terça-feira, 26 de abril de 2011

Um segundo

Aquele segundo. Não importa a duração, se dez ou oitenta minutos, todas as pessoas estão, invariavelmente, mergulhadas, procurando aquele segundo, rezando por crenças nas quais elas próprias não acreditam, para que este segundo, que nem sempre se manifesta, aconteça. Um segundo de silêncio. Não como aquele hipócrita um minuto de silêncio pela morte de alguém importante, em que as pessoas estão cumprinto seu papel social enquanto pensam merda em suas cabeças. Um segundo de puro silêncio. Esquece-se todos os banais ao seu redor, esquece-se os pensamentos que te tornam banais e fazem com que você se odeie. Esquece-se a pessoa banal embaixo de você. Um segundo. Sozinho, ainda que não esteja. É como se sente a pessoa que se afoga, quando consegue emergir por um instante, ainda que saiba que não há chances de sobreviver. A cabeça sobressai ao mar, a tempestade e as ondas silenciam, nenhum pensamento senão o prazer de respirar. Os braços relaxam por um segundo e se entregam à morte. As pernas já não se agitam. Um segundo. Tic. Não completa-se o barulho do relógio. E então, ruídos, barulho, tempestade, banalidades, insegurança, diversões sociais que não enganam seu próprio corpo. Um segundo e então, a vida. Em toda uma vida, uma pessoa consegue escapar de tudo por, digamos entre dois a oito minutos. Um segundo. E cada vez que este segundo aparece, mais vezes se deseja e mais despreza-se os outros segundos demorados e inúteis da vida. Tenta-se parar o tempo, em vão. Tac.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

4:27



4:27. Quatro e vinte e sete. Meu despertador tocou mais cedo, não interessa por quê. Levanto-me com meus olhos quase fechados, tento olhar ao meu redor. Meu quarto toma a forma a qual desejei por toda a vida e eu a admiro por pequenos buracos lacrimosos e cansados. O sol não haver nascido não me chama atenção. O sol está sempre posto em mim, e a luz não faz qualquer diferença.
Fiz café e andei por meu apartamento. Meu sofá estava coberto de poeira. Minha cama estava coberta de poeira. Meus cadernos, minha câmera, minha guitarra. Tudo em que tocava se convertia em pó no instante seguinte. A brisa ligeiramente congelante da manhã levava tudo e dava ao pó formas delicadas do acaso. Eu assistia a tudo isto sem sorrir. Não era como um dos pesadelos que costumava ter quando adolescente. Estava realmente sozinho. Poeira e sonhos. Passado e futuro. Meu corpo era invadido de sensações que fugiam de meu controle. E os belos finais de meus textos ficaram presos em outrora. E no futuro.
É bom acordar antes de a vida começar, onde há espaço para tudo.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Los Heraldos Negros

"Hay golpes en la vida, tan fuertes… Yo no sé.
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma… Yo no sé.

Son pocos; pero son… Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre… Pobre… pobre! Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como un charco de culpa, en la mirada.

Hay golpes en la vida, tan fuertes … Yo no sé!"


Cesar Vallejo

(...)

Vendi-me para ti como objeto de luxo
Propaganda enganosa de prazo delimitado
Horrorosa criança abandonada às ruas
Pedindo esmola aos mendigos ao lado

Prometi-lhe a poesia
E, afinal, a ganhei de ti
Um fardo

quinta-feira, 7 de abril de 2011

(...)



"From a certain point onward, there is no turning back. That is the point that must be reached.” — Franz Kafka

Cartas



Gosto de cartas curtas e banais. Que falem sobre o clima ou a cidade. Elas têm o poder de acender a saudade e ao mesmo a presença; nos contornos das palavras, no calor de sua caligrafia. Sem precisar pensar, confortavelmente, como é o sentimento de se estar de verdade com alguém. Conhecer cada curva das letras, poder reler em um tempo tão breve quanto a duração de um beijo. Do primeiro, do último, do póstumo.