo vivo.

domingo, 4 de janeiro de 2009

"Quando o Bourbon é bom, toda noite é noite de luar"

"(...)
Já freqüentei grandes festas
nos endereços mais quentes.
Tomei champagne e cicuta
com comentários inteligentes.
Mais tristes que o de uma puta
no Barbarella, às quinze pras sete
(...)"

Bom gosto, inteligência, sabedoria, merda; são todos sinônimos, inutilidades. Odeio pessoas inteligentes, finalmente percebi; tão vazias e retóricas, sempre procurando algo além para saber e poder preencher o espaço que sobra em suas falas por não terem nada a dizer sobre si mesmas. Não é necessário acreditar que o silêncio diga mais que as palavras, mas ao menos perceber que ele às vezes valhe a pena pelo valor que as palavras possuem, por mais que soem bonitas e alimentem seu ego perante pessoas que, além de burras, também são vazias.
Fale feio, escreva errado, não saiba os autores de livros consagrados, fodam-se os grandes cineastas, não decore o nome daquele bom ator, esqueça tudo que não tenha prática (não necessariamente mundana) - livre sua mente da estupidez desses nojentos inteligentes.