sexta-feira, 28 de maio de 2010

O perdão

Senhor, eu te perdôo.
Perdôo por ter-me imposto esta existência medíocre. Dedico a ti a bondade que sempre esperaste de amar teu crime até o fim e ainda assim perdoá-lo antes de partir, como um desumano sentimental.

Amém.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Trecho de "Escritores medíocres"

"Sou um péssimo escritor, músico, compositor, poeta. Nao há, aqui, humildade besta, o que não condiz com minha pessoa, mas um fato reconhecido por qualquer pessoa que tenha comigo razoávelo contato.
Há pessoas, porém, que cruzam meu caminho e conseguem notar os sentimentos que estão por trás de palavras e notas que não são capazes de expressá-los de forma completa, o que faz com que eu não deixe de me considerar artista, mas me veja como um artista solipsista. Não são estas pessoas super-dotadas ou sobrehumanas (assim como não são meus sentimentos). Desconheço a razão pela qual elas conseguem compreender o que está por trás de minhas cortinas: elas simplesmente podem.
Sou, além de péssimo escritor, também humano. Ficaria satisfeito com o simples fato de estas pessoas absorverem parte do que sinto e praticarem. Porém, infelizmente, sou também humano. Este desabafo não deve ser visto como súplica ou exigência, porém, como humano, esperei sempre que houvesse por parte destas pessoas gratidão - na forma de sentimento fraterno -, o que não recebo, talvez por arrogância defensiva própria ou por estar enganado quanto a tudo.
Por vezes tentei me libertar desta expectativa e ficar feliz por mudar, ainda que infimamente, estas pouquíssimas pessoas, mas nunca consegui me libertar de minha humanidade, sem sucesso.
Não vejo nestas pessoas - que vão à fundo em meus sentimentos, me vendo a princípio não só como um péssimo escritor, mas como também um grande ser humano, e, posteriormente à absorção do meu íntimo (muitas vezes o distorcendo, o que é o mais doloroso), voltam a me desprezar como somente um péssimo escritor e nada mais (o que talvez eu seja) - erro ou acerto, uma vez que tudo talvez não passe de minha culpa, mas vejo na situação insustentabilidade humana.
Por ser humano, agora evito o papel, meu violão, evito abrir os olhos em público; por ser humano, adentrei na arte; por ser humano, permiti às pessoas que pudessem me abandonar.
Por ser humano, aspiro arte e agora tenho medo de expirá-la. Por ser humano, penso agora em largar tudo.
Esta humanidade, que produz o que tenho de valor em seu ponto forte e o quer esconder por seu ponto fraco.
Por ser humano e disposto a ser julgado, desde que na condição de humano.

E isto explica muita coisa."



De autoria de um blogueiro obeso e desconhecido.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Asperger

Canto que silencia
Vinho que anestesia
Sonho que grita
Só pra mim

O segredo da ejaculação:
Ninguém nunca saberá quem sou.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Migalhas

Página em branco
O velho, antes manco
Agora vive sem pernas
Espera, em miséria
Que suas lágrimas chulas
Derretam sua bengala muda

Hoje chove água do mar
A loucura está permitida
É real ferida
Mata mas não cria
É dor que não dói

Não serei dois filhotes no inverno
O teatro está cheio
Mas hoje não haverá poesia
Deixe-me sua piedade, em migalhas

Migalhas maltratadas de pão

sexta-feira, 23 de abril de 2010

The last time I saw Richard (Joni Mitchell)

"Last time I saw Richard was Detroit in 68
And he told me all romantics meet the same fate
Someday, cynical and drunk and boring someone
In some dark cafe
You laugh, he said, you think you're immune,
Go look at eyes
They're full of moon
You like roses and kisses and pretty men to tell you
All those pretty lies, pretty lies
When you gonna realize they're only pretty lies
Only pretty lies, pretty lies

He put a quarter in the wurlitzer, and he pushed
Three buttons and the thing began to whirl
And a barman came by a fishnet stockings and a bow tie
And she said: "drink up now it's getting on time to close"
Richard, you haven't really changed, I said
That's just now you're romanticizing some pain that's in your head
You've got tombs in your in your eyes, but the songs
You punched are dreaming
Listen, they sing of love so sweet
When you gonna get yourself back on your feet?
Oh and love can be so sweet, love so sweet

Richard got married to a figure skater
And he bought her a dish washer and a coffe percolator
And he drinks at home now most night with the TV on
And all the house lights left up bright
I'm gonna blow this damn candle out
I don't want nobody comin'over to my table
I've got nothing to talk to anybody about
All good dreamer pass this away someday
Hidin' behind bottles in dark cafes
Dark cafes
Only a dark cocoon before
I get my gorgeous wings
And fly away
Only a phase, these dark cafe days"

domingo, 11 de abril de 2010

(...)

Meu corpo não vale nada
Não vale as pedras sob meus sapatos
Não vale as idéias que se chocam com a solidão

O solo de minha mente é impróprio ao que não é racional
Meu coração não suporta o que faz sentido total

Meu amor é saliva
Minha retribuição é o álcool
Isto não faz sentido para vocês
A bondade é minha natureza
A maldade é minha solução
Isto não faz sentido para vocês

Injetem sangue em minhas veias
E me ensinem a ser humano
Ou me matem com todo o amor
Que insistem em não compreender
Ou me masturbem
Até que eu não consiga pensar
Me maltratem com o pior dos fetiches
Até que me sinta em casa
Até que me sinta no inferno
Até que todas as luzes se apaguem

Quando você for embora, não se esqueça de cospir em mim
Para que eu perceba que sou pior que você
Não esqueça de fechar a porta
Para que eu perceba que estou sozinho
Não esqueça de nunca contar a ninguém o que viu
Para que eu não tenha de responder perguntas infantis
Não esqueça de gritar seu testemunho
Para que Deus saiba que tentei
Para que todos saibam que Deus não existe
Até que todos percebam
Que a arrogância não é um belo defeito
Que nenhum arrogante quer ser só
E que o Álcool é o sexo dos miseráveis

Antes de ir embora, me sirva outra dose
E prometa que vai tentar
Depois não olhe para trás
Porque a noite acabou
Mas o que sinto está em seus pulmões
E é eterno

Eu te amo

quarta-feira, 31 de março de 2010

Mal nenhum

"Nunca viram ninguém triste?
Por que não me deixam em paz?
As guerras são tão tristes
E não tem nada demais

Me deixem, bicho acuado
Por um inimigo imaginário
Correndo atrás dos carros
Como um cachorro otário

Me deixem, ataque equivocado
Por um falso alarme
Quebrando objetos inúteis
Como quem leva uma topada

Me deixem amolar e esmurrar
A faca cega, cega da paixão
E dar tiros a esmo e ferir
O mesmo cego coração

Não escondam suas crianças
Nem chamem o síndico
Nem chamem a polícia
Nem chamem o hospício, não

Eu não posso causar mal nenhum
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim"

Cazuza - Mal nenhum

Pensamentos em migalhas de pão

Se antes fumava, agora apenas assiste ao cigarro queimar.
Percebo que o fato de encontrar-se a liberdade ao perder as esperanças possui uma amplitude ainda maior do que a que sempre admirei. Isto porque me dei conta de uma enorme contradição pessoal: nunca acreditei na felicidade - da forma como as pessoas procuram -, no entanto, sempre vi nas formas imaginárias da liberdade algo de feliz e real. A liberdade, porém, é o estado mais infeliz que um homem pode experimentar, se alcançada de uma maneira permanente e extensa. O que as pessoas procuram é como pôr a língua na borda de um doce com um recheio horrível, uma espécie de "liberdade de fim de semana", uma sensação que mantenha o desejo funcionando enquanto se vive em uma prisão mental.
O homem sempre deseja se apegar a algo, seja este outra(s) pessoa(s) ou objetos quaisquer. É natural que sinta-se horrível não podendo se apoiar em nada, se for indiferente a tudo; é como um filho que perde os pais antes de nascer, como não ter por que lutar ou em que sonhar. Um tédio mental repleto de idéias muito mais numerosas do que em uma cabeça comum, porém sem valor para quem está ao seu redor e, portanto, sem oportunidades e importância para/de serem expostas.
O raciocínio começa a se cortar, como se fosse uma doença incurável e com a qual a convivência é impossível.
Só resta, a uma pessoa livre, a ambição de que as outras também se libertem, para que tudo tenha valor. Ainda há, dormindo em meio à liberdade, o egoísmo e o sonho, que ardem e machucam sem se expor.
É recorrente à pessoa livre o pensamento no suicídio, não porque este vá libertá-la, mas porque a liberdade isolada é uma ferida em progressão.
E como dói.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Porque nada temos...

"Porque nada temos…
O Chile estava em ruínas.
Outro terremoto.
O mesmo país.
Morte e desespero em todos os olhares.
A Copa do Mundo era o de menos.

Porque nada temos...
Como pensar em Copa do Mundo quando se contavam os mortos.
As mães chorando pelas calçadas.
Talca e Concepcion vermelhas de sangue.

Porque nada temos…
A FIFA ameaça mudar a sede do Mundial.
Carlos observa o seu país devastado.
Carlos que nascera longe dali.
Em Niterói.
Um chileno carioca.

Porque nada temos…
O Chile ouve as palavras de Carlos.
O Chile junta seus trapos e farrapos humanos.
Seu coração e sua honra.
Constrói pedaço por pedaço em desenho mágico.
Campos. Cidades. Vidas.

Porque nada temos…
Dos que nada possuem chega a força para voltar a sonhar.
O futebol torna-se símbolo da ressurreição nacional.

Porque nada temos…
Dois meses antes da Copa do Mundo de 1962.
O Chile está pronto para receber Pelé, Garrincha e Masopust.
O país chorando suas cruzes.
O país de pé novamente.

Porque nada temos…
Os jornais dão a manchete.
Aos 38 anos morre Carlos Dittborn.
O coração dizendo adeus.
Como um final de tarde em Viña Del Mar.
Como um poema de Neruda."

Roberto Vieira

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Medo

Ando com medo de tantas coisas. Medo de escrever. Tenho medo de ficar rodeado de pessoas, tenho medo de morrer só. Tenho medo de ter um filho e me tornar meus pais, tenho medo de nunca ter filhos.

Ando recusando ligações, dormindo pela manhã e vivendo à noite. Quero ficar só, é tudo o que me importa. O maior prazer em escrever é ouvir as teclas ecoando no silêncio, como um inseto gritando à noite, como um lembrete: "não se preocupe, não há ninguém em volta de você, ninguém está acordado. Só você no mundo".

Tenho medo de ter medo. Tenho medo de esquecer que eu tenho de ter medo. Tenho medo de ter de me expor desnecessariamente. Medo de fugir e nunca mais me expor. Medo de esquecer o que são as pessoas, pra que elas servem, o que elas fazem. Medo de pensarem que sou uma pessoa. Medo de ter amigos. Medo de ter de sair do quarto. Medo de viajar com meus pais.

Tenho medo que minha mãe descubra quem eu sou. Tenho medo de um dia ter de me explicar pra alguém. Tenho medo de chorar e alguém ver. Tenho medo de acreditar no que penso, em que vocês são. Tenho medo de luzes. Tenho medo de ser encontrado no escuro.

Tenho medo de ficar lúcido. Tenho medo de dormir e sonhar. Tenho medo de viver demais. Tenho medo de morrer de câncer. Tenho medo de ouvir músicas que me marcaram. Medo de lembrar. Tenho medo de pensar demais. Tenho medo das cidades pequenas. Tenho medo de não ser mais um na multidão. Tenho medo de proteger os fracos.

Tenho medo de sentir, de ouvir, de abrir os olhos. Medo de compor. Tenho medo de amar uma mulher de verdade. Medo de transar por amor. Tenho medo de ler um muro pixado. Tenho medo de deitar no meio do mato. Tenho medo do mar. Tenho medo de não fechar a porta. Tenho medo do que sou capaz de fazer.

Tenho medo da dor física. Medo da morte esperada. Tenho medo de matar um pai. Tenho medo de induzir um suicídio. Tenho medo que meus pés fiquem descobertos pelo edredom. Tenho medo de ter errado o caminho. Tenho medo de não haver caminho certo. Tenho medo que leiam este texto. Tenho medo que fiquem em meu apartamento sem eu estar presente.

Tenho medo de morar sozinho. Tenho medo da intimidade. Tenho medo dos pêlos do meu corpo. Tenho medo de descobrir que ninguém serve para nada. Tenho medo do calendário, do Natal, do meu aniversário. Tenho medo de não morrer antes de ficar velho. Tenho medo de terminar este texto e esquecer algum medo. Tenho medo de conseguir escrever todos meus medos.

Tenho medo de reencontros. Tenho medo de ficar bêbado em público. Tenho medo de nunca poder dirigir uma moto. Tenho medo de virar advogado. Tenho medo de palcos. Tenho medo de bater pênaltis. Tenho medo de trair. Tenho medo de reler meus textos. Tenho medo da fome. Tenho medo de deixar o cabelo crescer. Tenho medo de fazer solos de guitarra.

Tenho medo da métrica, da rima, da simetria. Tenho medo do meu rosto. Tenho medo de olhos escuros. Tenho medo de injeções. Tenho medo de não me decepcionar com alguém. Tenho medo de conhecer alguém até me decepcionar. Tenho medo de decepcionar quem amo. Tenho medo de não amar ninguém.

Tenho medo de descansar. Tenho medo de cumprimentar e não se lembrarem de mim. Tenho medo de ter problemas com os dentes. Tenho medo da lua desaparecer. Tenho medo de não sentir mais saudades. Tenho medo de mudanças. Tenho medo de não haver perspectivas de mudanças.

Tenho medo de não entender um quadro, um filme. Medo de não compreender um sentimento. Medo de não resolver um exercício de matemática. Medo de deitar na rede. Medo de ficar gordo. Medo de pensar no futuro.

Tenho medo de que este texto seja uma mentira e eu não tenha medo de nada.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Sound of Silence


"Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping
Left it's seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walk alone
Narrow streets of cobblestone,
Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That slip the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more,
People talking without speaking,
People hearing whithout listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence

'Fools', said I, 'You do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you.'
But my words like silent raindrops fell
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made,
And the sign flashed out it's warning
In the words that it was forming,
And the sign said: 'The words of the prophets are
Written on the subway walls
And tenement halls'
And whispered in the sounds of silence"


(Simon and Garfunkel - The sound of silence)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

(...)

(...)
Seu sufismo não fazia sentido. Seu caminho e seu consolo eram a dor, o ódio, a misantropia, o egocentrismo. Era um sufista ateu.
Se Deus não existisse, nada do que ele via teria sentido; se Deus existisse, nada teria sentido de qualquer forma. Ainda assim, acreditava encontrar o sentido de tudo.
Sua função de dar às pessoas o que as falta através de todos os livros que nunca conseguira escrever não era sustentada por qualquer motivo racional, mas ele sentia seu peso e, à noite, quando seus ombros gritavam, era mais real que qualquer lei do universo. Bêbado, assistia a si mesmo demonstrar toda infalibilidade de sua idéia sem se compreender; estava certo, nunca errava.
Quando via sua mulher sofrer, queria vomitar sua "doença" (não a considerava patológica, mas se referia a ela dessa forma em seus pensamentos, sem saber ou procurar saber por quê), via que não era mais apenas ele que abria mão de sua vida pela verdade do mundo. Nunca deveria ter se casado.
Era a pessoa mais racional e também a mais emotiva do mundo.
(...)



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Este trecho foi retirado de um livro que estou escrevendo. Ainda é um esboço, podendo ser modificado posteriormente.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vícios

“Como deve ser pular desta sacada?”
Todas as verdades viciam. Eu podia fechar os ouvidos, olhos, forçar minha mente para estar em outro lugar, mas pra onde quer que eu corresse, essa pergunta continuaria ecoando em minha mente. Era uma idéia que esteve presente em minha vida por dois anos e se encontrava adormecida em um canto empoeirado, poeiras as quais se transformavam em vômito, poesia e música.
Estava há dias sem tomar qualquer remédio quando esta pergunta trouxe todos os dias que se passaram de volta pra mim em dez segundos, como tempo perdido, como pesados dez dias a mais.
O primeiro a desferir golpes de conforto acabou por consolar, na verdade, a mim. Eu não era hipócrita, eu não tinha o direito de convencê-lo de que aquilo era errado, eu e ele não éramos diferentes. Aquele hipócrita que agora beijava sua mão seria, em alguns dias, o mesmo que o empurraria de um prédio meses depois, enquanto aquela pergunta estaria ecoando em minha cabeça, destruindo minha vida, me puxando pelo mesmo caminho.

O próximo encontro contou com um amigo a menos. Um amigo feio, burro e chato a menos. As pessoas sentiram sua falta nos momentos em que deveriam ser engraçados para a maioria e torturantes pra um único indivíduo. Nos momentos em que eram obrigados a expor os defeitos um do outro, porque o dono de todos os defeitos estava morto.
O maior problema é que eu ainda não conseguiria ser hipócrita, mas ainda teria de suportar aquela maldita pergunta ecoando em minha cabeça, em curvas, passeando por todos meus pensamentos, vindo rir e me bater enquanto estivesse em um ônibus, uma festa ou almoçando com a família. Embriagado, dez anos depois, escreveria aquela pergunta à caneta em meu braço, na parede de meu quarto, choraria sem me achar no direito de chorar, sem conseguir acreditar que haveria um porquê pra isso.

A verdade é um vício, nunca uma resposta, nunca uma solução. Enxergar isso é simplesmente notar que a verdade não tem valor algum, que não existe. É ter consciência de que não sofremos por nada, que o sofrimento é simplesmente independente. A verdade é um vício, o sofrimento não é verdadeiro, é algo que existe e independe de qualquer padrão.
Sofrimento não é a verdade, sofrimento é a resposta que nunca conseguiremos enxergar, a doença que arderá todos os dias em equações que nunca desvendaremos, o qual morreremos ignorando, isolando; algo que não queremos entender, mas simplesmente evitar.

A verdade é um vício, o sofrimento é apenas uma lágrima.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A primeira prece

Hoje eu conheci um doente mental.
A maioria das pessoas pensa que sofrer é saber que um inferno espera quem comete pecados. O verdadeiro inferno é ter a certeza de que não há infernos que esperem quem tente compreender o mundo.
Ele havia sido traído e estava triste. Eu não compreendia o que ele dizia e ele sabia que dizia demais. Seria um romance à lua cheia, se ele não fosse retardado e eu tivesse preconceitos diversos misturados à perversidade benevolente de querer ser alguém. Eu precisava ajudá-lo, não sei por quê, e ele me respondeu: “Sou eu quem está te ajudando, e não você quem está me ajudando”. Foi a única coisa que ele disse, e me respondeu a ignorância de muitos, menos a minha. Não era o que eu sentia, mas eu acreditava no que eu pensava, apesar de sentir que pensava o que não traduzia aquilo que consistia em mim.
Era só uma pessoa que havia sido traída e não podia deixar que eu o acompanhasse pra casa e, enquanto ele caminhava embora, até atingir o horizonte e o lugar no qual eu nunca mais poderia vê-lo, lágrimas pulavam de meus olhos e tentavam acompanhá-lo em vão; eu ficaria ali, parado.
Ele conhecia além do que podia compreender. Sabia que, enquanto eu estivesse parado ali, assistindo a ele caminhar até desaparecer, eu estaria descobrindo parte do que eu era: um doente que precisa ajudar outros doentes, um delinqüente responsável que detesta seu próprio serviço.
Tudo o que eu queria era ficar bêbado e assisti-lo desaparecer, tentando fingir que isto nunca havia acontecido. Que todas minhas memórias e minha consciência fossem embora junto com aquele retardado mental. Aquele surdo com o qual tentei me comunicar e o qual tentei ajudar com lágrimas de minha bondade semi-hipócrita.
Posso nunca ser bem-sucedido ou posso ser bem-sucedido enquanto você estiver lendo este desabafo, mas indiferente disto (e que isto fique bem claro), peço que você corte em pedaços tudo o que não escrevi e sou, tudo o que escrevi e não sou, tudo o que sofri e não senti, tudo o que senti e não sofri, tudo o que bebi e não vomitei, tudo o que vomitei e não bebi; tudo o que sou e não sei, tudo o que sei e não sou. Tudo.
Mate-me com um machado, faça com que eu sinta dor. Acabe com tudo.
Amém.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Analgésicos e solidão

"Salva o mundo e ganharás
Analgésicos e solidão"

Foi o que lhe disseram
Aceitou, sem pensar no que viria
Sentia na pele a vertigem da verdade
Passava pelos olhos a ânsia da mentira
Construiu para si uma coroa de pesadelos
Espancou-se com a dor que nada valia

Dele restou um bilhete
Para o filho que não teve:

"Deus não existe;
Deixe este peso de lado
E vá brincar de miséria"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Poema da catarse sem rimas

A insônia é o sufismo dos loucos
A arrogância é o sufismo dos sábios
A prisão é o sufismo dos livres
O vazio é o sufismo dos vícios

A noite é o sufismo dos poetas
A felicidade é o sufismo dos ignorantes
O pinto é o sufismo das putas
O não-ser é o sufismo do ser

E vice-versa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Passageiro de um esboço passado

Já estive em tantos lugares
Que não estou em lugar nenhum
A cada passo o passado não passa
"Pra onde vou?", esta pergunta eu passo
Por enquanto fico aqui,
Sentado neste compasso
Nos olhos, passando o passado
Passo a passo
Três por quatro, escasso
Infindável esboço
Vida

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Green Day - Emenius Sleepus

"I saw my friend the other day
And I don't know
Exactly just what he became
It goes to show

It wasn't that long ago
I was just like you
And now I think I'm sick and
I wanna go home

How have I been, How have you been
It's been so
What have you done with all your time
And what went wrong

I knew you back when
And you, you knew me
And now I think you're sick
I wanna go home

Anybody ever say no?
Ever tell you that you weren't right?
Where did all the little kid go?
Did you lose it in a hateful fight?
you know it's true"

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Errar é Humano. Acertar é desumano.

Estou na porta da casa da Júlia. Muito álcool.
Carol discute sobre como não liga para o que os outros pensam e como a fidelidade é boçal enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dela.
Daniel discursa sobre como é emocionante ser flamenguista e o Flamengo é um time superior enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dele.
Júlia não consegue parar de rir. Gargalha. Serve álcool para todos: “Mais ‘Balalouca’. Mais ‘Balalouca’”. Irrita-me muito quando chama “Balalaika” de “Balalouca”. Mas sorrio.

Cara, quando eu iria imaginar que reuniria essas pessoas? Estávamos todos sentados no meio da rua, poderíamos ser atropelados a qualquer momento (mas nenhum carro passaria, eu sabia disto), completamente bêbados; mas eu sorria.
“Algo grande vai acontecer hoje”. “O quê?”. “Você vai morrer”.
“Vamos roubar o carro do pai da Júlia?”, sugeri.

Daniel, João e Carol, no banco de trás, morriam de rir, compartilhando estórias nas quais eu estava envolvido. No volante, Júlia estava muito séria. No banco da frente, eu tinha uma garrafa de “Balalaika” em mãos.
Júlia passava dos 100km/h e a sensação era excelente. Ao contrário do que se pensa, a velocidade é um remédio anestésico e hipnótico. Desacelera o coração, tudo fica sereno, embaçado. É uma nova embriaguez.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Na beirada da estrada, eu movia arbustos da forma como eu desejasse, como se fossem dedos de minhas mãos; prolongamentos de meu corpo.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Dobrava as faixas amarelas da estrada, como se eu as formasse com a ponta de um lápis. Como se fossem vibrações das cordas de um violão; do meu violão.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri a janela e fiz ventar muito forte em meu rosto, fechando os olhos. Já não mais ouvia a voz de ninguém. Virei-me para trás e notei que eles ainda conversavam. E riam muito. Virei-me para Júlia: ela ainda estava séria. Tentei fazê-la sorrir, mas não tinha controle sobre isto.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Fechei os olhos e me vi, com os braços abertos e as pernas juntas e esticadas, em minha cama. Não podia me mexer, minhas mãos e pés estavam pregados.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri os olhos e vi uma curva acentuada à frente. Do outro lado, um enorme e íngreme barranco.
“O carro atravessará a curva. Seus amigos não se machucarão. Você morrerá”.
Júlia pisou no acelerador e tentou virar o volante. Ela não parecia assustada, não sei se realmente pretendia escapar da curva. Talvez estivesse tão bêbada que nem compreendia que havia uma curva a nossa frente. Que se machucaria e poderia morrer se não a fizesse. Talvez nem percebesse que estava em um carro. Talvez nem estivesse pensando. O carro atravessou a curva, voando pelo barranco.

Suspenso no ar, o carro parou. O tempo parou.
Olhei para trás, todos estavam parados, em uma gargalhada congelada. Olhei para o lado, Júlia ainda estava séria.
Acho que agora eu deveria estar lembrando toda minha vida, mas na verdade, foda-se.
Em uma montanha-russa, a adrenalina não é completa porque no fundo tem-se a noção de estar seguro. Se eu não tivesse medo de morrer, aquela seria a melhor emoção de minha vida. Seria o meu momento. Valeria pelo que vivi e pelo que ainda viveria. Se eu não tivesse medo da morte. Não tenho medo da morte.
Dei uma golada da garrafa de “Balalaika”. “Queria poder fazer sexo agora”. Uma risada e o tempo voltou a andar.

Assisti ao carro ser inteiramente destruído, capotando infinitas vezes, sendo moldado à força do acaso. Sentia cada pancada nele em meu corpo, sem haver, porém, dor, como se estivesse anestesiado. Caímos em um local plano.
Eu estava vivo.
Saí do carro, este de cabeça para baixo. Pela janela, puxei Carol. Merda, enquanto a puxava, sua perna se rasgou na ferrugem. Ela estava horrível. Seu rosto todo roxo, inchado e repleto de cortes.
Puxei João. Porra, como era pesado. Algo havia penetrado em um de seus olhos, o qual sangrava muito.
Pela outra janela, tirei Daniel. Uma de suas pernas parecia quebrada, com algo que deduzia ser um osso se projetando em sua calça jeans, com muito sangue. Enquanto o puxava, seu osso agarrou na lataria. Náusea. Senti o vômito chegar à minha boca, mas o engoli. Um enorme corte procurava ênfase, se extendendo desde o início de sua barriga até a metade de seu peito.
Puxei Júlia e ela não parecia ferida. Seus olhos estavam abertos, mas estava morta. Todos eles estavam. Eu sabia disto.

Arrastando seus cadáveres, fiz com eles um círculo ao meu redor. Eu não respirava. Não havia vento, barulho, não havia nada.
Acendi um cigarro e o fumei até o fim, sem pensar em nada – também não havia pensamentos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

(...)

De que me adianta tentar escrever neste papel
Se sentimentos não podem ser descritos?
Muito menos deve-se tentá-lo fazer
Sinta-os, e só

Em uma balança de qualidades e defeitos
Os sentimentos nos mostram a beleza
Independentes, o que os mantém vivos
Fugitivos do mundo no qual foram criados

Aos versos mais brancos e livres
Os sentimentos atribuem sentido
Miteriosos, como olhos desconhecidos
Carregando, em suas entrelinhas, o prazer da dúvida