sábado, 8 de dezembro de 2007

"Singularidades de uma rapariga" - (Eça de Queirós)

"(...) Vinha de atravessar a serra e os seus aspectos pardos e desertos. Eram oito horas da noite. Os céus estavam pesados e sujos. E, ou fosse um certo adormecimento cerebral produzido pelo rolar monótono da diligência, ou fosse a debilidade nervosa da fadiga, ou a influência da paisagem escarpada e chata, sobre o côncavo silêncio noturno, ou a opressão da eletricidade que enchia as alturas, o fato é que eu - que sou naturalmente positivo e realista - tinha vindo tiranizado pela imaginação e pelas quimeras. Existe no fundo de cada um de nós, é certo - tão friamente educados que sejamos -, um resto de misticismo; e basta às vezes uma paisagem soturna, o velho muro de um cemitério, um ermo ascético, as emolientes brancuras de um luar - para que esse fundo místico suba, siga como um nevoeiro, encha a alma, a sensação e a idéia, e fique assim o mais matemático, ou o mais crítico, tão triste, tão visionário, tão idealista - como um velho monge poeta. (...)"