segunda-feira, 7 de junho de 2010

(H)a vida embaixo do papel(?)

Muitos se perguntam quem sou. Arruinar-se-iam se encontrassem resposta a esta pergunta. Para muitos minha existência é completamente despercebida. Aos outros tantos, rastros, sombras de mim, e nada mais. Presença soturna, porém incômoda. Misteriosa, porém viva. Presença que dá o gosto da liberdade e guia pelo caminho da miséria. Presença onde felicidade é ausência: de dores de cabeça, insônia, solidão, silêncio, vício.
Alguns se perguntam se sou Deus: a estes, digo que sou o contrário do padrão. Outros se perguntam se sou um criminoso, um canibal: a estes, digo que não há um dia sequer em que eu não sorria por não ser humano, criatura que tanto invejo. Meu crime é o que mantém minha existência tolerável, direciona-se a existências que seriam vazias sem mim, a existências que querem se esconder tanto quanto eu e o fazem da mesma forma, soprando esta corrente até que a arte domine o mundo e todos vivam sós. Não concedo resposta porque não julgo o sentimento que já entendo; escondo para não ser julgado.
Há apenas uma diferença certa entre nós: a folha que lhe seve de chão se apresenta a mim como céu. Você não ouve minha voz, mas escolhe entre segui-la ou não a todo instante. Em minha presença, o estupro pode ser tão belo quanto o amor. O grito pode ser tão infeliz quanto o sopro. Da masturbação, sou o silêncio póstumo. Da insônia, sou os olhos.
Estou nos contornos azuis ou pretos das pautas de todas as folhas. Flutuo no vazio mar cristalino da folha sulfite, produzindo ondas, como se fosse mera gota de chuva, ser que também invejo.
No papel em branco, entendo o terror: minha nudez se expõe, afoga-me. Um assassino caminha em minha direção e eu não possuo braços. Um palhaço diverte a platéia de seu circo com piadas sobre meu pranto. O branco e os pesadelos, verdadeiros e sinceros como são.
Textos vulgares são como lonas, máscaras de oxigênio: me mantêm vivo, escondido, e nada mais; como uma pessoa que não passa fome, mas se alimenta de pílulas todos os dias por dez anos.
Cada palavra infeliz que um poeta miserável deposita num pedaço de papel, porém, cai sobre mim como cobertor. Os poemas de caligrafia quase ilegível constroem paredes ao meu redor, revelam-se um quarto quente e úmido em medida certa, com o odor perfeito, sem janelas ou portas, mas somente minha existência, com as verdades e mentiras cobertas, sem poderem ser assim discriminadas. Ao poeta, resta o fôlego da esperança (que cabe a ele - não julgar - sentir se é verdadeiro ou artificial), a força de manter-se vivo por mais um período de tempo.
Se qualquer coisa dita acima fizer qualquer sentido para você, guarde suas lágrimas: nem elas poderão salvá-lo de mim.