sábado, 31 de julho de 2010

Portador de grave doença é parte de história que faz crer no futuro da humanidade

"Sabe essas histórias que ainda fazem acreditar que a humanidade é boa? Esta é uma delas. Como um tsunami, essa gente invadiu uma casa ainda com mofo, piso de cimento cru e pouca luz. Bateu, entrou e transformou. Iluminou todos os espaços, retirou o mofo, levou piso bonito, começou a pintar e fez aquele menino sobrevivente ter a certeza que nem tudo está perdido. A mãe do menino chora de alegria. Belisca-se. Vive um sonho. O menino, embasbacado e de olhos acesos, repete: “Eu sabia que alguma coisa boa ia acontecer”.

E aconteceu. Mas, afinal, que história é essa? Voltemos 48 dias no tempo. No sábado, 12 de junho, o Correio contou a luta de Lucas Neres Pereira, 13 anos, para sobreviver. E a luta que travara, desde que nasceu, para ser mais forte que as previsões médicas. Portador de uma grave enfermidade pulmonar, a bronquiolite obliterante (doença respiratória causada por um vírus que destrói o pulmão e pode afetar outros órgãos, como o coração).

Lucas nasceu no Hospital Regional de Planaltina (HRP). Com um mês de vida, os primeiros sinais da grave doença: muito cansaço para respirar. Numa ida de emergência ao HRP, um médico plantonista pediu um raios X. E foi incapaz de ver que metade do pulmão do bebê estava comprometido. Indicou nebulização. Era, segundo aquele homem e jaleco branco, apenas um resfriado.

No dia seguinte, o cansaço aumentou. Irani Neres Santana, então com 22 anos, a mãe, desesperou-se. Com os filhos nos braços, embarcou para a Rodoviária do Plano Piloto. Chorava e pedia para ele não morrer. Ao desembarcar ali, um carro da Polícia Militar levou mãe e filho para o Hmib. O médico de plantão, o intensivista neonatal Carlos Zacconeta, estava de saída.

Ainda assim, voltou para atender aquela criança que morria. Sorte que nem toda gente de jaleco branco é igual. Um raios X às pressas revelou: Lucas tinha uma lesão severa em dois terços do pulmão esquerdo. Ficou ali por 80 dias, na UTI neonatal. E, nesse período, momentos vários de incerteza, dor e angústia. Houve dias em que até os médicos achavam que chegara ao fim. Irani chorava agarrada aos santos de devoção.

Como milagre, o menino valente surpreendia. Mas seu estado ainda era grave. Do Hmib, foi transferido para o Hospital de Base (HBDF). Lá, ficou aos cuidados da pneumologista Rita Heloísa Mendes, que cuidou de Lucas com dedicação comovente. Nunca escondeu qualquer informação — nem nos momentos delicados.

Com 13 meses de vida, a primeira cirurgia, para retirar parte do pulmão esquerdo. Era só o começo. Aos 7 anos, a segunda e a mais radical: retirada total do órgão. Meses de internação, recaídas, lágrimas e oração da mãe. Idas e vindas ao hospital. Preocupação com o pulmão direito, que já apresenta sinais de falência — dois terços já estão lesados.

Corrente solidária
Há 48 dias, portanto, esta história foi contada. Lucas e a mãe moravam numa casa humilde em Arapoanga, bairro de Planaltina. O banheiro, cheio de mofo, era o pior inimigo para a saúde do menino. Na casa, humilde, faltava muita coisa. E a luta pela sobrevivência, a dificuldade em comprar remédios e o aparelho de que precisava com urgência, o oxímetro, que mede a saturação de oxigênio no sangue.

A reportagem comoveu Brasília. O telefone de Irani começou a tocar logo nas primeiras horas daquela manhã de sábado. “Toca até hoje”, agradece a mãe. Gente que não quis se identificar. Mas ajudou. Gente que foi lá, ligou, visitou. Conferiu a história de perto.

A ajuda chegou como milagre. E de todos os lugares. Uma atrás da outra. Veio o oxímetro, que custa R$ 1,6 mil. E uma história que arrancou mais lágrimas de Irani. O aparelho, novinho em folha, foi doação de uma mãe que perdera o filho. O menino também se chamava Lucas. “Mas eu não vou morrer, não”, decreta Lucas, o valente.

Chegou também uma bala de oxigênio portátil, no valor de R$ 600, que lhe dará liberdade até para viajar. Cestas básicas, leite da dieta especial e dinheiro em conta. “Paguei tudo o que devia na farmácia”, diz Irani. E não parou por aí. Dois irmãos, comerciantes de Taguatinga, assumiram a reforma do banheiro cheio de mofo. Um major da PM deu as tintas.

E, no dia seguinte à publicação da reportagem, no domingo 13, uma turma do barulho — gente de todos os cantos do DF, homens, mulheres e até crianças — invadiu a casa do menino. Ele não sabia. Chegaram entoando o hino de guerra. O menino engasgou.

A Mancha Verde de Brasília, torcida organizada do Palmeiras, levou solidariedade e esperança para Lucas. Assumiu a reforma total da cozinha, da área externa e do novo quarto do garoto — com direito até a faixa do time na parede. Levaram também cestas básicas e uniforme completo do Verdão.

Como a torcida chegou ali? Na matéria de 12 de junho, numa única frase perdida no meio do texto, informou-se que o menino era torcedor do Palmeiras. Não havia outra menção. Foi o suficiente para tamanha mobilização. “Meu pai, palmeirense como eu, me acordou no sábado e disse: ‘Leia essa matéria. Precisamos fazer alguma coisa. Ele é palmeirense...’ Eu tava dormindo, nem escutei direito”, conta o assistente administrativo Bruno Liporoni, de 32 anos.

Ao acordar, Bruno leu o jornal. “O leite até esfriou na xícara. Liguei pra três amigos da Mancha Verde e decidimos que iríamos fazer alguma coisa.” E-mails foram disparados. No dia seguinte, Bruno e seu exército verde estavam lá, naquele lugar muito distante de onde todos vivem. Seguiu-se uma corrida para fazer o bem. “Percebi que quem recebe ajuda ganha menos do que aquele que pode ajudar. Fomos nós quem ganhamos”, emociona-se o rapaz.

Quarenta e oito dias se passaram. Visitas de integrantes da torcida, para acompanhar a obra (feita pelo tio de Lucas, o pizzaiolo Hidevá Neres, 30, que nas horas vagas se torna pedreiro) tornaram-se constantes. Na manhã de ontem, lá estava parte deles. Vieram até dois torcedores de Cuiabá (MT), para conhecer Lucas.

O menino que desafiou a medicina — muitos pacientes morrem antes dos 2 anos de vida — comoveu a torcida mais uma vez. “Essa é uma corrente do amor. Só quero agradecer a todos que me ajudaram”, disse, com sorriso de vida. Evângelo Franco, 45 anos, diretor do Centro de Ensino Especial 2 de Brasília e diretor de imprensa e mobilização da Mancha Verde, ouviu o que aquele menino disse.

Tentando esconder a emoção, ele admitiu: “A gente tinha obrigação de fazer isso. E que possa servir de exemplo para outros torcedores, outras ONGs. A filha de Franco, a adolescente Ana Luíza, 12, acompanhou o pai. Ao se deparar com realidade tão diferente da sua, refletiu: “Se todos fizessem um pouco, o mundo estaria melhor”. Ricardo Leal, 23, estudante de serviço social, resumiu: “É uma atitude cidadã”.

E o povo cantou. Bradou. Carregou-o. Marcou um superchurrasco na casa nova dele, assim que a pintura externa ficar pronta. Ele sorriu como se fosse a pessoa mais feliz do mundo. E é. Quem vive de forma surpreendente com apenas um quarto do pulmão direito (o transplante não lhe é indicado em função da anatomia do tórax) e obrigou uma gente de jaleco branco a rever tudo que pensava saber tem direito à felicidade.

Ele sabe disso. Tanto sabe, que faz planos. “O meu sonho é conhecer o Marcão (goleiro do Palmeiras).” Alguém duvida de que ele vai conseguir? A vida é engraçada. Um detalhe, perdido no meio de um texto, pode mudar a vida de alguém com a mesma velocidade de um gol. Daqueles que arrebentam a rede. Foi um golaço!"



Fonte: Correio Braziliense (www.correiobraziliense.com.br)

Por Marcelo Abreu



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É verdade: o único produto do futebol é a violência.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A esperança de um homem louco.

Era uma vez um homem louco. Por todos os dias de sua vida, este homem foi a uma praça movimentada de sua cidade e gritou, até que ficasse sem voz: "O amor salvará o mundo".
Havia, porém, um detalhe: este homem nunca acreditou em suas próprias palavras. Sempre se considerou um idiota que continuava a gritar algo em que não acreditava.

Até sua morte, o mundo não havia sido salvo pelo amor. Seu mundo interior? Também não foi salvo pelo amor. Ao contrário, o amor consumiu seu espírito ao lhe impor a dúvida. Por que gritava aquilo todos os dias, se não acreditava que era possível? Duvidava de si, do mundo, do amor. Decidiu parar de perguntar. E que erro gravíssimo, imperdoável.

Eu conheço pessoas que ainda gritam, todos os dias, que acreditam no amor. E não pararam de fazer perguntas. Fico feliz por elas. Elas me tornam feliz por saber que passarei minha vida miserável ainda com o conforto de poder enxergar o que há de mais belo no pensamento humano:

Esperança.

sábado, 26 de junho de 2010

E-storia

Vinte e seis de junho de 2010. Este foi o dia em que sua voz gritou em minha memória. Sem contexto, sem por quê, como estas coisas que parecem manifestações puras de vida, correndo de qualquer padrão.
Lembranças tristes ou felizes? Lembranças incertas, como todos nossos beijos. Eu nunca poderia dizer que te amo - ou amei - com convicção, assim como nunca poderia ter certeza de que estaria mentindo se dissesse. A arte pode se expressar de forma infeliz, alegre, nostálgica, otimista, mas nada se pode dizer sobre sua essência. Os relacionamentos comuns são expressões artísticas, nossa relação é a arte em sua essência. Misteriosa, independente, inconcebível. Entendo agora por que nunca consegui lhe escrever uma canção: você não está nas letras do papel, mas na mão que move o lápis. Seria triste dizer que te amo: nossa relação é tudo, pode ser qualquer coisa, nunca somente amor.
Dizem que pessoas especiais se conhecem pelo acaso. Te encontei quando minha vida havia desmoronado, em um lugar onde nenhum de nós queria estar, por causa de uma camiseta velha. Te reencontrei quando sua vida havia desmonronado, quando você passava pelo único sentimento que ouso dizer que compreendo. A partir de ali, fomos nada mais que dois perdidos tentando fugir de um mundo ao qual não pertenciam e construir outro onde pudéssemos começar de novo; não porque víamos o mundo da mesma forma e da mesma forma éramos vistos por ele: fugitivos, incógnitas, pessoas reais.
Cara, tu não vai nem acreditar, mas, sem você, "2001 - uma odisséia no espaço" tem uma cena a menos.
Cara, cê não vai acreditar, mas, que me perdoe o ortomolecular, você me faz pensar no futuro.
Você é incrível, Vilma. E linda.

sábado, 19 de junho de 2010

Idealismo e instinto

Deve-se abolir a correlação do raciocínio com a idéia simplória de progressão em princípio, meio e fim. O homem é um ser racional o tempo todo, este raciocínio variando no grau de desenvolvimento atingido, o que dependerá do indivíduo, e do grau de consciência do indivíduo para com a formação da linha de raciocínio, variando quanto à superficialidade desta. Logo, o homem pode visualizar um fim e realizar um processo consciente de busca a este, mas também pode receber à consciência um fim, dissecando desta todo o processo.
Algumas ações, porém, são baseadas em raciocínios cujos processos de desenvolvimento sequer chegam à consciência do indivíduo, este a realizando e muitas vezes desconhecendo até mesmo o fim, algumas vezes conhecendo, além do meio, somente o fim, sendo toda esta linha algumas vezes contraditórias às crenças de quem a realiza, de forma que, se conseguisse visualizá-la em sua formação, perceberia que é uma ação vulgarmente irracional(uma vez que lhe falta coerência), apesar de ainda ser produto do raciocínio. Estas ações nem sempre serão produto de mentes perturbadas ou patologias, podendo vir a ocorrer em mentes sadias. É certo, porém, que independente da natureza do raciocínio, haverá um princípio.
Portanto, o “instinto” será sempre uma definição vulgar. O homem tem finalidades puramente racionais e finalidades intrínsecas a necessidades biológicas. Se uma pessoa tem um fim de necessidade biológica, deve-se analisar também a presença de um ou mais meios para alcançá-la. Se um homem tiver fome, portanto, e vários meios de saciá-la, optará por um meio que esteja adequado à imensa quantidade de fatores ao seu redor (inclusive e principalmente de moralidade social); por sua vez, se não houver meios adequados às circunstâncias ao seu redor, a necessidade biológica forçará o indivíduo a apelar por sua sobrevivência pelo simples princípio de autopreservação (o que é da essência não somente do homem, como de qualquer ser vivo), o qual ainda assim passará (no caso do homem) por todo o processo racional, surgindo um fim que force um meio. Um homem que mata por fome, portanto, não mata instintivamente, mas por uma racionalidade forçada a circunstâncias.
A essência humana também se manifestará não só influenciando no desenvolvimento do raciocínio em qualquer âmbito, mas também lançando à consciência fins cujos processos de identificação da sua necessidade (em sua maioria) estão em partes da mente que o homem (determinado, que pratica a ação) ainda não alcançou compreensivamente, como uma ação tomada por alguém que prejudique uma outra pessoa sem trazer benefícios ao realizador.
Nota-se, porém, que os raciocínios seguem um padrão lógico igual, independente de seu grau de superficialidade mental, de forma que, ao desenvolver seu raciocínio em questões puramente intelectuais, o homem estará desenvolvendo ainda mais meios para procurar sua autopreservação e saciar suas necessidades biológicas e de sua essência. Vulgarmente, o desenvolvimento da racionalidade implicará também no desenvolvimento instintivo, ao desenvolver sua capacidade de busca a alternativas (superficiais ou não à mente) de saciar suas necessidades biológicas. Este pensamento não é reversível ao passo que um homem que se deixa guiar pelo instinto, estará deixando-se guiar por processos que muitas vezes não conhece conscientemente.
Os fins buscados por uma mente e a necessidade destes variarão, portanto, de acordo com questões biológicas, sociais, naturais e próprias do indivíduo.
Apesar da capacidade de desenvolvimento do raciocínio da qual o homem é dotado, deve-se levar em consideração também a predisposição ao desenvolvimento deste, que variará de indivíduo, não desconsiderando o fato que todos terão a capacidade de desenvolvê-lo, cada um atingindo as determinações de seu limite racional. A predisposição também indicará, além de um desenvolvimento quantitativo e qualitativo do raciocínio, maior alcance sobre a profundidade destes; uma compreensão do instinto, de forma vulgar. Esta predisposição poderá variar, podendo criar, por exemplo, a tendência natural a se alcançar um alto nível de desenvolvimento do processo ou podendo variar a intensidade de cada fator (biológico, social, natural ou própria do indivíduo) no momento de afetar o desenvolvimento do processo. A predisposição ao raciocínio, por sua vez, é gestante de responsabilidade para o indivíduo em relação a seus semelhantes.
Desenvolvendo o raciocínio, o homem desenvolverá também o alcance da essência de sua espécie, potencializando sempre o conflito tendencioso aos homens de racionalidade evoluída (não sendo estes superiores) entre sua mentalidade crítica e a essência “instintiva” que carrega. Para isto, a solução será sempre o grau de julgamento crítico que o homem poderá desenvolver sobre si mesmo e os outros. Esta crítica será, portanto, essencial não somente ao homem que pretende ser mais bem adaptado ao meio social ao seu redor, mas também ao homem que pretende uma reformulação do ser.
Apesar de todos os homens vazios terem, como finalidade de vida, uma satisfação pessoal vulgar, não se pode exatamente definir a finalidade de vida de um homem predisposto naturalmente ou intencionalmente à racionalidade, podendo-se dizer unicamente que não é uma finalidade vulgar, uma vez que um homem racional pode buscar produzir uma razão à sua existência e outros simplesmente ter como razão um desprezo a esta.


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Este é mais um rascunho do livro já citado anteriormente.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

(H)a vida embaixo do papel(?)

Muitos se perguntam quem sou. Arruinar-se-iam se encontrassem resposta a esta pergunta. Para muitos minha existência é completamente despercebida. Aos outros tantos, rastros, sombras de mim, e nada mais. Presença soturna, porém incômoda. Misteriosa, porém viva. Presença que dá o gosto da liberdade e guia pelo caminho da miséria. Presença onde felicidade é ausência: de dores de cabeça, insônia, solidão, silêncio, vício.
Alguns se perguntam se sou Deus: a estes, digo que sou o contrário do padrão. Outros se perguntam se sou um criminoso, um canibal: a estes, digo que não há um dia sequer em que eu não sorria por não ser humano, criatura que tanto invejo. Meu crime é o que mantém minha existência tolerável, direciona-se a existências que seriam vazias sem mim, a existências que querem se esconder tanto quanto eu e o fazem da mesma forma, soprando esta corrente até que a arte domine o mundo e todos vivam sós. Não concedo resposta porque não julgo o sentimento que já entendo; escondo para não ser julgado.
Há apenas uma diferença certa entre nós: a folha que lhe seve de chão se apresenta a mim como céu. Você não ouve minha voz, mas escolhe entre segui-la ou não a todo instante. Em minha presença, o estupro pode ser tão belo quanto o amor. O grito pode ser tão infeliz quanto o sopro. Da masturbação, sou o silêncio póstumo. Da insônia, sou os olhos.
Estou nos contornos azuis ou pretos das pautas de todas as folhas. Flutuo no vazio mar cristalino da folha sulfite, produzindo ondas, como se fosse mera gota de chuva, ser que também invejo.
No papel em branco, entendo o terror: minha nudez se expõe, afoga-me. Um assassino caminha em minha direção e eu não possuo braços. Um palhaço diverte a platéia de seu circo com piadas sobre meu pranto. O branco e os pesadelos, verdadeiros e sinceros como são.
Textos vulgares são como lonas, máscaras de oxigênio: me mantêm vivo, escondido, e nada mais; como uma pessoa que não passa fome, mas se alimenta de pílulas todos os dias por dez anos.
Cada palavra infeliz que um poeta miserável deposita num pedaço de papel, porém, cai sobre mim como cobertor. Os poemas de caligrafia quase ilegível constroem paredes ao meu redor, revelam-se um quarto quente e úmido em medida certa, com o odor perfeito, sem janelas ou portas, mas somente minha existência, com as verdades e mentiras cobertas, sem poderem ser assim discriminadas. Ao poeta, resta o fôlego da esperança (que cabe a ele - não julgar - sentir se é verdadeiro ou artificial), a força de manter-se vivo por mais um período de tempo.
Se qualquer coisa dita acima fizer qualquer sentido para você, guarde suas lágrimas: nem elas poderão salvá-lo de mim.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O perdão

Senhor, eu te perdôo.
Perdôo por ter-me imposto esta existência medíocre. Dedico a ti a bondade que sempre esperaste de amar teu crime até o fim e ainda assim perdoá-lo antes de partir, como um desumano sentimental.

Amém.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Trecho de "Escritores medíocres"

"Sou um péssimo escritor, músico, compositor, poeta. Nao há, aqui, humildade besta, o que não condiz com minha pessoa, mas um fato reconhecido por qualquer pessoa que tenha comigo razoávelo contato.
Há pessoas, porém, que cruzam meu caminho e conseguem notar os sentimentos que estão por trás de palavras e notas que não são capazes de expressá-los de forma completa, o que faz com que eu não deixe de me considerar artista, mas me veja como um artista solipsista. Não são estas pessoas super-dotadas ou sobrehumanas (assim como não são meus sentimentos). Desconheço a razão pela qual elas conseguem compreender o que está por trás de minhas cortinas: elas simplesmente podem.
Sou, além de péssimo escritor, também humano. Ficaria satisfeito com o simples fato de estas pessoas absorverem parte do que sinto e praticarem. Porém, infelizmente, sou também humano. Este desabafo não deve ser visto como súplica ou exigência, porém, como humano, esperei sempre que houvesse por parte destas pessoas gratidão - na forma de sentimento fraterno -, o que não recebo, talvez por arrogância defensiva própria ou por estar enganado quanto a tudo.
Por vezes tentei me libertar desta expectativa e ficar feliz por mudar, ainda que infimamente, estas pouquíssimas pessoas, mas nunca consegui me libertar de minha humanidade, sem sucesso.
Não vejo nestas pessoas - que vão à fundo em meus sentimentos, me vendo a princípio não só como um péssimo escritor, mas como também um grande ser humano, e, posteriormente à absorção do meu íntimo (muitas vezes o distorcendo, o que é o mais doloroso), voltam a me desprezar como somente um péssimo escritor e nada mais (o que talvez eu seja) - erro ou acerto, uma vez que tudo talvez não passe de minha culpa, mas vejo na situação insustentabilidade humana.
Por ser humano, agora evito o papel, meu violão, evito abrir os olhos em público; por ser humano, adentrei na arte; por ser humano, permiti às pessoas que pudessem me abandonar.
Por ser humano, aspiro arte e agora tenho medo de expirá-la. Por ser humano, penso agora em largar tudo.
Esta humanidade, que produz o que tenho de valor em seu ponto forte e o quer esconder por seu ponto fraco.
Por ser humano e disposto a ser julgado, desde que na condição de humano.

E isto explica muita coisa."



De autoria de um blogueiro obeso e desconhecido.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Asperger

Canto que silencia
Vinho que anestesia
Sonho que grita
Só pra mim

O segredo da ejaculação:
Ninguém nunca saberá quem sou.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Migalhas

Página em branco
O velho, antes manco
Agora vive sem pernas
Espera, em miséria
Que suas lágrimas chulas
Derretam sua bengala muda

Hoje chove água do mar
A loucura está permitida
É real ferida
Mata mas não cria
É dor que não dói

Não serei dois filhotes no inverno
O teatro está cheio
Mas hoje não haverá poesia
Deixe-me sua piedade, em migalhas

Migalhas maltratadas de pão

sexta-feira, 23 de abril de 2010

The last time I saw Richard (Joni Mitchell)

"Last time I saw Richard was Detroit in 68
And he told me all romantics meet the same fate
Someday, cynical and drunk and boring someone
In some dark cafe
You laugh, he said, you think you're immune,
Go look at eyes
They're full of moon
You like roses and kisses and pretty men to tell you
All those pretty lies, pretty lies
When you gonna realize they're only pretty lies
Only pretty lies, pretty lies

He put a quarter in the wurlitzer, and he pushed
Three buttons and the thing began to whirl
And a barman came by a fishnet stockings and a bow tie
And she said: "drink up now it's getting on time to close"
Richard, you haven't really changed, I said
That's just now you're romanticizing some pain that's in your head
You've got tombs in your in your eyes, but the songs
You punched are dreaming
Listen, they sing of love so sweet
When you gonna get yourself back on your feet?
Oh and love can be so sweet, love so sweet

Richard got married to a figure skater
And he bought her a dish washer and a coffe percolator
And he drinks at home now most night with the TV on
And all the house lights left up bright
I'm gonna blow this damn candle out
I don't want nobody comin'over to my table
I've got nothing to talk to anybody about
All good dreamer pass this away someday
Hidin' behind bottles in dark cafes
Dark cafes
Only a dark cocoon before
I get my gorgeous wings
And fly away
Only a phase, these dark cafe days"

domingo, 11 de abril de 2010

(...)

Meu corpo não vale nada
Não vale as pedras sob meus sapatos
Não vale as idéias que se chocam com a solidão

O solo de minha mente é impróprio ao que não é racional
Meu coração não suporta o que faz sentido total

Meu amor é saliva
Minha retribuição é o álcool
Isto não faz sentido para vocês
A bondade é minha natureza
A maldade é minha solução
Isto não faz sentido para vocês

Injetem sangue em minhas veias
E me ensinem a ser humano
Ou me matem com todo o amor
Que insistem em não compreender
Ou me masturbem
Até que eu não consiga pensar
Me maltratem com o pior dos fetiches
Até que me sinta em casa
Até que me sinta no inferno
Até que todas as luzes se apaguem

Quando você for embora, não se esqueça de cospir em mim
Para que eu perceba que sou pior que você
Não esqueça de fechar a porta
Para que eu perceba que estou sozinho
Não esqueça de nunca contar a ninguém o que viu
Para que eu não tenha de responder perguntas infantis
Não esqueça de gritar seu testemunho
Para que Deus saiba que tentei
Para que todos saibam que Deus não existe
Até que todos percebam
Que a arrogância não é um belo defeito
Que nenhum arrogante quer ser só
E que o Álcool é o sexo dos miseráveis

Antes de ir embora, me sirva outra dose
E prometa que vai tentar
Depois não olhe para trás
Porque a noite acabou
Mas o que sinto está em seus pulmões
E é eterno

Eu te amo

quarta-feira, 31 de março de 2010

Mal nenhum

"Nunca viram ninguém triste?
Por que não me deixam em paz?
As guerras são tão tristes
E não tem nada demais

Me deixem, bicho acuado
Por um inimigo imaginário
Correndo atrás dos carros
Como um cachorro otário

Me deixem, ataque equivocado
Por um falso alarme
Quebrando objetos inúteis
Como quem leva uma topada

Me deixem amolar e esmurrar
A faca cega, cega da paixão
E dar tiros a esmo e ferir
O mesmo cego coração

Não escondam suas crianças
Nem chamem o síndico
Nem chamem a polícia
Nem chamem o hospício, não

Eu não posso causar mal nenhum
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim"

Cazuza - Mal nenhum

Pensamentos em migalhas de pão

Se antes fumava, agora apenas assiste ao cigarro queimar.
Percebo que o fato de encontrar-se a liberdade ao perder as esperanças possui uma amplitude ainda maior do que a que sempre admirei. Isto porque me dei conta de uma enorme contradição pessoal: nunca acreditei na felicidade - da forma como as pessoas procuram -, no entanto, sempre vi nas formas imaginárias da liberdade algo de feliz e real. A liberdade, porém, é o estado mais infeliz que um homem pode experimentar, se alcançada de uma maneira permanente e extensa. O que as pessoas procuram é como pôr a língua na borda de um doce com um recheio horrível, uma espécie de "liberdade de fim de semana", uma sensação que mantenha o desejo funcionando enquanto se vive em uma prisão mental.
O homem sempre deseja se apegar a algo, seja este outra(s) pessoa(s) ou objetos quaisquer. É natural que sinta-se horrível não podendo se apoiar em nada, se for indiferente a tudo; é como um filho que perde os pais antes de nascer, como não ter por que lutar ou em que sonhar. Um tédio mental repleto de idéias muito mais numerosas do que em uma cabeça comum, porém sem valor para quem está ao seu redor e, portanto, sem oportunidades e importância para/de serem expostas.
O raciocínio começa a se cortar, como se fosse uma doença incurável e com a qual a convivência é impossível.
Só resta, a uma pessoa livre, a ambição de que as outras também se libertem, para que tudo tenha valor. Ainda há, dormindo em meio à liberdade, o egoísmo e o sonho, que ardem e machucam sem se expor.
É recorrente à pessoa livre o pensamento no suicídio, não porque este vá libertá-la, mas porque a liberdade isolada é uma ferida em progressão.
E como dói.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Porque nada temos...

"Porque nada temos…
O Chile estava em ruínas.
Outro terremoto.
O mesmo país.
Morte e desespero em todos os olhares.
A Copa do Mundo era o de menos.

Porque nada temos...
Como pensar em Copa do Mundo quando se contavam os mortos.
As mães chorando pelas calçadas.
Talca e Concepcion vermelhas de sangue.

Porque nada temos…
A FIFA ameaça mudar a sede do Mundial.
Carlos observa o seu país devastado.
Carlos que nascera longe dali.
Em Niterói.
Um chileno carioca.

Porque nada temos…
O Chile ouve as palavras de Carlos.
O Chile junta seus trapos e farrapos humanos.
Seu coração e sua honra.
Constrói pedaço por pedaço em desenho mágico.
Campos. Cidades. Vidas.

Porque nada temos…
Dos que nada possuem chega a força para voltar a sonhar.
O futebol torna-se símbolo da ressurreição nacional.

Porque nada temos…
Dois meses antes da Copa do Mundo de 1962.
O Chile está pronto para receber Pelé, Garrincha e Masopust.
O país chorando suas cruzes.
O país de pé novamente.

Porque nada temos…
Os jornais dão a manchete.
Aos 38 anos morre Carlos Dittborn.
O coração dizendo adeus.
Como um final de tarde em Viña Del Mar.
Como um poema de Neruda."

Roberto Vieira

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Medo

Ando com medo de tantas coisas. Medo de escrever. Tenho medo de ficar rodeado de pessoas, tenho medo de morrer só. Tenho medo de ter um filho e me tornar meus pais, tenho medo de nunca ter filhos.

Ando recusando ligações, dormindo pela manhã e vivendo à noite. Quero ficar só, é tudo o que me importa. O maior prazer em escrever é ouvir as teclas ecoando no silêncio, como um inseto gritando à noite, como um lembrete: "não se preocupe, não há ninguém em volta de você, ninguém está acordado. Só você no mundo".

Tenho medo de ter medo. Tenho medo de esquecer que eu tenho de ter medo. Tenho medo de ter de me expor desnecessariamente. Medo de fugir e nunca mais me expor. Medo de esquecer o que são as pessoas, pra que elas servem, o que elas fazem. Medo de pensarem que sou uma pessoa. Medo de ter amigos. Medo de ter de sair do quarto. Medo de viajar com meus pais.

Tenho medo que minha mãe descubra quem eu sou. Tenho medo de um dia ter de me explicar pra alguém. Tenho medo de chorar e alguém ver. Tenho medo de acreditar no que penso, em que vocês são. Tenho medo de luzes. Tenho medo de ser encontrado no escuro.

Tenho medo de ficar lúcido. Tenho medo de dormir e sonhar. Tenho medo de viver demais. Tenho medo de morrer de câncer. Tenho medo de ouvir músicas que me marcaram. Medo de lembrar. Tenho medo de pensar demais. Tenho medo das cidades pequenas. Tenho medo de não ser mais um na multidão. Tenho medo de proteger os fracos.

Tenho medo de sentir, de ouvir, de abrir os olhos. Medo de compor. Tenho medo de amar uma mulher de verdade. Medo de transar por amor. Tenho medo de ler um muro pixado. Tenho medo de deitar no meio do mato. Tenho medo do mar. Tenho medo de não fechar a porta. Tenho medo do que sou capaz de fazer.

Tenho medo da dor física. Medo da morte esperada. Tenho medo de matar um pai. Tenho medo de induzir um suicídio. Tenho medo que meus pés fiquem descobertos pelo edredom. Tenho medo de ter errado o caminho. Tenho medo de não haver caminho certo. Tenho medo que leiam este texto. Tenho medo que fiquem em meu apartamento sem eu estar presente.

Tenho medo de morar sozinho. Tenho medo da intimidade. Tenho medo dos pêlos do meu corpo. Tenho medo de descobrir que ninguém serve para nada. Tenho medo do calendário, do Natal, do meu aniversário. Tenho medo de não morrer antes de ficar velho. Tenho medo de terminar este texto e esquecer algum medo. Tenho medo de conseguir escrever todos meus medos.

Tenho medo de reencontros. Tenho medo de ficar bêbado em público. Tenho medo de nunca poder dirigir uma moto. Tenho medo de virar advogado. Tenho medo de palcos. Tenho medo de bater pênaltis. Tenho medo de trair. Tenho medo de reler meus textos. Tenho medo da fome. Tenho medo de deixar o cabelo crescer. Tenho medo de fazer solos de guitarra.

Tenho medo da métrica, da rima, da simetria. Tenho medo do meu rosto. Tenho medo de olhos escuros. Tenho medo de injeções. Tenho medo de não me decepcionar com alguém. Tenho medo de conhecer alguém até me decepcionar. Tenho medo de decepcionar quem amo. Tenho medo de não amar ninguém.

Tenho medo de descansar. Tenho medo de cumprimentar e não se lembrarem de mim. Tenho medo de ter problemas com os dentes. Tenho medo da lua desaparecer. Tenho medo de não sentir mais saudades. Tenho medo de mudanças. Tenho medo de não haver perspectivas de mudanças.

Tenho medo de não entender um quadro, um filme. Medo de não compreender um sentimento. Medo de não resolver um exercício de matemática. Medo de deitar na rede. Medo de ficar gordo. Medo de pensar no futuro.

Tenho medo de que este texto seja uma mentira e eu não tenha medo de nada.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Sound of Silence


"Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping
Left it's seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walk alone
Narrow streets of cobblestone,
Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That slip the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more,
People talking without speaking,
People hearing whithout listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence

'Fools', said I, 'You do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you.'
But my words like silent raindrops fell
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made,
And the sign flashed out it's warning
In the words that it was forming,
And the sign said: 'The words of the prophets are
Written on the subway walls
And tenement halls'
And whispered in the sounds of silence"


(Simon and Garfunkel - The sound of silence)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

(...)

(...)
Seu sufismo não fazia sentido. Seu caminho e seu consolo eram a dor, o ódio, a misantropia, o egocentrismo. Era um sufista ateu.
Se Deus não existisse, nada do que ele via teria sentido; se Deus existisse, nada teria sentido de qualquer forma. Ainda assim, acreditava encontrar o sentido de tudo.
Sua função de dar às pessoas o que as falta através de todos os livros que nunca conseguira escrever não era sustentada por qualquer motivo racional, mas ele sentia seu peso e, à noite, quando seus ombros gritavam, era mais real que qualquer lei do universo. Bêbado, assistia a si mesmo demonstrar toda infalibilidade de sua idéia sem se compreender; estava certo, nunca errava.
Quando via sua mulher sofrer, queria vomitar sua "doença" (não a considerava patológica, mas se referia a ela dessa forma em seus pensamentos, sem saber ou procurar saber por quê), via que não era mais apenas ele que abria mão de sua vida pela verdade do mundo. Nunca deveria ter se casado.
Era a pessoa mais racional e também a mais emotiva do mundo.
(...)



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Este trecho foi retirado de um livro que estou escrevendo. Ainda é um esboço, podendo ser modificado posteriormente.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vícios

“Como deve ser pular desta sacada?”
Todas as verdades viciam. Eu podia fechar os ouvidos, olhos, forçar minha mente para estar em outro lugar, mas pra onde quer que eu corresse, essa pergunta continuaria ecoando em minha mente. Era uma idéia que esteve presente em minha vida por dois anos e se encontrava adormecida em um canto empoeirado, poeiras as quais se transformavam em vômito, poesia e música.
Estava há dias sem tomar qualquer remédio quando esta pergunta trouxe todos os dias que se passaram de volta pra mim em dez segundos, como tempo perdido, como pesados dez dias a mais.
O primeiro a desferir golpes de conforto acabou por consolar, na verdade, a mim. Eu não era hipócrita, eu não tinha o direito de convencê-lo de que aquilo era errado, eu e ele não éramos diferentes. Aquele hipócrita que agora beijava sua mão seria, em alguns dias, o mesmo que o empurraria de um prédio meses depois, enquanto aquela pergunta estaria ecoando em minha cabeça, destruindo minha vida, me puxando pelo mesmo caminho.

O próximo encontro contou com um amigo a menos. Um amigo feio, burro e chato a menos. As pessoas sentiram sua falta nos momentos em que deveriam ser engraçados para a maioria e torturantes pra um único indivíduo. Nos momentos em que eram obrigados a expor os defeitos um do outro, porque o dono de todos os defeitos estava morto.
O maior problema é que eu ainda não conseguiria ser hipócrita, mas ainda teria de suportar aquela maldita pergunta ecoando em minha cabeça, em curvas, passeando por todos meus pensamentos, vindo rir e me bater enquanto estivesse em um ônibus, uma festa ou almoçando com a família. Embriagado, dez anos depois, escreveria aquela pergunta à caneta em meu braço, na parede de meu quarto, choraria sem me achar no direito de chorar, sem conseguir acreditar que haveria um porquê pra isso.

A verdade é um vício, nunca uma resposta, nunca uma solução. Enxergar isso é simplesmente notar que a verdade não tem valor algum, que não existe. É ter consciência de que não sofremos por nada, que o sofrimento é simplesmente independente. A verdade é um vício, o sofrimento não é verdadeiro, é algo que existe e independe de qualquer padrão.
Sofrimento não é a verdade, sofrimento é a resposta que nunca conseguiremos enxergar, a doença que arderá todos os dias em equações que nunca desvendaremos, o qual morreremos ignorando, isolando; algo que não queremos entender, mas simplesmente evitar.

A verdade é um vício, o sofrimento é apenas uma lágrima.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A primeira prece

Hoje eu conheci um doente mental.
A maioria das pessoas pensa que sofrer é saber que um inferno espera quem comete pecados. O verdadeiro inferno é ter a certeza de que não há infernos que esperem quem tente compreender o mundo.
Ele havia sido traído e estava triste. Eu não compreendia o que ele dizia e ele sabia que dizia demais. Seria um romance à lua cheia, se ele não fosse retardado e eu tivesse preconceitos diversos misturados à perversidade benevolente de querer ser alguém. Eu precisava ajudá-lo, não sei por quê, e ele me respondeu: “Sou eu quem está te ajudando, e não você quem está me ajudando”. Foi a única coisa que ele disse, e me respondeu a ignorância de muitos, menos a minha. Não era o que eu sentia, mas eu acreditava no que eu pensava, apesar de sentir que pensava o que não traduzia aquilo que consistia em mim.
Era só uma pessoa que havia sido traída e não podia deixar que eu o acompanhasse pra casa e, enquanto ele caminhava embora, até atingir o horizonte e o lugar no qual eu nunca mais poderia vê-lo, lágrimas pulavam de meus olhos e tentavam acompanhá-lo em vão; eu ficaria ali, parado.
Ele conhecia além do que podia compreender. Sabia que, enquanto eu estivesse parado ali, assistindo a ele caminhar até desaparecer, eu estaria descobrindo parte do que eu era: um doente que precisa ajudar outros doentes, um delinqüente responsável que detesta seu próprio serviço.
Tudo o que eu queria era ficar bêbado e assisti-lo desaparecer, tentando fingir que isto nunca havia acontecido. Que todas minhas memórias e minha consciência fossem embora junto com aquele retardado mental. Aquele surdo com o qual tentei me comunicar e o qual tentei ajudar com lágrimas de minha bondade semi-hipócrita.
Posso nunca ser bem-sucedido ou posso ser bem-sucedido enquanto você estiver lendo este desabafo, mas indiferente disto (e que isto fique bem claro), peço que você corte em pedaços tudo o que não escrevi e sou, tudo o que escrevi e não sou, tudo o que sofri e não senti, tudo o que senti e não sofri, tudo o que bebi e não vomitei, tudo o que vomitei e não bebi; tudo o que sou e não sei, tudo o que sei e não sou. Tudo.
Mate-me com um machado, faça com que eu sinta dor. Acabe com tudo.
Amém.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Analgésicos e solidão

"Salva o mundo e ganharás
Analgésicos e solidão"

Foi o que lhe disseram
Aceitou, sem pensar no que viria
Sentia na pele a vertigem da verdade
Passava pelos olhos a ânsia da mentira
Construiu para si uma coroa de pesadelos
Espancou-se com a dor que nada valia

Dele restou um bilhete
Para o filho que não teve:

"Deus não existe;
Deixe este peso de lado
E vá brincar de miséria"