terça-feira, 29 de setembro de 2009

Espelho

A prostituta observa seu reflexo, nu, no espelho
Em seu corpo, marcas que nunca cicatrizaram
Mas lhe deram comida e álcool
Permitiram que sua vida continuasse, sem sentido
(com ou sem vírgula)
Seu sexo, disforme, devorado pelo instinto humano
Seus seios nunca amamentaram,
Mas foram chupados, até secarem, pela irracionalidade
Seu ânus havia sido cruelmente violentado
Ela ainda se lembra da dor, mas este custava mais caro

Lembrou-se de quando era jovem e bela
Em uma mesa prostituída,
Brindou a infidelidade da felicidade
E a infelicidade da fidelidade
Sentiu o vinho caríssimo deslizar suave por sua garganta
Depois deste, a porra suja e agressiva
E, como esses rastros de vida que engoliu,
Perdeu-se

Lembrou-se de sua infância
Seu sorriso era dócil, ingênuo, feliz
E não pedia um porquê
Não se lembra de quando tudo passou a pedir um
Se a dor trouxe a falta de sentido
Ou a falta de sentido trouxe a dor
Tentou esboçar um sorriso,
Não conseguiu chorar

Foi quando a bala atravessou o céu de sua boca
Perfurou suas lembranças, desavenças, suas noites
Perfurou os detalhes de sua vida
Perfurou seu amor que não alcançava nem sequer ela própria
O eco, porém, não pertenceu ao tiro

O corpo de Lisa se foi,
Infeliz para sempre
Seu sorriso, porém, se prendeu naquele quarto
Feliz e infeliz, eterno
À espera de um porquê

Não posso deixar de amar esta garota
O que a sociedade fez com seu corpo
Fez também com minha alma