quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A primeira prece

Hoje eu conheci um doente mental.
A maioria das pessoas pensa que sofrer é saber que um inferno espera quem comete pecados. O verdadeiro inferno é ter a certeza de que não há infernos que esperem quem tente compreender o mundo.
Ele havia sido traído e estava triste. Eu não compreendia o que ele dizia e ele sabia que dizia demais. Seria um romance à lua cheia, se ele não fosse retardado e eu tivesse preconceitos diversos misturados à perversidade benevolente de querer ser alguém. Eu precisava ajudá-lo, não sei por quê, e ele me respondeu: “Sou eu quem está te ajudando, e não você quem está me ajudando”. Foi a única coisa que ele disse, e me respondeu a ignorância de muitos, menos a minha. Não era o que eu sentia, mas eu acreditava no que eu pensava, apesar de sentir que pensava o que não traduzia aquilo que consistia em mim.
Era só uma pessoa que havia sido traída e não podia deixar que eu o acompanhasse pra casa e, enquanto ele caminhava embora, até atingir o horizonte e o lugar no qual eu nunca mais poderia vê-lo, lágrimas pulavam de meus olhos e tentavam acompanhá-lo em vão; eu ficaria ali, parado.
Ele conhecia além do que podia compreender. Sabia que, enquanto eu estivesse parado ali, assistindo a ele caminhar até desaparecer, eu estaria descobrindo parte do que eu era: um doente que precisa ajudar outros doentes, um delinqüente responsável que detesta seu próprio serviço.
Tudo o que eu queria era ficar bêbado e assisti-lo desaparecer, tentando fingir que isto nunca havia acontecido. Que todas minhas memórias e minha consciência fossem embora junto com aquele retardado mental. Aquele surdo com o qual tentei me comunicar e o qual tentei ajudar com lágrimas de minha bondade semi-hipócrita.
Posso nunca ser bem-sucedido ou posso ser bem-sucedido enquanto você estiver lendo este desabafo, mas indiferente disto (e que isto fique bem claro), peço que você corte em pedaços tudo o que não escrevi e sou, tudo o que escrevi e não sou, tudo o que sofri e não senti, tudo o que senti e não sofri, tudo o que bebi e não vomitei, tudo o que vomitei e não bebi; tudo o que sou e não sei, tudo o que sei e não sou. Tudo.
Mate-me com um machado, faça com que eu sinta dor. Acabe com tudo.
Amém.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Analgésicos e solidão

"Salva o mundo e ganharás
Analgésicos e solidão"

Foi o que lhe disseram
Aceitou, sem pensar no que viria
Sentia na pele a vertigem da verdade
Passava pelos olhos a ânsia da mentira
Construiu para si uma coroa de pesadelos
Espancou-se com a dor que nada valia

Dele restou um bilhete
Para o filho que não teve:

"Deus não existe;
Deixe este peso de lado
E vá brincar de miséria"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Poema da catarse sem rimas

A insônia é o sufismo dos loucos
A arrogância é o sufismo dos sábios
A prisão é o sufismo dos livres
O vazio é o sufismo dos vícios

A noite é o sufismo dos poetas
A felicidade é o sufismo dos ignorantes
O pinto é o sufismo das putas
O não-ser é o sufismo do ser

E vice-versa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Passageiro de um esboço passado

Já estive em tantos lugares
Que não estou em lugar nenhum
A cada passo o passado não passa
"Pra onde vou?", esta pergunta eu passo
Por enquanto fico aqui,
Sentado neste compasso
Nos olhos, passando o passado
Passo a passo
Três por quatro, escasso
Infindável esboço
Vida

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Green Day - Emenius Sleepus

"I saw my friend the other day
And I don't know
Exactly just what he became
It goes to show

It wasn't that long ago
I was just like you
And now I think I'm sick and
I wanna go home

How have I been, How have you been
It's been so
What have you done with all your time
And what went wrong

I knew you back when
And you, you knew me
And now I think you're sick
I wanna go home

Anybody ever say no?
Ever tell you that you weren't right?
Where did all the little kid go?
Did you lose it in a hateful fight?
you know it's true"

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Errar é Humano. Acertar é desumano.

Estou na porta da casa da Júlia. Muito álcool.
Carol discute sobre como não liga para o que os outros pensam e como a fidelidade é boçal enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dela.
Daniel discursa sobre como é emocionante ser flamenguista e o Flamengo é um time superior enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dele.
Júlia não consegue parar de rir. Gargalha. Serve álcool para todos: “Mais ‘Balalouca’. Mais ‘Balalouca’”. Irrita-me muito quando chama “Balalaika” de “Balalouca”. Mas sorrio.

Cara, quando eu iria imaginar que reuniria essas pessoas? Estávamos todos sentados no meio da rua, poderíamos ser atropelados a qualquer momento (mas nenhum carro passaria, eu sabia disto), completamente bêbados; mas eu sorria.
“Algo grande vai acontecer hoje”. “O quê?”. “Você vai morrer”.
“Vamos roubar o carro do pai da Júlia?”, sugeri.

Daniel, João e Carol, no banco de trás, morriam de rir, compartilhando estórias nas quais eu estava envolvido. No volante, Júlia estava muito séria. No banco da frente, eu tinha uma garrafa de “Balalaika” em mãos.
Júlia passava dos 100km/h e a sensação era excelente. Ao contrário do que se pensa, a velocidade é um remédio anestésico e hipnótico. Desacelera o coração, tudo fica sereno, embaçado. É uma nova embriaguez.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Na beirada da estrada, eu movia arbustos da forma como eu desejasse, como se fossem dedos de minhas mãos; prolongamentos de meu corpo.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Dobrava as faixas amarelas da estrada, como se eu as formasse com a ponta de um lápis. Como se fossem vibrações das cordas de um violão; do meu violão.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri a janela e fiz ventar muito forte em meu rosto, fechando os olhos. Já não mais ouvia a voz de ninguém. Virei-me para trás e notei que eles ainda conversavam. E riam muito. Virei-me para Júlia: ela ainda estava séria. Tentei fazê-la sorrir, mas não tinha controle sobre isto.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Fechei os olhos e me vi, com os braços abertos e as pernas juntas e esticadas, em minha cama. Não podia me mexer, minhas mãos e pés estavam pregados.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri os olhos e vi uma curva acentuada à frente. Do outro lado, um enorme e íngreme barranco.
“O carro atravessará a curva. Seus amigos não se machucarão. Você morrerá”.
Júlia pisou no acelerador e tentou virar o volante. Ela não parecia assustada, não sei se realmente pretendia escapar da curva. Talvez estivesse tão bêbada que nem compreendia que havia uma curva a nossa frente. Que se machucaria e poderia morrer se não a fizesse. Talvez nem percebesse que estava em um carro. Talvez nem estivesse pensando. O carro atravessou a curva, voando pelo barranco.

Suspenso no ar, o carro parou. O tempo parou.
Olhei para trás, todos estavam parados, em uma gargalhada congelada. Olhei para o lado, Júlia ainda estava séria.
Acho que agora eu deveria estar lembrando toda minha vida, mas na verdade, foda-se.
Em uma montanha-russa, a adrenalina não é completa porque no fundo tem-se a noção de estar seguro. Se eu não tivesse medo de morrer, aquela seria a melhor emoção de minha vida. Seria o meu momento. Valeria pelo que vivi e pelo que ainda viveria. Se eu não tivesse medo da morte. Não tenho medo da morte.
Dei uma golada da garrafa de “Balalaika”. “Queria poder fazer sexo agora”. Uma risada e o tempo voltou a andar.

Assisti ao carro ser inteiramente destruído, capotando infinitas vezes, sendo moldado à força do acaso. Sentia cada pancada nele em meu corpo, sem haver, porém, dor, como se estivesse anestesiado. Caímos em um local plano.
Eu estava vivo.
Saí do carro, este de cabeça para baixo. Pela janela, puxei Carol. Merda, enquanto a puxava, sua perna se rasgou na ferrugem. Ela estava horrível. Seu rosto todo roxo, inchado e repleto de cortes.
Puxei João. Porra, como era pesado. Algo havia penetrado em um de seus olhos, o qual sangrava muito.
Pela outra janela, tirei Daniel. Uma de suas pernas parecia quebrada, com algo que deduzia ser um osso se projetando em sua calça jeans, com muito sangue. Enquanto o puxava, seu osso agarrou na lataria. Náusea. Senti o vômito chegar à minha boca, mas o engoli. Um enorme corte procurava ênfase, se extendendo desde o início de sua barriga até a metade de seu peito.
Puxei Júlia e ela não parecia ferida. Seus olhos estavam abertos, mas estava morta. Todos eles estavam. Eu sabia disto.

Arrastando seus cadáveres, fiz com eles um círculo ao meu redor. Eu não respirava. Não havia vento, barulho, não havia nada.
Acendi um cigarro e o fumei até o fim, sem pensar em nada – também não havia pensamentos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

(...)

De que me adianta tentar escrever neste papel
Se sentimentos não podem ser descritos?
Muito menos deve-se tentá-lo fazer
Sinta-os, e só

Em uma balança de qualidades e defeitos
Os sentimentos nos mostram a beleza
Independentes, o que os mantém vivos
Fugitivos do mundo no qual foram criados

Aos versos mais brancos e livres
Os sentimentos atribuem sentido
Miteriosos, como olhos desconhecidos
Carregando, em suas entrelinhas, o prazer da dúvida

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Itacoatiara



Buraco na cortina
Transparece o sol
Tecido rasgado
Transparece o estofado
Brilho na saliva
Transparece a loucura
Vazio da alma
Transparece no olhar

Barraco de tijolos
Desnudos, expostos
O chão é o próprio solo
Lágrimas de água do mar
O teto são estrelas
Cabeça regada ao luar
Casa velha desmorona
Transparece alguém a sonhar

Sonhos, sonhos
Trabalhar, trabalhar
Risca na madeira podre
Sua vontade de gritar
Suado, acorda à noite
Beber leite, talvez um cigarro fumar
A fumaça transparece
Alguém que se põe a cantar

É só o princípio do fim
Dia-a-dia que corrói o ser
Lembrou seu pai, vida idêntica
Pediu a Deus para não crescer
Mais uma prece oca
Não atendida pelo vento
Transparece, em sua caligrafia torta,
Sua vontade de morrer

Mas ele não sabe disto
A chuva ofusca tudo
Mudo, se põe a pensar:
Fim de semana ganho um beijo
Que mate meu desejo
Do sal ardente do mar
Na vida, o sonho flutua
Itacoatiara, nada é pesar

(...)

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

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domingo, 8 de novembro de 2009

Futebol: manifestação cultural ou bem de consumo?

Duas coisas devem ficar bem claras antes de qualquer crítica vinda de mim:
Sou palmeirense, torço pra um time paulista que sempre foi favorecido pela mídia em sua história; estou em posição de lançar qualquer crítica sobre o caráter de mercadoria que assume o futebol? Talvez.
Devemos, acima de tudo, ter clara a idéia de que a Mídia e o Futebol são estruturas administrativas separadas, apesar de toda interdependência, de forma que a administração do Futebol Brasileiro não pode controlar o poder de modelar o esporte que a mídia possui (basta lembrar que a mídia não é, por exemplo, um critério de qualidade musical, mas influencia na música de forma direta sem que a música tenha o que fazer para frustrar esse controle, podendo no máximo buscar ferramentas alternativas a ele). Seria muito mais coerente, sem dúvidas, porém, que um torcedor do Vitória, Sport ou Cruzeiro fizesse aqui esta crítica.
Mas o que há de possível para que se evite que a justiça se perca completamente no futebol? É óbvio e até desnecessário e engraçado que eu inclua aqui (porém, mais necessário do que aparenta ser): o aparelho que regula a justiça futebolística: CBF, STJD.
Estou aqui desmerecendo o time do Fluminense? Há dez rodadas digo que o Fluminense está jogando excelentemente bem e defendo suas chances de escapar do rebaixamento (escapatória pela qual torço assim como torci pelo Vasco no ano passado; acho que acima de tudo, devemos torcer pela grandeza do futebol), além de tudo, o Fluminense é um time carioca que tenho uma enorme simpatia, a torcida mais bonita que vi pessoalmente (Nas quartas-de-final, contra o Corinthians - claro que não sirvo de critério, por ter visto poucos jogos no Maracanã) e uma torcida que realmente tem presença marcante nos momentos de necessidade de seu time.
Estou aqui desmerecendo o time do Palmeiras? Excetuando o Vagner Love, jogador que venho criticando antes mesmo de voltar ao Palmeiras, me orgulho e muito do elenco de meu time (crises são normais em todos os campeões brasileiros).

De que se trata esse texto, afinal?
Da justiça esportiva no Brasil. Será que ainda existe um critério?
Vagner Love foi expulso no jogo contra o Santo André em uma falta que, na minha opinião, não era nem pra amarelo. Foi denunciado e eu concordo com o STJD: o critério utilizado foi a opinião do árbitro dentro de campo, ignorando as conclusões posteriores sobre a real presença de violência desnecessária ou não. Foi suspenso e, até aí, com minha concordância
Mas se o critério é esse, como é que funciona denunciar o Danilo por conclusões posteriores (cartão amarelo no jogo contra o Corinthians) e não pela opinião do árbitro? O futebol se decide dentro ou fora de campo? Vamos criar um critério pra isso? Uma justiça mais racional? O fato é que fica a dúvida se o Danilo vai ser suspenso ou não: já não sei, porque com a derrota contra o Fluminense essa suspensão pode se tornar "desnecessária". Mas vamos ainda além; se as conclusões posteriores são aceitas, por que não validar o gol do Obina contra o Fluminense hoje? Afinal de contas, ficou claro que o Simon, mais uma vez, errou.
"O Simon mais uma vez errou"? É, sim. Apesar de o Rogério Ceni dizer que o Símon sempre prejudica o São Paulo, alguém lembra qual jogo tirou o Palmeiras da disputa do título ano passado? Acho que eu lembro: o Jogo contra o Grêmio, apitado pelo Símon. Aquele que o Grêmio segurou o jogo em faltas desde o princípio e o Simon atribuiu dois cartões amarelos já no fim do segundo tempo; aquele, em que assisti à atitude mais bonita de minha vida (goleiro Marcos, aos 30 do segundo tempo, já correndo pra área e buscando fazer o gol, mostrando por que é o maior ídolo da história do futebol brasileiro), apesar de a beleza da raça do santo ser incoerente com a sapiência do árbitro.
Mas espere aí, ir além disso? Então vamos: A Justiça desportiva deixa bem claro que não tolera que questões relacionadas ao futebol sejam resolvidas na Justiça comum, mas deixa nossos árbitros totalmente vulneráveis? Quer dizer então que o Rogério Ceni pode ser expulso no jogo contra o Santos e difamar publicamente o Simon, que o STJD não tomará partido nenhum do caso? Quer dizer então que o esportista deixa de ter Direitos Civis pra entrar no futebol?
Ou será que não? Ou será que o Obina teria sido punido hoje, se saísse de campo crucificando o Simon (em uma situação em que ele realmente merecia)?
Não vou além e citar a Mala Branca que acabou por tirar os dois principais jogadores do Barueri apenas no confronto com o São Paulo (Val Baiano e Renê), porque esse é o assunto menos importante e o que a mídia, a mesma que favorece o eixo Rio-São Paulo, mais polemizou (apesar de todos nós, com exceção do Rogério Ceni - que é muito sábio, por sinal - achar o lance um pouco estranho).

Finalizarei dizendo que o futebol tende, mesmo, a cada vez mais funcionar menos como Manifestação Cultural e mais como Bem de Consumo, a não ser que nós nunca abandonemos nosso time e a cultura do mesmo. Com ou sem título, com ou sem justiça, o amor por meu time ficará sempre inalterado.

PALMEIRAS, SEMPRE!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Epitáfio

VCKCW1CX4CR1CZCKU2CYC3T5C/S2C/Q

Passo a passo, do fim ao início.
Mergulhar além da superfície.

Vivo em seis cômodos vazios
E, por isso, sei melhor que ninguém:

Sentimentos são foneticamente diferentes
E invariavelmente dolorosos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Lupus Eritematoso Sistêmico

Hoje descobri a felicidade nos detalhes
Nas cores das pernas desnudas
No cheiro putrefato dos açougues
Nos riscos da lâmina fina e afiada de uma navalha

Lágrimas são menos salgadas se você sorri
Mais quentes se você sonha
Duras, se você ama
Vazias, se você é humano

Me afogo em Lá Menor
Os acordes tapam meus ouvidos
Minha voz emudece minha razão
A melodia transforma meus sentimentos

Este cadáver, mais vivo que a vida

A música acaba e já não mais sou mudo
Meus pensamentos voltam, devoram meu ser
Aqueles, que deveriam construir
Que vêm do passado volumoso, do presente escuro, do futuro vazio

Bocas se voltam contra mim, no interior de minha pele
Me mastigam e gritam tudo o que sou
A mim, não resta o que dizer
Eles estão certos, isto é tudo

Este tudo que a vida tem a oferecer
Este nada em que se torna no meu interior
Esta dor na alma (alma que já não acredito ter)
Canibalismo

Hipocondria e aversão a remédios
Uma bailarina sem palco
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio

Quero ser encontrado morto em meu quarto
Corpo nu no chão empoeirado
Sem móveis, sem papel
Sem letras, sem dinheiro
Com um blues de pano de fundo
(Ou melhor, sem música)

Este cadáver, mais morto que a morte

domingo, 1 de novembro de 2009

Visão geral

Cara, preciso de umas férias de seis meses, em uma praia de nudismo, com a Fernanda Machado e uma caixa de Midazolam.
Enfim, não ando postando por, como sempre, ter deixado o que não me interessa - e, ao mesmo tempo, me é essencial - pra última hora, o que anda ocupando meu tempo, apesar de, como sempre, passar a maior parte do dia olhando pela janela sem fazer nada.
Pretendo postar, quando tiver mais folgado pra detalhes, o livro ("Silêncio") explicando poema por poema (mas algo me diz que nunca terei paciência pra fazer isso, então pode acontecer de eu só postá-lo sem explicar nada também). A maioria dos poemas estão no Blog, por isso não tô me apressando em colocar aqui.
Também criei um twitter (www.twitter.com/marceloriceputi), que pretendo usar concomitantemente ao blog.

Acho que isso é tudo. Abraços e se cuidem.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sufismo psicológico e social

Prisão
É onde vivemos, apesar de você dizer que
Não
Pode pensar que sabe o que sinto, mas não pense que peço
Perdão
Descrever sentimentos e tentar entendê-los com
Razão
Esconder o lixo, expor o luxo e chamar isto de
Civilização

Perdão, não, você tem razão
A civilização é uma prisão

Perdão, civilização, você tem razão
Mas não vou viver nesta prisão

Ração
Branquear os dentes, remover as cáries, esconder a
Podridão
Forçar o riso, esboçar o siso e perder de vez a
Noção
Levantar da cova e trazer as novas a esse inferno
Pagão
Erguer o muro, lavar a alma e celebrar, em festa, a
Nação

Eu sei, nação, perdi a noção
Mas não vou mais comer sua ração

Me chame pagão, me crucifique com noção
Mas não vou mais cheirar sua podridão

O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

This is the end, my only friend

Merda, cara, mas que merda. Vontade de encher um papel de xingamentos e porra alguma. Vendi, há muito tempo, minha felicidade ao demônio por um preço que nunca vou receber. Sonho com este erro todos os dias e, ao acordar, não ganho nem sequer o privilégio de me arrepender. Vida injusta filha de uma puta.
Nunca fiz questão de ser feliz e ainda não faço. A peça acabou, sem platéia alguma, e algum filho da puta esqueceu de abaixar as cortinas, me deixando aqui: nu, exposto, sozinho.
Uma doença só mata se você a descobrir em você. Nunca faça exames preventivos, corram da porra do exame de próstata. Escrevi um livro de poemas julgando ser um "Sentimento do Mundo", mas agora vejo que nunca será publicado, nunca será lido. É um livro sobre um câncer que as pessoas não sabem ou não querem saber que possuem. Eu sou a única pessoa nesta porra achatada onde dizem haver vida? É só uma porra, um esboço, um rascunho, de vida.
Obrigado a minha educação por me mostrar que vivemos sem poder fazer escolhas - seguimos uma estrada sem bifurcações, onde os fracos morrem no caminho e os fortes tomam champanhe na virada dos anos e, no fim, escrevem livros desinteressantes sobre suas existências; acordamos todos os dias e, depois de milhares de anos de racionalidade, concordamos com o instinto humano mais primitivo. Obrigado a meus amigos por serem complacentes com isso e devorarem tudo o que há de especial em mim e depois me abandonarem exposto (não preciso mais dessas merdas, fiquem com tudo isso pra vocês, não vale nada). Obrigado a meu pai por toda sua preocupação mesquinha e por se esquecer de olhar para minhas vontades (apesar de tudo, o amo, por saber que se parece comigo e que é uma pessoa totalmente diferente do que demonstra ser).
Agora quero que todos vão tomar em seus cus com a mesma certeza de que precisam ser sábios, passar no vestibular, fazer faculdade, trabalhar e ser bem-sucedidos. Vão se foder como se essa fosse uma verdade dogmática, como todas as outras verdades de suas cabecinhas burras e idéias medíocres.
Por fim, um agradecimento sincero à sociedade - e toda sua concepção moral - por comer todos meus sonhos; hoje os vejo pueris e percebo que de nada valeria realizá-los.
Vão todos tomar no cu, não faço parte de toda esta merda. Hoje tomei uma decisão e preciso estudar coisas às quais perdi todo o interesse à medida que perdi a esperança, mas só por mais dois anos e então desaparecerei.
Não me façam perguntas, não façam perguntas a ninguém, apenas vão tomar no cu.

"Pra que(m) serve seu conhecimento?"

domingo, 18 de outubro de 2009

Parede de fotografias

As paredes de meu quarto já não refletem mais
Tudo o que passou
Meu reflexo no espelho já não mostra mais
Tudo o que eu sou
(E o que será que eu sou?)

Na manhã, pela janela, o sol não ilumina mais
O que sobrou
Há um mar de escolhas e meu corpo não emerge mais
Fico com o que restou
(E o que será que me restou?)

Cartas que já não interessam
Versos no canto do caderno
Lembranças do que um dia foi sincero

O rosto no espelho do baneiro
Os olhos carregando o passado
Todo o fardo sendo abandonado

Os meus livros na estante já não refletem mais
O que aprendi
Os CD's e o walkman já não mostram mais
Tudo o que eu vi
(O que eu vi, eu aprendi)

A promessa da menina já não reflete mais
O que virá
E soprando na esquina, o destino, o acaso traz
O que será
(O que será que me virá?)

A cabeça deitada no travesseiro
No caderno, as idéias novas
A bondade que o mundo, lá fora, reprova

O espaço vazio na parede
Os retratos que ainda estão por vir
Retratos que um dia também vão partir

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Papel sujo de letras

Este é um papel imundo;
Imundo de letras,
Imundo de pessoas,
Imundo de mundo.

Vinte e sete homens arrogantes aqui cuspiram.
Seqüestraram lápis suicidas
E o encheram de besteiras;
Alguns até as acharam inteligentes.

Aqui, uma prostituta se deitou,
Abriu suas pernas,
Mostrou o medo e a vontade de ser feliz;
Alguns sentiram nojo; outros, se excitaram.

Os vinte e sete homens que se excitaram
Gozaram neste papel
E nele brotou vida;
Suja e desperdiçada.

Os vinte e sete homens que sentiram nojo
Vomitaram aqui o muito do que haviam se fartado
E tudo se tornou comida;
Comida do descaso.

Hoje não sei se as letras devoram o papel
Ou o papel devora as letras.
Não sei qual é a esperança e qual a morte.
Desconheço, como minha sorte e a mim mesmo.
Reconheço que, como tudo que no mundo é imundo,
(imundo como ele próprio)
Meus sentimentos passeiam por meu interior
E a tudo tornam sujo.

Carrego comigo uma certeza:
Este papel foi escrito por lágrimas;
As mais sujas e sinceras lágrimas.

Tudo o que vejo são lágrimas imundas dos olhos castanhos de Lisa.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Palavra

Antigamente, a palavra era feliz
Enchia de amores quem a observava
Suas aventuras eram vitoriosas
Seus riscos, psicológicos

Depois, a palavra ficou suspeita
Se difundiu
Era lágrima, esperança
Era coragem, mudança

Hoje, a palavra é muda

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Carne morta

Carne morta rasteja ao outro lado da porta;
Brinca, festeja, sorri
Mas está morta;
Morta como o que sente a natureza aos homens,
Morta como o que sente os homens a sua própria natureza,
Morta como a certeza da morte,
Morta.

Minha mão se move a cada cicatriz sua.
Minha mão se move a cada uma de suas deformidades.
O medo da eterna existência desta porta
Confronta-se com o medo do grotesco
Em uma batalha de surrealidade bêbada.

Até que um dos lados silenciou:
A noite se tornou dia;
A felicidade, inconstante como deveria ser.

Eu era um bêbado;
Não mais ignorante,
Não mais só,
Apenas um bêbado

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bad Memories

Leave this place inside of me
I'll leave this brain inside my head
I'll leave you laid on this bed right now

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
I feel my mind spinning all around

Take my hand
I'll show you that I'm about to fall

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
I'm stuck inside this dream and I can't go out

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
And I can't throw this knife from the inside out

Take my hand
I'll show you that I'm about to fall

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Sample:
http://rapidshare.com/files/290816949/Bad_Memories_Sample1.wav.html

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nostalgia - Volume dois

Resgatando momentos históricos.
Éramos heróis e ninguém sabia disso, nem nós mesmos..
Mas éramos, e ponto final.

Neste vídeo, estamos comemorando meu aniversário de dezessete anos. Acabou se tornando o vídeo de apresentação da Legendarius (a segunda banda da qual participei em Varginha e, obviamente, a preferida).
http://www.youtube.com/watch?v=cK332sM3XUY

Neste, estamos cantando "Cogumelos Azuis", Ventania, na praça central da cidade de Varginha (onde nasci), em horário extremamente movimentado.
http://www.youtube.com/watch?v=xo7YgMWQZJ0&NR=1

São momentos que provavelmente nunca se repetirão.
Sentimentos grandes passam despercebidos no momento em que se mostram presentes, mas se tornam notáveis e nostálgicos quando passam a fazer parte do passado.

sábado, 3 de outubro de 2009

Harrowdown Hill

http://www.youtube.com/watch?v=lrXtb1QK9hQ

Thom Yorke (Radiohead) no vocal, Flea (Red Hot Chili Peppers) no baixo;
Incrível.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O advogado do Diabo

Algumas coisas me dão vontade de vomitar;
Outras, de dormir.
Há ainda as que me são indiferentes.

Havia o que me fazia amar,
Mas extinguiu-se com minha infância.
O que me fazia chorar
Foi extinto com a vontade de amar.

O segredo?
Este é o mundo do orgasmo,
Fique imundo e aprenda a dançar.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Espelho

A prostituta observa seu reflexo, nu, no espelho
Em seu corpo, marcas que nunca cicatrizaram
Mas lhe deram comida e álcool
Permitiram que sua vida continuasse, sem sentido
(com ou sem vírgula)
Seu sexo, disforme, devorado pelo instinto humano
Seus seios nunca amamentaram,
Mas foram chupados, até secarem, pela irracionalidade
Seu ânus havia sido cruelmente violentado
Ela ainda se lembra da dor, mas este custava mais caro

Lembrou-se de quando era jovem e bela
Em uma mesa prostituída,
Brindou a infidelidade da felicidade
E a infelicidade da fidelidade
Sentiu o vinho caríssimo deslizar suave por sua garganta
Depois deste, a porra suja e agressiva
E, como esses rastros de vida que engoliu,
Perdeu-se

Lembrou-se de sua infância
Seu sorriso era dócil, ingênuo, feliz
E não pedia um porquê
Não se lembra de quando tudo passou a pedir um
Se a dor trouxe a falta de sentido
Ou a falta de sentido trouxe a dor
Tentou esboçar um sorriso,
Não conseguiu chorar

Foi quando a bala atravessou o céu de sua boca
Perfurou suas lembranças, desavenças, suas noites
Perfurou os detalhes de sua vida
Perfurou seu amor que não alcançava nem sequer ela própria
O eco, porém, não pertenceu ao tiro

O corpo de Lisa se foi,
Infeliz para sempre
Seu sorriso, porém, se prendeu naquele quarto
Feliz e infeliz, eterno
À espera de um porquê

Não posso deixar de amar esta garota
O que a sociedade fez com seu corpo
Fez também com minha alma

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A ponte

Do diretor norte americano Eric Steel, "A ponte" é um documentário sobre suicídio, onde uma equipe cinematográfica se põe a acompanhar a ponte de São Francisco (Califórnia, EUA) durante todo o ano de 2004, capturando vinte e três suicídios e, em torno destes, entrevistando parentes e amigos para se chegar a conclusões sobre o que os levou ao ato e o que deixaram para trás.

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PARTE I - http://www.youtube.com/watch?v=HRvlzN_AIms

PARTE II - http://www.youtube.com/watch?v=qjd6xZMd9Vk

PARTE III - http://www.youtube.com/watch?v=pObw8_aTqsk

PARTE IV - http://www.youtube.com/watch?v=SW-MuC9Un3E

PARTE V - http://www.youtube.com/watch?v=gd4g-ZYy_4k

PARTE VI - http://www.youtube.com/watch?v=VnM9_KmN82E

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Universo de um só são

O brilho do diamante ofuscou sua visão
E, desapercebido, desacelerou seu coração
De repente, sentira-se feliz
Pois a riqueza lhe levara também sua visão

A boca gritava e ele não escutava
Pois o que lhe valia era o que
Apalpava com sua mão
Esqueça o pão, esqueça o pão

Universo de um só são, mundo cão
Perdão, perdão
A assonância corroeu o cérebro
Mas compreender o valor das palavras, não

Engolia mentiras e vomitava o luxo
O sofá adornado de suor em vão
Quem não come, apalpa a fome
E a pele descasca em violência e opressão

Desprovido, ele só gritava
E lhe gritavam de volta: "desprovido de nada"
Suicidou-se e nem pôde entrar em um caixão
Não morreu como cristão, nem pode servir de lição

Universo de um só são, mundo cão
Perdão, perdão
A assonância corroeu o cérebro
Mas compreender o valor das palavras, não

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Midazolan

Midazolan distorcido
Caligrafia torta
Olheiras de cansaço

Que a marca de baba nesta folha
(De quem dormiu sem perceber)
Seja mais poética do que seus versos
(Nem deu tempo de fazer uma oração)

Amém

Intifada

A História é o diário da desesperança
E a Intifada é o início do sonho
Me atirarei em pedras contra a desumanidade
E, em lágrimas de fúria, me recomponho
Humano que sou, demasiado humano

Muros de tijolos se erguem frente a nós
Mas não absorvem a história que trazemos nos olhos
Podem abafar os gritos de nossa voz
Mas não podem cessar o pulso
O coração não vai parar de bater

A Intifada nunca vai morrer
A Intifada nunca vai morrer

Todos os dias o sol nasce no Oriente
E é assassinado no Ocidente
Sua luz não serve para iluminar o indecente
Mas para uma tarde perfeita americana no litoral
Tão perfeita, que chego a passar mal

Enquanto houver corpo, farei tremer a ordem
Ou qualquer apelido que inventem para este caos
Entregarei minha sorte a meu povo
A cada explosão, a esperança brilhará de novo
E cada mãe se ajoelhará para chorar

A Intifada não pode morrer
A Intifada não pode morrer

terça-feira, 22 de setembro de 2009

(...)

Todos os dias o sol da esperança nasce no Oriente e morre no Ocidente

Poema artificial

O artificial corre em minhas veias. Escorre por meus cabelos, se esconde embaixo de minhas unhas, fede embaixo de meus braços.

O artificial impregna meus versos. Ama meus amores, odeia meus desafetos, alimenta meu ódio e desfruta de meus breves momentos de prazer.

O artificial lê minha sorte. Viaja por meus segredos, forma as linhas de minhas mãos e caçoa de meus sonhos.

O artificial me arrasta pelo asfalto de sua própria estrada em busca de algo que não o seja.

O artificial escancara as cortinas quando já é noite e me obriga a sorrir como se visse o sol.

O artificial faz com que me arrisque sem medo, porquanto minhas decepções sejam também artificiais.

O artificial me adora, flerta com minha humanidade, me seduz, me devora, me vomita.

O natural me faz chorar.

sábado, 19 de setembro de 2009

Com fraternidade e raiva

A amizade é um espelho às avessas
É enxergar-se nos contornos opostos
É sentar-se na praia e, durante um silêncio de vinte minutos,
Ainda conseguir desfrutar do conforto do mar

A amizade é hipócrita
É ser grosseiro por fora e piegas por dentro
É um barco prestes a afundar em pleno oceano
Onde as pessoas dançam, cantam e festejam o medo do mundo

A amizade é um livro de estórias ridículas
Das quais somente duas pessoas acham graça

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Os Três Mal-Amados (excerto) - João Cabral de Melo Neto

"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

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http://www.youtube.com/watch?v=0ibBmsBRxEU

Corpo morto (o sentido da vida)

É jogo sujo
A mulher que te come e te larga em lençóis manchados
A escuridão da noite se junta à viscosidade da porra em sua coxa
E as sensações se misturam
Como o prazer cancerígeno da fumaça de um cigarro
Como se a felicidade fosse expulsa por seu pinto
E dissolvesse no ar

Você está só
O relógio não vai mais bater (ele já não precisa)
Os olhos não vão mais piscar
Os lábios não vão mais sorrir
O coração não vai mais sonhar
Você está só

Hoje eu vi Deus
Ou talvez apenas uma mancha no ar
Ele me disse algo
Mas a música estava alta demais
Indiferente

Um cadáver de sentimentos
Um anjo do pecado
O pudor da luxúria
A embriaguez da razão
As lágrimas do estuprador carregam todo o
Sentido da vida

Rivotril
Risotril
Vivotril
Corpo morto
Sopro morto
Não há pulsação
Nada

Samba para Ana Bolena

Morrer por um amor que não existe
É muito triste
Que a ilusão não se transforme em dor
E, no torpor, eu encontre um sorriso

É, eu sei, não é isso que eu preciso
Mas às vezes dói demais ficar só
E procuro na complicação de um nó
A simplicidade de ser feliz

É que hoje a saudade de você bateu
E nesses dias eu penso demais
Minha cabeça não se engana pela paz
Que carrego em meu semblante morto

Morto, vou dançar um samba morto
Vou mostrar meu corpo torto
Prá lua ignorar (será?)

Vou deitar neste gramado
Imaginar-me do seu lado
E deixar tudo queimar

Vou deitar neste gramado
Imaginar-me do seu lado
Prá o amor se enganar

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Tabacaria - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu."

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

...

Sorte o ser humano possuir polegar opositor..
Caso contrário, eu levaria meses pra diferenciá-lo de um animal qualquer.

AA! UU!

"AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Estou ficando louco
De tanto pensar
Estou ficando rouco
De tanto gritar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Eu como, eu durmo
Eu durmo, eu como
Eu como, eu durmo
Eu durmo, eu como

Está na hora de acordar
Está na hora de deitar
Está na hora de almoçar
Está na hora de jantar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Estou ficando cego
De tanto enxergar
Estou ficando surdo
De tanto escutar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Não como, não durmo
Não durmo, não como
Não como, não durmo
Não durmo, não como

Está na hora de acordar
Está na hora de deitar
Está na hora de almoçar
Está na hora de jantar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!"


(Titãs - AA UU)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Lisa

Lisa no canto do quarto
Lisa observando a fumaça
Lisa desprezando o movimento
Lisa escutando o silêncio
Lisa sorri
Lisa chora
Lisa não pode ser vista
Lisa está morta

(Tem oito anos e sorri quando pisca a luz)

Envelhecer

Uma gota cai do céu
Em meio a muitas, mas esta é uma gota especial
Entre tantos céus, ela escolheu o mais nublado
Entre tantas nuvens, ela escolheu a que mais se parecia um sonho
Entre tantos prédios, escolheu o mais sujo
Entre tantas janelas, escolheu a mais antiga
Se chocou contra o vidro e desapareceu

No pequeno e desajeitado quarto, reinava o silêncio
Em sua porta, uma placa gritava:
"Aluga-se este espaço vazio"

domingo, 6 de setembro de 2009

Eloquência

A inteligência é o corpo nu
algum prazer e muita dor

É um curtametragem de ilusão
e um filme mudo de solidão

Inteligência é desinteressante
É a boca muda e a cabeça baixa

O silêncio é criativo

O culto e o poeta

Tinham medo de se olhar nos olhos.
Para o culto, o poeta era um mistério, e ele odiava se confrontar com o que não conhecia perfeitamente.
O poeta, porém, tinha medo de uma única pergunta - ficava branco só de pensar em seu ponto de interrogação e o silêncio que se seguiria a ele. Ele sabia que, quando olhasse o culto nos olhos, enxergaria conhecimento, enquanto o culto, quando encarasse os olhos do poeta, se depararia com a criatividade.
Quem sentiria inveja?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Morte anterior à vida

Só quem já tocou em um cadáver sabe qual a sensação.
No início eles são moles, flácidos, como uma mulher que grita por socorro em vão enquanto é estuprada em um beco sujo por um homem nojento. Depois, porém, eles ficam rígidos - tão rígidos que, se fechar os olhos enquanto os toca, pode ter dúvidas quanto a quem está morto: você ou ele.
Dizem que uma pessoa só se sente viva quando em contato com outras pessoas; eu ouso discordar. A vida nada mais é do que um caminho em direção à morte - se você não se aproxima dela, não vive, e quanto mais se tem contato com ela, mais se sente vivo (experimente alguns segundos com uma arma carregada e apontada para sua cabeça).
Quando se toca uma pessoa viva, sente-se um pouco do que ela é: a textura de sua pele, a sensação provocada pelo toque - onde ela gosta (ou não) de ser tocada. Quando se toca um cadáver, tem-se a sensação do que é ser você: as unhas roídas se comprimindo contra a carne de seus dedos, suas doenças, hipocrisias, medos e desejos. É quase como tocar a si mesmo (e, de fato, talvez seja o mesmo, já que, para nós, nossas próprias vidas nunca são interessantes, o que não nos torna diferentes de uma pessoa morta).
Tocar um cadáver é como fazer com que seus dedos entrem em suas mãos, seu cérebro vire do avesso e se torne nítido, claro; tocar em um cadáver é nojento.
Já pensou em transar com um?

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

No meio de tudo, nada

No meio de um deserto, nasce uma flor
Cientistas questionam, debocham, ironizam
É impossível, mentira, sonho, mas é fato:

No meio de um deserto, nasce uma flor
E é realmente um sonho na cabeça dos poetas
Eles a descrevem: corajosa, ousada, brilhante e bela

No meio de um deserto, nasce uma flor
Ela exibe suas pétalas ao privilégio do sol
Balança, ao vento, como os cabelos de uma mulher
Única, maravilhosa, sábia, só
Milagrosa, forte, só
Feliz, só
só.

Quem vai dizê-la que é mais bela que todos os cactos à sua volta?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Cego

As paredes possuem olhos
Procurei os amigos, me escondi em cada um deles

Os amigos possuem olhos
Procurei as mulheres, me escondi em suas bocas e seus sexos

As mulheres possuem olhos
Procurei as bebidas, mergulhei em todos seus copos

As bebidas possuem olhos
Procurei uma caverna, rastejei, me escondi

As cavernas possuem olhos
Em desespero, gritei, gritei, e depois silenciei

O silêncio possui tudo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Monólogo

Silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio, silêncio, silêncio, silêncio
Fumaça, silêncio
As palavras mandam.

(...)

"De que lar os tiranos de nosso mundo escaparam?
Nero queimou Roma duas vezes, então compôs uma melodia dissonante
e a tocou até que toda a cidade cantasse com ele
Holako, quem herdou esta melodia,
colocou fogo
na biblioteca do mundo, o rio
se encheu de tinta, e das cinzas nasceu o idioma dos gafanhotos
como um presente ao louco.
Depois das saudações à loucura, Hitler veio
(...) Mas não se satisfazendo,
teve de incluir o marem sua grande destruição,
e a guerra no mar, com o tumulto na terra,
se juntaram em sua conflagração raivosa.

Eu também já vi um tirano
O qual possui um poder maior do que os outros três.
Ele cometeu várias atrocidades
e ainda assim: em seus dias,
houve cinco poetas
que silenciaram"

Omar Dahbour

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Traduzido do Inglês para o Português (o original, em Árabe)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Gravetos na fogueira da solidão

Ele cozinhava para si mesmo; salivava diante dos melhores pratos e tremia perante a ansiedade do relógio, que não se continha e pedia, a cada segundo, para que a comida logo ficasse pronta e seus ponteiros pudessem assisti-lo comer.
Ele cozinhava para si mesmo; e era um banquete. Sorria enquanto fervia uma panela de rancor e via cozinhar outra de infelicidade. Em uma frigideira, suas lembranças e seu passado fritavam e tudo se tornava fumaça enquanto, na mesa, a solidão apertava os talheres contra o prato provocando um ruído insuportável, demonstrando seu incontrolável ímpeto de devorar. Serviu a mesa, mas perdeu a fome.
Ele cozinhava para si mesmo e, sozinho, alimentava sua solidão; e era um banquete!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

No mundo dos espelhos

Lewis Caroll, falecido em 1898, foi um escritor e professor de matemática na faculdade de Oxford, na Inglaterra; Caroll possui, entre suas publicações, o clássico "Alice no país dos espelhos". Neste, a personagem Alice entra em um mundo fictício que habita o "interior" de nossos espelhos (mundo formado pelas imagens que vemos no espelho). Supondo que Alice encontre um espelho (que funcione para ambos mundos) que, de nosso ponto de vista (do ponto de vista de nosso mundo), seja convexo; caso ela se posicione entre o Foco e o Vértice deste espelho, quais serão as propriedades do objeto (Alice) em relação ao nosso lado do espelho e quais serão as propriedades de Alice em nosso mundo (sua imagem) em relação a ela própria?

GRANDES e pequenos jogadores

O Futebol é, sem dúvidas, um dos esportes mais belos do mundo; é porém, um esporte acompanhado por pessoas que o sabem apreciar e, infelizmente, pessoas que não têm nenhuma noção de como apreciá-lo. Este segundo tipo de pessoas é o que costuma confundir a grandeza de um clube com o número de títulos deste ou a grandeza de um jogador com números e estatísticas bestas, ou simplesmente com a habilidade, o que é completamente inaceitável.
O futebol está longe de ser passível de demonstração verídica em números, estatísticas, tabelas, assim como um jogador. Um time de futebol é um movimento cultural por si só, independente de seus títulos, ele carrega uma história que o torna um time grande; assim é, também, o jogador: independente de qual sua média de gols, quantos gols perde, quantas vezes falha dentro de campo e quantas vezes acerta, há diversos outros fatores que o tornam um grande ou um pequeno jogador.
Se o grande jogador fosse medido apenas por habilidade, por exemplo, Gattuso não seria um ídolo da seleção italiana tetracampeã mundial; o que o torna um grande jogador não é nem de longe sua habilidade, mas sim sua raça, sua emoção, o fato de vestir a camiseta da Itália e amá-la acima de qualquer coisa.

O problema de enxergar o futebol dessa forma é ter de ler declarações como essa de Keirrison (retirada de uma entrevista coletiva do jogador realizada no dia 16/08/09):

“Sou grato ao Palmeiras, aos companheiros, à torcida, ao Vanderlei Luxemburgo. Minha passagem foi muito rápida, mas o futebol muda muito rápido. Apareceu a proposta do Barcelona e não tinha como recusar. Qualquer um na minha situação aceitaria”

É uma declaração que particularmente me irrita muito porque, antes de mais nada, é algo que ouço desde minha infância: "Faça isso, é ridículo, mas todo mundo faz, então não tem problema algum"; essa mania medíocre do ser humano de justificar suas ações em cima do que outras pessoas fariam em seu lugar, como se a sua existência fosse simplesmente algo inútil, já que todas suas decisões vão ser exatamente iguais às de qualquer um que estivesse decidindo por você. O que qualquer um faria no lugar dele, sem dúvidas, é ser grato aos companheiros e à torcida, que o apoiaram apesar de sua fase final ridícula no clube (fase na qual ele já tinha certeza que seria transferido ao exterior), gratidão que não chega a ser o preço mínimo e a qual ele se absteve de pagar para o Palmeiras. Quanto à proposta, eu concordo em partes com ele, mas para ser ideal, faria uma paráfrase: (...) Apareceu a proposta do Barcelona e não tinha como recusar. Qualquer medíocre sem conhecimento dos grandes ídolos do futebol de meu país e do clube no qual me encontrava aceitaria.
E isso é fato, eu não preciso pensar muito para responder a esse jogador que o que ele diz não é verdade; para não citar casos de fora do meu clube, como Nilton Santos (considerado um dos jogadores mais inteligentes de todos os tempos, um revolucionário da ponta-esquerda e que nunca vestiu outra camiseta senão a do Botafogo - com exceção da camiseta da Seleção Brasileira) ou, para não me acusarem de me utilizar apenas de exemplos antigos, Rogério Ceni (revelado, em 1990, pelo Sinop Futebol Clube, e vestindo a camiseta do São Paulo neste mesmo ano para não tirá-la até os dias de hoje, apesar das inúmeras propostas para sair do país), resolvi me ater a apenas dois ídolos da história do Palmeiras:

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Em primeiro lugar, Ademir da Guia - O Divino.
Ademir da Guia foi revelado pelo Bangu, onde atuou por dois anos (1960 e 1961). A partir daí, só vestiu a camiseta alviverde (sendo titular absoluto do time por mais de dezesseis anos). É conhecido por seu domínio de bola, visão de jogo, calma e elegância, além de ser considerado um dos craques mais injustiçados do futebol (por seu número de participações pela seleção brasileira).

"A gente brincava de 'bobinho' nos treinos e tentava fazer o Ademir ir para o meio. Todo mundo tocava para ele com efeito, mas não tinha jeito. Do jeito que a bola viesse ele dominava. Eu não me lembro de uma única vez em que o Ademir tenha ido para o meio da roda." - Leivinha, ex-jogador palmeirense e companheiro de clube do Divino.

Sua importância ao Palmeiras é comparada à importância do Pelé para o Santos; isso, além de vir de sua enorme habilidade, vem do primordial para tornar alguém ídolo de um clube: amor e fidelidade a este.

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Para não me alongar demais, um dos maiores goleiros da história e meu maior ídolo no futebol: Marcos Roberto Silveira Reis - o São Marcos.
Um dos maiores prazeres que existe em ser Palmeirense em minha geração é poder ver um ídolo do Palmeiras ainda em atuação. Marcos chegou ao Palmeiras em 1992, fazendo sua partida de estréia em jogos oficiais (já que foi titular, em 1992, do Palmeiras na partida contra o Guaratinguetá) contra o Botafogo-SP em 1996, já pegando um pênalti(http://www.youtube.com/watch?v=Z5CDO6qTJHg - reconhecer um ídolo é fácil, como o próprio narrador torna óbvio: o gol não faria nenhuma diferença, mas a comemoração de São Marcos é de encher os olhos de qualquer torcedor palmeirense; vídeo muito emocionante) (Palmeiras 4 x 0 Botafogo - SP)
Sua história de gigante realmente começa em 1999, quando se torna titular do Palmeiras na Taça Libertadores da América (pela contusão do goleiro na época titular, Velloso), Libertadores conquistada pelo Palmeiras. Um jogo histórico e marcante para sua carreira, foi a vitória do Palmeiras nos Pênaltis contra o rival Corinthians nas quartas-de-final do campeonato (http://www.youtube.com/watch?v=ID6zmQDM74I - não achei um vídeo com momentos do jogo e os pênaltis, portanto, acabei usando este que mostra exclusivamente os pênaltis) (Corinthians 2 (2) x (4) 0 Palmeiras - Pênaltis).
Pela Seleção Brasileira, Marcos foi titular no pentacampeonato de 2002, realizando, segundo a FIFA, a melhor defesa da competição (contra a Alemanha, na final, em cobrança de falta de Neuville).
Marcos recebeu inúmeras propostas para clubes internacionais e nacionais; um grande exemplo de sua fidelidade foi a recusa da proposta de transferência do clube inglês Arsenal em 2003, ano em que o Palmeiras disputou a Segunda Divisão, se mantendo fiel ao Palmeiras mesmo no momento mais baixo da história do Clube. Quanto a propostas nacionais, Marcos recebe, durante sua contusão, em 2007, uma proposta de empréstimo pelo Botafogo, também recusada pelo jogador.
Entre seus vários prêmios, vale destacar que Marcos foi o único goleiro a ser eleito melhor jogador na Taça Libertadores da América (em 1999).

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Existe, portanto, uma diferença entre os grandes jogadores e os pequenos jogadores que não está no futebol, mas na cabeça e no coração, é o que estes passam para a torcida, é o que faz com que esses produzam a verdadeira emoção de ver seu time jogar; é o amor que os liga ao time na vitória e na derrota, é o que os torna ídolos.
Quanto à gratidão, a torcida do Palmeiras não precisa de gratidão, já temos do que nos orgulhar e deixamos o ridículo de lado; vale lembrar, como diria Marcos em entrevista após o último jogo de Edmundo com a camiseta alviverde: "(...) Podem ter certeza de que a torcida do Palmeiras não grita o nome de qualquer um". E é isso, Keirrison, espero que a média de 1,33 gols por partida se transforme em uma média de 1,33 milhões de euros na Europa, pra que te agrade mais, já que você acaba de recusar o que há de mais valioso no futebol, os gritos de uma "Torcida que canta e vibra".

"O técnico Muricy Ramalho fez questão de elogiar o poder de reação de Marcos e o fato de ele não ter se abatido com o lance do gol. 'Os grandes são assim. Não se apequenam e aparecem no momento que você precisa. O Marcos é dessa maneira, ele faz a diferença', elogiou o treinador."
Muricy, técnico do Palmeiras, após empate por 1x1 contra o Atlético-MG pelo Campeonato Brasileiro, no Mineirão, em 09/08/09; jogo em que Marcos falhou no gol do Atlético, mas se redimiu ao defender um pênalti.

sábado, 15 de agosto de 2009

Diagnosticado

A felicidade em um comprimido
Empoeirado, perdido, em uma mesa
O homem comprimido
Fedido, vazio, em um quarto cheio

Isotretinoína, Valium e AZT
Algumas pessoas não nascem para viver

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cafeína

Hoje me deitei na sujeira do mundo
Engoli desesperança e vomitei sorte
No hospital da nicotina, caçoei da morte
Nessa vida, já lambi de tudo

Transformo poeira em sonho
Luz em solidão
Arrasto as correntes pelas calçadas
Choro do grito uníssono da multidão

Lá vem o sol novamente, divisor das águas porcas
É quando os anjos, padres e prostitutas
Vêm me lembrar que ninguém faz merda de dia
Se enxerga demais

Toda porra é igual.

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http://www.youtube.com/watch?v=IW3Evz1Fcrg

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Dia-a-dia

Palavra fumaça fumaça palavra quarto fechado fumaça palavra palavra fumaça quarto fechado quarta palavra fumaça fechado palavra quarto fumaça fechada palavra fechada fumaça quarta palavra fechada fumaça fechado quarto palavra quarta fechado palavra quarto fumaça palavra quarta fechado fumaça fechada quarto palavra fumaça quarto fechado palavra quarto fumaça fechado fumaça fechado fechado fechado fechado fechado fechado fechado fechado fumaça

quarta-feira, 22 de julho de 2009

De volta ao lado de fora

Sonhar, sonhar, sonhar... o maior perigo e a maior necessidade da vida. Os sonhos te causam as maiores tristezas e as maiores felicidades, ambos em graus enormes somente enquanto estes se mantêm em sua cabeça, ainda não realizados.
Este andou sendo meu problema durante todo esse tempo: realismo demais. Por isso eu olho meus textos recentes e vejo vazio, péssima qualidade; olho e vejo quão pouco ando escrevendo (eu sempre escrevi à mão, mas agora me dói o pulso escrever meia página de caderno). Percebi que a desesperança me atacou como nunca e eu acabei desistindo de mim mesmo. Quanta coisa eu perdi pelo fato de nem querer assimilar o que se passava em minha frente, receber no meu cérebro as informações, mas simplesmente as guardar no peso e cansaço de meu olhar, que fica mais triste a cada dia que eu o encaro no espelho.
Mas hoje vejo que por ser um dos mais perdidos na vida, sou o que melhor a encontro; que me perco por acreditar nela.
O maior de todos os sonhadores: Marcelo Riceputi Alcântara





"(...)
Se um dia existiu esperança em algum lugar
foi ela quem te disse que sempre vale a pena sonhar"

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Canto de caderno

O vento empurra a folha
traz a lembrança morta
puxa, empurra, entorta

O suspiro traz o alívio ilusório
em meio à dor constante
em meio ao medo de ser

O ouvido nos fecha os olhos
Que, olhando a ave, nos intimida
Ouvindo, enxergamos a vida

.

Você dança valsa em meus pensamentos
Brilhante como uma rosa que se esconde no inverno
Ingênua como uma prostituta
Pervertida como uma criança
.
Sua motocicleta ronca em meus sonhos
Livre como Shakespeare em uma casca de noz
Egoísta como uma borboleta em seu casulo
Feliz como o solitário em um deserto
.
"Teu cheiro na rosa dos ventos"

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Search for me in 1968










"(...) Only a phase, these dark cafe days"

segunda-feira, 15 de junho de 2009

(...)

O que busca, então? Se quando se encontra em seu quarto, passa os dias esperando que o medo, a aventura, o desconhecido venha à sua porta; mas quando sai de casa, toca as ruas escuras da cidade, sente o pêlo arrepiar ao novo, corre e se esconde no velho, na memória de quando tinha a coragem de presenciar o novo. Quanto mais novidades, maior o medo, maior o pudor; ele chega a um ponto onde o novo está em sua memória, mas ele não se lembra do principal: a sensação de se encontrar com ele e encará-lo, prefere visualizar o antigo sem conseguir senti-lo.
Vida medíocre, passar sua vida reproduzindo sensações de sua vida passada em um papel, todas em várias situações diferentes, por não conseguir sair de casa e se arriscar novamente. Vida medíocre, que se passa em sua cabeça, no vôo de seu pensamento, que corre pela janela de seu quarto sem carregar consigo seu corpo, vai até a lua e a toca com sua mão invisível; mas ele só pode imaginar qual é a sensação que ela causa. Corre a vista por todos os livros e lê sobre as pessoas que pararam exatamente onde ele parou, se confortando por alguns serem mais inteligentes e descreverem de forma mais interessante e vívida algo que não lhe soa como novo, mas que o faz deitar a cabeça no travesseiro e pensar que, apesar de belo, não acrescentou nada ao seu dia, ao seu ano, à sua vida.
Onde há uma luz acesa? Não há, as pessoas são felizes, elas são ignorantes e ousadas, não ligam para as conseqüências perante a elas ou às outras pessoas, simplesmente agem sem pensar. Sensação estranha essa, sentar em um bar com vários amigos e esperar como se estivesse sozinho e alguma pessoa de verdade, com um diálogo natural e próprio, fosse aparecer e mudar as coisas, e soprar nele a vida por alguns segundos. Mas isso não vai acontecer, o novo se esconde dele nas coisas mais simples que ele já não tem mais paciência para observar, no olhar ingênuo ou na palavra simples e honesta; no mero dó maior ou na letra de rimas pobres e sem métrica; na rua mais suja ou no mendigo mais bêbado. Não está na ponta do cigarro que cai em seu quarto nem no copo sujo de bebida de ontem que o lembra de sua ressaca, mas na lembrança de sua mãe que estaria chorando ao vê-lo fazer isso ou na garota que ele deixou pra trás por não saber fazê-la feliz.
Aquelas saias levantadas, aquelas bocas fartas e aqueles belos companheiros com quem se embebedava e inventava um sentido pra tudo já não vão mais satisfazê-lo; com o tempo, a pele enruga, o cérebro enjoa, o sentimento exige, o mundo pesa, o novo corre e se esconde.
A tristeza é o velho a ver o nascer do sol.

sábado, 6 de junho de 2009

(...)

O amor é belo e frágil, como uma rosa
assim como o sempre.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Devaneio

Quero teu sangue quente em minha farta boca
Na raiva, te sinto amor
Na paixão, te sinto ódio
No inverno, desejo teu calor

Quero tua flecha afiada em meu peito
Em cada sonho, uma outra qualquer
Meu cheio se preenche com teu vazio
Em teu pudor, te vejo mulher

Quero cheirar teu corpo e vomitar desejo
Em teu sexo, recitar a canção de meus lábios
Em teu tesão, sinto desprezo
Em tuas carícias, me ponho a sonhar

Quero sentir teu beijo de boca torta
Dentro do teu peito, entrar em tua
dança de menina morta
E, farto do tédio, em teu seio adormecer

Em teu corpo, vejo teu rosto
Em teu rosto, vejo teus olhos
Em teus olhos, vejo tua alma
Em tua alma, te quero matar

sábado, 30 de maio de 2009

Down em mim




Eu não sei o que meu corpo abriga
nestas noites quentes de verão
E nem me importa que mil raios partam
qualquer sentido vago de razão
.
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te cantar, vou te gritar
te rebocar do bar
.
E as paredes do meu quarto vão assistir comigo
à versão nova de uma velha história
E quando o sol vier socar minha cara
com certeza você já foi embora
.
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te esquecer, pois nestas horas
pega mal sofrer
.
Da privada eu vou dar com a minha cara
de panaca pintada no espelho
E me lembrar, sorrindo, que o banheiro
é a igreja de todos os bêbados
Eu ando tão down
Eu ando tão down
...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

De alguém para alguém

http://www.youtube.com/watch?v=FQrhA6QtWOM
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Escrevo hoje para você porque você é a única pessoa que tenho para escrever. Por mais que você não pense tanto em mim quanto eu penso em você e talvez, na verdade, nem eu pense tanto em você quanto eu acho que penso.
O quarto em que você se encontra é indiferente; seja um hotel em um lugar maravilhoso, seja em um apertado quarto de uma cidade grande, a solidão consegue te encontrar e atacar. Você sai pelas ruas e, quanto mais pessoas passam ao seu redor, mais sozinho e pequeno você se sente.
O escritor é um paradoxo - ele não gosta de escrever, se sentiria eternamente feliz se nunca mais precisasse de um papel; exalta a arte por ser uma válvula de escape.
Eu me pergunto se você enxerga o mundo como eu, se sabe como é árduo ter de ir lá fora. Às vezes me pergunto se sairia se não precisasse comer ou de dinheiro, de vencer nessa batalha insana da vida. Para que sairia do quarto? Mas acontece que a lua e o ar da madrugada trazem o mundo para o escritor e mesmo que ele se tranque em seu quarto, vai estar em contato com as coisas como são. Enquanto houver mundo, mesmo de olhos fechados, o sentirei.
Então, quando a noite ataca mais fortemente, saio na varanda, olho a chuva, procuro nas janelas luzes e pessoas que se sintam como eu, mas não encontro. Penso em que você deve estar fazendo, se está deitada a olhar a luz de um abajur e a pensar nessas coisas, se está dormindo e tendo um sonho feliz, em outro mundo.
Será que realmente tenho o direito de lhe escrever? Alguém que enxerga as coisas dessa forma deve espalhar esse vírus? Será que eu não deveria simplesmente sumir? É por isso que sempre desapareço, mas ainda não encontrei o motivo pelo qual eu sempre reapareço - talvez seja porque, acima de tudo, sou humano; mais humano do que todos.
Sempre dizemos um ao outro que um dia vamos fugir, mas será que existe um lugar para onde fugirmos? Eu fujo de tudo quando vou até você, agora aguardo que você me mostre onde fica esse porto seguro que eu desconheço.
Escrever tudo isso é engraçado porque, quando estou próximo a você, não consigo nem chegar perto de pronunciar essas palavras - talvez nem precise pronunciá-las. Às vezes prefiro simplesmente olhar você, seus olhos, ou simplesmente saber que você está por aí, a te dizer algo.
Sinto saudades, espero que você esteja bem.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Trecho de "Noites Brancas", de Dostoiévski

"(...)
- Há, se não sabe ainda, Nastenka, há em Petersburgo muitos recantos estranhos. Nesses lugares, não penetra, dir-se-ia, o sol que brilha para todos os outros habitantes de Petersburgo: o que ali penetra é um outro, um novo sol enviado expressamente para esses recantos e que ilumina tudo com uma outra luz especial. Ali, minha cara Nastenka, se leva uma vida muito diferente, que não se parece com aquela que borbulha ao nosso lado, mas que pode se passar num mundo desconhecido, e não entre nós, em nossa época séria, ultra-séria. Essa vida é uma mistura de algo puramente fantástico, furiosamente ideal e, ao mesmo tempo - ai de mim, Nastenka! - enfadonhamente prosaico e ordinário, para não dizer inverossimilmente vulgar.
-Puxa! Ah! Meu Deus, que prefácio! Que me falta ouvir ainda?
-Ouvirá, Nastenka (parece-me que nunca me fatigarei de lhe chamar Nastenka), vai ouvir que nesses recantos habitam seres estranhos: os sonhadores. O sonhador, se quisermos defini-lo em todos os pormenores, não é um homem, mas sabe? Uma espécie de criatura do gênero neutro. Ele jaz na maior parte do tempo em algum canto inacessível, como se se escondesse da luz do dia e, uma vez retirado para o seu refúgio, gruda-se ao seu canto como o caracol, ou pelo menos parece-me muito, a esse respeito, com esse curioso animal, que é ao mesmo tempo animal e casa e que se chama tartaruga. Na sua opinião, porque ama ele de tal maneira suas quatro paredes pintadas obrigatoriamente de verde, sujas, tristes, enegrecidas de fumo além do permitido? Por que esse ridículo senhor, quando o vem visitar um de seus raros conhecidos (ele faz tantas que finalmente todos os seus conhecidos desaparecem), por que esse homem o acolhe com tanto embaraço, tanta perturbação no rosto, e confusão, como se acabasse de cometer um crime, lá, entre as suas quatro paredes, como se fabricasse notas falsas ou versinhos para mandar a alguma revista com uma carta anônima, precisando que o verdadeiro poeta morreu e que seu amigo considera como um dever sagrado publicar sua obra? Por que, diga-me, Nastenka, a convrsa custa tanto a travar-se entre esses dois interlocutores? Por que nenhum riso, nenhuma palavra mais viva surge, na casa onde esse amigo subitamente entrou e está inquieto, esse que em outra circunstância ama tanto o riso e as palavras brilhantes, e os discursos sobre o belo sexo, e outros assuntos divertidos? Por que então, enfim, esse amigo, provavelmente um conhecido recente, desde a primeira visita - pois em semelhante caso não haverá segunda, e ele não voltará mais -, por que esse próprio visitante está tão perturbado, tão arrefecido, com todo o seu espírito (se é que o tem), ao ver a expressão alterada de seu anfitrião, o qual, por seu turno, está agora completamente perdido e desprovido do seu último grão de bom senso, depois de esforços gigantescos, mas vãos, para aplainar e ornar a conversa, mostra-lhe também seu hábito da sociedade, falar também do belo sexo, e, ao menos por esta submissão, aprazer ao pobre homem extraviado, caído por engano em sua casa? Por que finalmente o visitante apanha o chapéu à pressa e se vai, rápido, ao se lembrar de repente dum compromisso absolutamente inevitável, que nunca existiu, libera sofrivelmente a mão dos quentes apertos de seu hospedeiro, encarniçado em manifestar seu desgosto em recuperar o tempo perdido? Por que, ao despedir-se, o amigo tem um largo sorriso, logo que chega à rua, e promete a si mesmo voltar à casa desse original - se bem que esse original seja no fundo um excelente rapaz -, e ao mesmo tempo é incapaz de recusar à sua imaginação uma pequena fantasia: comparar, mesmo de longe, a fisionomia do interlocutor de agora durante toda a entrevista, com o aspecto desse desgraçado gatinho enxovalhado, apavorado, torturado de todas as maneiras pelas crianças que o aprisionaram traiçoeiramente, e que, confuso ao extremo, fugiu-lhes enfim para debaixo da mesa na obscuridade, e lá deve com vagar, durante uma boa hora, se arrepiar, se molhar e lavar com as duas patas, pequeno focinho maltratado, e depois disto, com um olho hostil, olhar longamente a natureza e a vida, e mesmo os sobejos do repasto dos donos que lhe guargou uma cozinheira cariodosa?
-Escute um momento - interrompeu Nastenka, que todo o tempo me ouvia com espanto, olhos e boca abertos -, escute: eu não sei absolutamente por que tudo isso aconteceu e por que você me apresenta perguntas tão cômicas. Mas o que sei bem é que todas essas aventuras foram unicamente a você que aconteceram.
-Sem dúvida nenhuma - respondi, com expressão mais séria.
-Então, se não há dúvida nenhuma, continue, poios estou ansiosa por saber como isso terminará.
-Quer saber, Nastenka, o que fez no seu canto o nosso herói, ou para dizer melhor, o que fiz eu, pois que o herói de toda a aventura sou eu, na minha própria e modesta pessoa? Quer saber por que estive assim transtornado e perdido por todo o dia, depois da visita inesperada de meu amigo? Quer saber por que estive assim transtornado e perdido por todo o dia, depois da visita inesperada de meu amigo? Quer saber por que corri, tendo enrubescido assim quando se abriu a porta de meu quarto, por que não soube receber o visitante e sucumbi tão vergonhosamente ao peso de minha própria hospitalidade?
-Está bem, sim, sim! - respondeu Nastenka. - É isso que desejo saber. Escute: você sabe contar muito bem, mas não poderia contar com menos perfeição? De outro modo, quando você fala, dir-se-ia que lê num livro.
-Nastenka - respondi com voz grave e severa, mal podendo conter o riso -, minha cara Nastenka, eu sei que conto bem, mas perdoe-me, não sei contar de outro modo. Neste momento, minha cara Nastenka, eu me assemelho ao espírito do rei Salomão que ficou mil anos numa ânfora fechada a sete chaves, e que finalmente foi libertado. Neste momento, minha cara Nastenka, em que nos reunimos de novo depois de tão longa separação, pois eu a conheço há muito tempo, Nastenka, pois desde há longo tempo eu já procurava uma certa pessoa, e isto significa que eu procurava, a você, e que estávamos destinados a nos revermos agora - neste momento abriram-se na minha cabeça milhares de válvulas, e tenho que me exprimir numa torrente de palavras, se não sufocarei. Assim, suplico-lhe não me interromper, Nastenka, mas ouvir com submissão e docilidade; senão me calarei.
-Não, não, não! Não quero! Fale! Não direi mais uma palavra.
-Então continuo. Nastenka, minha amiga, há no meu dia uma hora que eu amo extraordinariamente. É aquela em que se acabam quase todos os afazeres, funções e obrigações, e em que todo mundo se apressa a voltar para casa, para jantar ou descansar, e ao mesmo tempo, a caminho imagina ainda outros motivos de alegria, para a noite, e para o tempo que fica livre. Àquela hora, nosso herói também - pois vou me permitir Nastenka, fazer meu relato na terceira pessoa, porque na primeira eu teria muita vergonha -, assim, a essa hora, nosso herói também, que aliás não é um ocioso, segue os outros. Mas uma estranha sensação de contentamento se espalha no seu rosto pálido, como se ligeiramente fanado. Não é indiferente ao pôr-do-sol, que lentamente se extingue no céu frio de Petersburgo. Se dissesse que ele o olha, eu mentiria; não olha para ele, contempla-o sem se dar conta, como um homem fatigado ou ocupado ao mesmo tempo com outro objeto mais interessante, de maneira que por instantes apenas, quase involuntariamente, ele pode conceder tempo àquilo que o cerca. Está satisfeito, pois acabou, até o dia seguinte, com assuntos que o aborrecem, e contente como um estudante que se libertou da escola e que corre para os jogos e brincadeiras prediletos.
Olhei-o furtivamente, Nastenka: verá logo que esse sentimento de alegria, felizmente, já lhe agiu sobre os fracos nervos e sobre a imaginação excitada de forma doentia. Atenção, ele pensa em alguma coisa... Você calcula: em seu janta? Na noite de hoje? Que olha ele assim? Aquele senhor grave, que acaba de saudar tão pitorescamente uma dama que passou por ele, não há senão um instante, em sua elegante carruagem, em sua brilhante caleche? Não, Nastenka, que tem ele agora a fazer de todas essas misérias? Neste momento ele é um homem rico de sua vida interior; ficou rico de repente, e o último raio do sol poente não brilhou inutilmente para ele, e fez surgir de seu coração reaquecido todo um enxame de impressões. Agora, mal repara no caminho no qual outrora o mínimo pormenor podia chocá-lo. Agora a deusa Fantasia (se leu Jukovski, minha cara Nastenka) teceu com mão caprichosa sua trama de ouro e desenvolveu diante dele os arabescos de uma vida maravilhosa, inaudita e - quem sabe? - talvez com mão caprichosa, tenha-o transportado ao sétimo céu de cristal, deste excelente passio de granito que o leva à sua casa. Procure detê-lo agora, pergunte-lhe de repente onde está ele nesse momento, por que ruas passou; estou certo, não se lembrará de nada, onde esteve, nem onde está no momento, e, corando de despeito, inventará não importa o quê para salvar as aparências.
Eis aí por que estremeceu tão fortemente, quase gritou, e olhou à sua volta com pavor, quando uma velha muito respeitável o fez parar cortesmente no meio da calçada e lhe perguntou pelo caminho, que ela havia perdido. Os supercílios franzidos de enfado, continua sua rota, mal reparando que mais de um transeunte sorriu, ao olhá-lo, e se voltou para o ver, e que uma menina, depois de se ter afastado dele com medo, se pôs a rir muito alto, olhando bem seu largo sorriso contemplativo e os seus gestos. Mas foi isempre a mesma Fantasia que levou no seu vôo jovial não só a velha, como também os transeuntes curiosos, e a menina risonha, e os homens que ceiam nos barcos que obstruem o Fontanka (suponhamos que o nosso herói passava justamente por lá nesse momento); ela envolveu maliciosamente tudo e todos no seu véu, como moscas numa teia de aranha, e com esta nova aquisição o original entrou enfim, em sua asa, na sua amada toca, sentou-se à mesa, há muito já acabou de jantar e só se deu conta do que o cercava quando a penstiva e eternamente aflita Matrena, que o serve, retirou a toalha e lhe estendeu o ca-chimbo; voltou a si e com espanto se lembrou que acabara de jantar, sem querer ter reparado como isto acontecera.
No aposento descera a obscuridade; sua alma está vazia e triste; todo um reino de fantasias se desmoronou à sua volta, desmoronou sem deixar vestígios, sem ruído num tumulto, passou como um sonho e ele nem se lembra que teve essas ilusões. Mas uma espécie de obscura sensação, que magoa e lhe agita ligeiramente o peito, uma espécie de desejo novo, seduz, afaga e irrita sua imaginação, e suscita furtivamente todo um enxame de novos fantasmas. No quarto exíguo reina o silêncio; a solidão e a preguiça lisonjeiam a imaginação; ela se inflama rapidamente, rapidamente atinge a ebulição, como a água na cafeteira da velha Matrena que, impertubável, se ocupa, na cozinha ao lado, em preparar-lhe o café. Ei-la que já se evola em ligeiras espirais, e o livro apanhado sem objetivo, ao acaso, cai das mãos do meu sonhador, que não chegou à terceira página. Sua imaginação de novo se sobreexcita, e subitamente, outra vez, um novo universo, uma nova vida encantadora, surge-lhe aos olhos em brilhante perspectiva. Novo sonho: nova felicidade! novo trago de um veneno delicioso, refinado! Oh! De que lhe serve a nossa vida? Ao seu olhar seduzido, você e eu, Nastenka, vivemos uma vida tão preguiçosa, tão lenta, tão largada! Ao seu olhar estamos todos tão descontentes com a nossa sorte, tão fatigados de nossa existência! E em verdade, considere, com efeito, como, à primeira vista, tudo entre nós é frio, amargo, como que hostil... "Os pobres diabos!" pensa o meu sonhador. Não admira nada que ele assim pense! Olhe os fantasmas feéricos que se formam diante dele, feiticeiros, caprichosos, largamente e sem limites, em um animado quadro fantástico, em que se encontra no primeiro plano, naturalmente, primeira figura, o nosso próprio sonhador em sua preciosa pessoa. Olhe: que aventuras variadas, que enxame infinito de sonhos exaltados! Você perguntará, talvez, com que sonha ele? Para que perguntar? Mas em tudo... no papel do poeta, primeiro desconhecido, depois glorificado; em sua amizade com Hoffmann; na matança de são Bartolomeu; em Diana Movbray; em Effie Deans; nos prelados em concílio, e em Huss diante deles; na revolta dos mortos em "Roberto, o Diabo" (lembra-se da música? Cheira a cemitério!); em Mina e Brinda; na batalha de Berezina; na leitura de um poema em casa da condessa V... a D... a; em Danton; em Cleópatra e i suoi amanti, na casinha de Kolomna; num cantinho para ele e, ao seu lado, uma criatura amada que o escuta, numa noite de inverno, sua pequena boca e os olhinhos bem abertos - como você me escuta neste momento, ó meu pequeno anjo!...
Não, Nastenka, que lhe importa, a ele, preguiçooso, voluptuoso, esta vida a que aspiramos de tal modo você e eu? Pensa que é uma pobre vida, miserável, sem adivinhar que, para ele também, talvez, um dia soará a hora lamentável em que soluçante e desesperada, sobre o seio, sem ouvir a tempestade desencadeada sob um céu lúgubre, sem ouvir o vento que arrancava e levava as lágrimas de seus cílios negros? É possível que tudo isto não tenha sido senão sonho, e este jardim melancólico, abandonado e selvagem, com suas alamedas forradas de musgo, solitário, intratável, onde tão freqüentemente passeavam os dois, esperavam, desespeeravam, amavam, amavam-se um ao outro, tanto tempo, tão longo tempo e tão ternamente! E essa velha morada ancestral, bizarra, onde ela viveu tantos anos solitária e triste com seu velho marido, rabugento, perpetuamente calado e bilioso, que os atemorizava, a eles, tímidos como crianças, que melancólicos e apavorados se secondiam um do outro seu amor? Como se atormentavam, como temiam, como era puro e inocente o seu amor e quanto (a coisa é muito natural, Nastenka) as pessoas eram malvadas! E, meu Deus, não foi ela que reencontrou em seguida, longe das fronteiras da sua terra natal, sob um céu estrangeiro, meridional, causticante, na maravilhosa Cidade Eterna, no tumulto de um baile, ao ruído da música, em um palazzo (obrigatoriamente um palazzo) mergulhado em um mar de fogos, sobre esse balcão enguirlandado de mirtos e de rsas, onde, tendo-a reconhecido, ela tirou tão apressadamente sua máscara e, sussurrando: "Eu sou livre", trêmula, soluçante, atirou-se em seus braços; então com um grito de entusiasmo, estreitados um contra o outro, esqueceram, num minuto, desgosto e separação e todos os tormentos da casa e o marido soturno e o sombrio jardim na pátria longínqua e o banco no qual, depois de um último beijo apaixonado, ela se tinha desprendido do seu amplexo, petrificada num sofrimento sem esperança... Oh! confesse, minha cara Nastenka, pode-se fugir, perturbar-se e corar como um colegial que acaba de introduzir no bolso a maçã furtada no pomar vizinho, quando um rapaz sadio e alto, alegre companheiro e belo conversador, seu conhecido, sem ser convidado abre a porta e grita como se fosse nada: "Sou eu, meu caro, chego neste momento de Pavlovsk!" Meu Deus, o velho conde está morto, eis finalmente a felicidade, uma indizível felicidade, e logo agora chega-lhe gente de Pavlovsk.
(...)"

domingo, 26 de abril de 2009

Fantasiado

A brasa do cigarro do músico não é a mesma do advogado ou do empresário; ela o busca no fundo de sua alma e o alivia de si mesmo o colocando mais próximo da morte.
O músico está sempre farto de si mesmo; cada pessoa vê o mundo com as cores que lhe convém - o músico o vê em preto e branco. Ele está nos falsetes de Thom Yorke, na cama solitária de Janis Joplin, na mescalina de Allen Ginsberg e na inquietação de Bob Dylan.
O músico não é naturalmente triste, mas a natureza quer que ele seja e o força a ser; ele escreve sobre o amor porque sabe que é incapaz de possuir o amor de uma mulher, escreve sobre a alegria porque a quer em sua vida e sabe que nunca a terá, escreve sobre a tristeza porque a vê o tempo todo e, finalmente, escreve sobre o medo porque é curioso - ele não tem nada a perder, não precisa sentir medo.
Quando se é feliz, a infelicidade é triste; quando se é infeliz, a felicidade se torna triste - não há saída. Ler e escrever são os piores hábitos viciosos; somados são o primeiro passo para a desesperança, sendo o segundo quando se vê esta na vida real.
Não há esperança em lugar nenhum, mas é bom que você viva acreditando nela.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Videotape

Hoje eu não acordei; o sol não tinha direito de subir ao céu e os carros movimentam as ruas porque são tolos. Talvez eu tenha acordado demais e por isso esteja aqui, no meu quarto, de pijama, com tudo fechado, escrevendo no escuro. É verdade que hoje não quero ver a luz, nao quero me ver ao reflexo do espelho, meus brincos, pulseiras, roupas, quero retirar tudo de mim; cabelo, sobrancelhas, quero raspar cada pêlo de meu corpo - retirar detalhe por detalhe que construí em minha personalidade até voltar a ser ninguém, voltar ao zero. Rasgar e queimar cada pequena lembrança desse caderno, desde um pedaço de pano de chão até uma flor tão destruída pelo tempo que já se tornou irreconhecível como uma. Fazer com que cada foto onde eu apareça no tempo simplesmente desapareça junto com os momentos nos quais elas foram tiradas. Junto com os momentos, que cada pessoa que esteve comigo me esqueça, me olhe e pense nunca ter me visto.
Quando tudo o que me liga ao mundo finalmente se apagar, quero que esse quarto se tranque para sempre e se mova para um lugar onde não exista nada além de meus CDs, livros, papés, lápis e o silênico da alma singular.
Que meu violão não se esqueça de mim, que eu não me esqueça dele e que eu não me esqueça de mim mesmo.

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http://www.youtube.com/watch?v=-kCKob1YKOU

terça-feira, 14 de abril de 2009

Poema interior

Quanto menos fede o corpo
mais fede a alma
.
A maquiagem não esconde o ser
O mar alcança até as pedras mais claras
E é nos pensamentos mais profundos
que encontramos os sentimentos mais imundos
.
Quanto mais pesa o copo
menos encara a cara
.
Porque é nos olhos mais bonitos
que encontramos os maiores desesperos reprimidos
No álcool do bar, o alívio imediato
No escuro do quarto, o sofrimento intacto
.
Quanto mais farto o troco
mais se perde a calma
.
Quando se tudo tem
tudo tem importância
Mas de mochila vazia
o silêncio preenche a esperança
.
Quanto menos a pele cora
menos a mente aflora
.
Barreira, cegueira, muro mudo
aço, embaraço, pensamento a fora
Acaso, descaso, embaralha tudo
fecha essa guarda, vai embora

terça-feira, 24 de março de 2009

Fim da viagem

Depois de quatro anos, o homem caminhava novamente só pela praia. Sentia, em seu rosto, o suor escorrer-lhe violentamente e, em seus músculos, a fadiga contrair-lhe dolorosamente - e isso era bom; era como se sua mente se dividisse entre a atenção ao exterior, à sua vida pessoal e ao seu esforço físico e, quanto maior fosse esse esforço, menos seu pensamento se voltaria às áreas restantes.
Enquanto andava, de cabeça baixa, notou que algo mudara totalmente de quatro anos para cá: antes andava sempre de cabeça erguida, observando as pessoas e procurando em seus olhos seus sofrimentos, indignações e, por que não, alegrias. Agora, ao erguer a cabeça, o homem olhava a todos com indiferença.
Nunca havia sido um comunista, pixado muros, participado de protestos ou lutado abertamente contra o sistema, mas ao mesmo tempo, em sua vida, nunca havia conhecido alguém tão subversivo quanto ele próprio.
O fato era que a mulher que amava havia o abandonado neste dia e ele se sentia como se estivesse reconhecendo o que restara de seu mundo. Se antes olhava ao seu redor e ansiava justiça, mudança, agora olha ao seu redor e nada sente; é como se antes de a conhecer ele amasse todos e se preocupasse igualmente com todos e, ao conhecê-la, tivesse reunido todo esse amor em uma única pessoa, a qual jogou tudo no lixo; nada mais restava para ele.
Percebeu, então, que o fato de ela o ter abandonado era indiferente; o amor é optar por uma vida de alguns anos entre esta e a eternidade.
Sorriu, parando ao lado de um lixo e retirando uma foto do bolso, onde ele e sua ex-mulher sorriam para a câmera. Porém, ao olhar para o lixo, ficou novamente melancólico, guardando a foto em seu bolso outra vez.
Há, na vida, caminhos dos quais não se pode voltar.