sábado, 5 de julho de 2008

O Encontro

Abri a porta e esperei que ela entrasse em minha frente. Feito isso, entrei logo em seguida.
Apaguei as luzes e acendi velas enquanto ela analisava cautelosamente toda minha sala. Fui à cozinha em busca de vinho, servindo duas taças e as colocando na mesa de jantar. Então, permiti a Frank Sinatra apreciar nossa noite.
-Espero que não esteja a incomodando ou sendo antiquado a uma mulher do século XXI.
-Talvez eu também não pertença ao século XXI - disse ela sorrindo, acendendo um cigarro em seguida - e talvez você saiba disso melhor do que eu. Care if I smoke?
-Maybe I know more than you could ever imagine - olhei fixamente em seus olhos - vá em frente, fume.
-Acredito que esse vício vá me matar um dia - sorriu enquanto tragava - mas isso não fará mais do que nós fazemos a nós mesmos, não é verdade? Encher a cabeça de coisas que julgamos úteis até nos julgarmos sábios e nosso psicólogico decidir ser hora de morrer - cruzou as pernas sensualmente e me encarou - gosta da morte natural, senhor Dimitri?
-Seu vício? É engraçado como voltamos tudo para nós mesmos, como se fôssemos os únicos a possuírem ambições e desejos. E se o cigarro for um taciturno viciado em matar tentando deixar seu vício por se sentir acabar ao acabar com suas vítimas, mas alguém que sabe que nunca vai conseguir parar - debrucei-me e coloquei meu rosto muito próximo ao dela, olhando-a nos olhos - assim como certos homens?
A encarei por um tempo, olhos nos olhos, como se nossos espíritos conversassem em um idioma o qual fôssemos incapazes de entender, e então, sorri.
-Não vai pegar seu vinho?
Só então ela percebeu que eu havia debruçado em sua direção para entregar-lhe sua taça, que repousava em minha mão (ou que esse talvez fosse o pretexto para debruçar-me). Ela a pegou enquanto apagava seu cigarro ainda quase inteiro e, então, me questionou:
-Não entendo bem por que sou a única a perceber, mas sei que é você quem escreve aqueles poemas, todos os pseudônimos são você. Por que não assina com seu próprio nome?
Sorri e, enquanto andava vagarosamente em direção à sua cadeira, disse:
-Então é verdade, profissões podem deixar as pessoas doentias - cheguei à parte de trás de sua cadeira e coloquei uma das mãos em seu cabelo - é pra isso que você veio aqui? Se aproveitar de questões pessoais para escrever em seu jornal estúpido? - ela então demonstrou querer dizer algo, mas coloquei um dedo sobre sua boca - Shhh!! Não responda, não há necessidade.
Então, comecei a caminhar em direção ao armário (atrás dela e, portanto, fora de seu campo de visão) e comecei a preparar o lenço, o toque especial para a noite especial.
-Sim, sou eu quem escreve todos os poemas, mas espero que não tenha oportunidade de escrever isso no jornal.
-Não escreverei se você não o desejar, mas tire-me uma dúvida de apreciadora: como você pode ser tantas pessoas, cada personalidade diferente e algumas até mesmo contraditórias, distribuídas entre os pseudônimos?
Caminhei em direção à parte de trás de sua cadeira, e falei enquanto andava:
-E se a escrita no jornal não depender da minha ou sua vontade? E se depender meramente do destino em nos ter feito encontrar naquela rua?
Cheguei à sua cadeira e, com uma mão, toquei seu ombro. Senti que isso interrompeu sua fala e acelerou notavelmente sua respiração. Com a parte de fora dos dedos, subi pelo seu pescoço, notando que ela estava cadavericamente gelada, até seu cabelo, o levantando.
-Desde quando estávamos juntos, você sentia que me conhecia melhor do que ninguém, mas quando eu a tocava ou olhava em seus olhos, sentia como se um completo estranho estivesse a sua frente e isso lhe causava um medo inexplicável, como uma mão fria tocando sua protegida alma, não é verdade? - cheirei seu cabelo - ainda sente esse medo, não é? - escorreguei a mão novamente pelo seu pescoço até seu ombro - você reconhece que todos os pseudônimos são eu porque conhece a maioria de minhas faces.
Desci minha cabeça até seu ouvido e sussurrei:
-Permita-me apresentar a que considero mais interessante.
Então, rapidamente, movi minha outra mão com o lenço, umidecido com clorofórmio, até seu rosto e o pressionei contra seu nariz até que fizesse o devido efeito. Ela se debateu incessantemente como se reunisse todas suas forças. Então, com o tempo, foi perdendo seus movimentos lentamente e desmaiou.