domingo, 18 de janeiro de 2009

"É preciso estar-se, sempre, bêbado.
Tudo está lá, eis a única questão.
Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-
os para a terra,
é preciso embebedar-vos sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa.
Mas embebedai-vos.
.
E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio,
sobre a grama verde de uma vala,
na solidão morna de vosso quarto,
vós vos acordardes,
a embriaguês já diminuída ou desaparecida,
perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o
que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são;
e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão:
"É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados
do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa."
Charles Baudelaire
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"Juro nunca mais beber - e fez o sinal-da-cruz com os indicadores. Acrescentou: - Álcool.
O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.
- Curou-se 100% do vício - comentavam os amigos.
Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr-de-sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos"
Carlos Drummond de Andrade