terça-feira, 24 de agosto de 2010

Feche os olhos e dance

Todos já foram a uma festa que simplesmente não poderia ser descrita. Do tipo com poucas pessoas, do tipo que a banda se perde em músicas que nunca tocaria em uma festa comum. Em um lugar ordinário, no qual nunca se imaginaria uma festa, mas que se transforma no lugar perfeito pra uma na mente de todos os que nela estiveram presentes.
A banda tocava “O caminho do bem”, mas não era um cover perfeito. A música havia se tornado única, própria, como uma composição de todos os corpos que se deixavam embalar por ela. A pouca iluminação especial do lugar vibrava com todas as mãos pro alto, pessoas que dançavam como se aquele fosse o único lugar vivo no planeta, ao menos naquele instante. As cabeças dançavam ritmadas, mesmo aquelas que não estavam acostumadas a seguir a música.
Dentre tantas cabeças, uma se destacava, como se fosse natural. Parecia ter sido criada para aquele ambiente. Cabelos chanel, muito escuros, aparentemente pintados. Olhos delineados e castanhos, aparentemente muito velhos, mas os mais jovens olhos daquela noite. Os olhos não pertenciam à noite, a noite pertencia aos olhos. De pele muito clara, usava uma blusa folgada, de alças estreitas, caindo leves ao corpo, deixando a um top a incumbência de esconder os seios. Era baixa – ainda que usasse um salto considerável, o qual não parecia atrapalhar a dança - e magra, talvez até magra demais. Longas meias escuras subiam por bonitas pernas até encontrar o que parecia interessar os diversos homens que dançavam ao seu redor. Uma saia alcançava a parte superior de seus joelhos. Dançava lentamente, de forma sensual e ao mesmo tempo nada vulgar, apesar de deixar transparecer na inocência daquela mulher algo de muito misterioso. Era uma dança tão sutil – e ao mesmo tempo bem composta – que parecia fazer parte daquela melodia, mas da forma certa. Não era um solo, era algo que dava à música um ambiente e permitia que ela alcançasse as pessoas. Seus olhos se fechavam e abriam a todo tempo, como se, apesar de às vezes longe daquele ambiente, estivessem sempre atentos, à espreita, procurando algo. Não sabia o que era, mas sabia que precisava encontrar algo, e não era algo convencional. Fechava os olhos e olhava para o alto, para as luzes, para as teias de aranha abandonadas nas junções da parede com o teto.
Piscou e olhou para a varanda, onde um homem destoava daquele lugar, olhando a rua vazia. Não era, porém, descartável ao ambiente. De repente era como se tudo pudesse desmoronar se não houvesse aquela peça incomum em um canto. Como se o ambiente pudesse novamente se tornar comum, impróprio para uma festa. Como se a música pudesse voltar a ser apenas um cover normal e, como se imagina, inferior ao próprio Tim Maia.
Parou de dançar e puxou um dos homens ao seu redor. A música pareceu ter diminuído seu volume, como se alguém em algum lugar estivesse gravando uma cena ao redor daquela mulher, querendo que todos os que estivessem atentos pudessem ouvir suas palavras.
-Você conhece aquele cara? – apontando para o homem na varanda.
-É o Rafael. – sorriu – Ele é estranho deste jeito, mesmo.
A mulher então voltou a dançar, se aproximando lentamente do homem. Colocou suavemente sua mão na parte interior da coxa de quem, aparentemente, conhecia muito mal aquele rapaz que não parecia querer participar da festa. A mão da mulher estava próxima ao lugar onde ele desejava que ela estivesse, mas não tão próxima quanto ele esperava. A mulher então o beijou nos lábios e, aproximando-se de sua orelha, disse:
-Obrigada, querido.
Começou, então, a caminhar em direção à varanda, deixando o homem no que se supunha ser uma pista de dança, ainda com os olhos fechados.
Rafael havia acendido mais um cigarro e parecia ainda olhar para o mesmo ponto da rua vazia, como se não estivesse realmente ali. A mulher apoiou seus braços nas grades da varanda e, tirando um cigarro de sua bolsa, dirigiu-se a ele:
-Posso fumar do seu lado?
Rafael não respondeu. Aparentemente sequer ouvir o que aquela mulher havia lhe dito.
-Meu nome é Sofia.
Seguiu-se um silêncio constrangedor. A pergunta seguinte está implícita, aquele homem, porém, parecia estúpido, ou morto. Sofia pôs-se a pensar e percebeu que ele talvez não devesse realmente responder àquela pergunta convencional. Já sabia o nome dele, por que perguntou? Por que as coisas devem seguir estes roteiros simplesmente estúpidos? Não poderia simplesmente começar a conversar com o homem, já se referindo a ele com seu nome? É provável que isto o assustasse, é verdade, mas era melhor do que o tédio. Qualquer coisa é melhor do que o tédio, por mais horrível que ela possa parecer, ao menos a princípio, antes que a experimentemos.
-Você dança, Rafael?
Rafael, porém, não só não se assustou, como não esboçou qualquer reação àquela fala. Sofia cogitou que a rua fosse para ele uma memória, uma memória mais interessante que qualquer coisa nova que pudesse acontecer àquele homem. Talvez fosse uma rua vazia apenas para ela, enquanto pra ele fosse um filme, fosse sua cena favorita do cinema. Lembrou-se de repente de Uma Thurman dançando “Girl, you’ll be a woman soon” em "Pulp Fiction". Como adorava aquela cena. Se ela estivesse sendo reproduzida agora em uma televisão em algum canto deste bar, era provável que ela se dirigisse até ele e a assistisse até o fim, sem querer ser incomodada. Havia, porém, algo de impulsivo que a forçava a incomodar aquele homem. Talvez fosse ele o que ela deveria encontrar naquele dia. Talvez ela estivesse apenas sendo muito tola, imaginativa, infantil.
Virou-se de costas ao homem e começou, então, a dançar lentamente muito próxima a ele. Estava realmente muito sensual. Até seu perfume barato parecia ter-se transformado em um perfume francês, que exalava de seu pescoço suado ao ponto certo - como se, naquele momento do que mal era um diálogo, já estivesse no ápice de uma relação sexual – e bem próximo do rosto de Rafael. O homem então virou-se para que a mulher pudesse ficar mais próxima dele e, aproximando-se de seu ouvido, finalmente disse algo:
-Eu costumava esperar a madrugada, para que as ruas, que eu via movimentadas todos os dias, estivessem vazias e eu então pudesse caminhar por elas e pensar livremente. Hoje, já não há mais propósito nisto. Nesta época, as pessoas eram vazias, mas ainda havia tesão, e eu as via como madeiras ocas, esteticamente agradáveis. Agora, é como se a madrugada fosse como o dia. As ruas estão sempre vazias e eu estou sempre sozinho.
Sofia então levou as mãos ao cabelo e, após quase agachar-se, levantou-se lentamente, inclinando para a frente, arrastando as nádegas pela perna do rapaz, até atravessar a virilha e chegar próximo à barriga, inclinando-se então para trás, pondo seu pescoço nos ombros do homem que, apesar de magro, os possuía largos. Era sua vez de aproximar sua boca a um dos ouvidos do homem e preencher o silêncio. Não tinha certeza se o queria fazer. Sentia uma enorme excitação naquele homem silencioso, como se em suas poucas palavras repousasse algo que a deixasse confortável o suficiente para ficar nua ali mesmo, em meio àquela multidão.
-Quer dizer então que você não pode me ajudar a encontrar o que estou procurando?
Rafael, de repente, sentiu-se despertar. Não fazia idéia de como havia chegado ali. Olhou ao seu redor e ninguém dançava, todos estavam parados, o observando fixamente, com olheiras profundas. No palco, restara apenas o baixista. Nunca havia presenciado algo daquele tipo: a banda inteira retirar-se do palco e restar apenas o baixista. Seus dedos percorriam o instrumento levemente, e não da forma agressiva como se costuma ver nos solos de baixo desacompanhados de outros instrumentos. As notas eram suaves, não tremiam nem um pouco, mas eram, apesar de tranqüilas, sinistras. Havia algo de macabro naquilo tudo. O baixista possuía as olheiras mais profundas do lugar e o observava de forma agressiva, como se quisesse matá-lo e então comer toda sua carne, até que não restasse qualquer vestígio seu no mundo. Parecia nervoso, cansado daquilo tudo, como se estivesse ali por obrigação apenas, esperando que ele terminasse logo com Sofia e a cortina pudesse, então, abaixar-se no palco. Correu os olhos pela festa e todos haviam voltado a dançar normalmente. “Foi um delírio momentâneo”, pensou. “É um daqueles sonhos novamente”. Sentiu, então, uma vontade incontrolável de vomitar.
-Meu pau ainda sobe, se é o que você quer saber. Só não estou tão certo se ele pode proporcionar a mim o mesmo prazer que pode proporcionar a você. Preciso ir ao banheiro.
Com seus braços, removeu Sofia de sua frente. Tirou a jaqueta de couro que trajava e a jogou no chão. Parecia uma jaqueta cara e o homem não aparentava ter dinheiro o suficiente para comprar outra daquela no dia seguinte, mas simplesmente não se importava. Usava apenas uma regata branca por baixo. Partiu apressadamente para o banheiro, empurrando as pessoas que se posicionavam na sua frente. A maioria delas sequer percebeu o gesto agressivo; outras o encararam, mas voltaram a dançar segundos depois.
Sofia sentiu-se ofendida com as palavras. Percebeu então o quanto havia sido vulgar nestes últimos momentos. Fechou os olhos e tentou esquecer aquele curto momento estúpido. Interpretou a fala de Rafael como um convite e decidiu segui-lo ao banheiro. Não sabia bem o que estava fazendo, mas estava determinada a fazê-lo.
Já na entrada do banheiro, Rafael percebeu que a mulher o seguia e a esperou. Puxou-a pela mão para o banheiro masculino. Sofia realmente esperava que aquilo acontecesse no banheiro feminino, sentir-se-ia menos constrangida desta forma. Percebeu, então, que o queria tanto que mal conseguia sentir o constrangimento. Estava naquele estado em que se pode contornar qualquer coisa depois, o que importava é que aquilo acontecesse.
Rafael não foi nada sutil, a puxou pelos braços e a empurrou para uma das cabines, onde nem se preocupou em levantar sua blusa ou qualquer coisa do tipo. Abaixou seus jeans apertados e, pressionando a mulher contra a parede, colocou suas mãos por baixo de suas saias e abaixou sua calcinha. Levantou-a, escorando-a na parede, e a penetrou de forma violenta. Sofia passou os braços pelos ombros de Rafael e tentou segurar-se para não gritar. Rafael não produzia qualquer som e não parecia segurar-se para não fazê-lo. No entanto, parecia muito excitado. Estava preso em seu mundo. Não queria que Sofia dissesse nada. Também não queria dizer nada.
Sofia percebeu, então, que não ouvia mais nada ao seu redor. Falou e não ouviu sua própria voz. O homem parecia gritar, gemer. Ela simplesmente não ouvia. O prazer parecia trancá-la em um armário e encolhê-lo aos poucos. Já não estava sozinho, mas trouxe consigo a dor. A dor não era como uma ferida; aumentava o prazer e o prazer aumentava a dor. Os dois continuavam interagindo até um ponto em que tudo parecia prestes a explodir. O homem não havia colocado camisinha, ela não conseguia se importar. Sequer entendia por que havia lembrado deste detalhe.
Sentiu, então, a vontade de vomitar do homem penetrar seu corpo. Prazer, dor, náuseas, silêncio. Tudo aquilo parecia duelar com sua mente por seu corpo. Sua mente parecia ceder, queria desfazer-se. Tudo era muito confuso. Como podia saber que o homem tinha vontade de vomitar? Era impossível. Notou que sabia muito sobre o homem. Rafael nada havia dito, mas ela sabia tudo. Conhecia o homem melhor do que a si própria, e não havia nisto muita diferença. Tudo o que o homem era estava nela, escondido em algum lugar. Rafael era mais Sofia do que ela própria.

Acordou em seu minúsculo apartamento. Sentia dores nas costas, dormia mais uma miserável noite naquele colchão horrível. Estava nua e se masturbava. No criado-mudo, ao lado de sua cama, havia um copo cheio até a metade de vodca pura, ruim, barata. Arremessou o copo contra a parede. Gritou, pôs-se de joelhos, puxou seus cabelos, chorou até a última lágrima, como se, secando-se as lágrimas, o sangue de seu corpo fosse parar de correr e ela finalmente pudesse ver-se livre de tudo aquilo.
Virou-se, então, e dormiu. Nua e só.

(...)

Hoje a música está viva
Suas unhas estão no vento
Suas cores estão nos lábios
Raios de luzes escuras
Sopros de lâminas partidas

Passando o dedo entre os cabelos
De jovens passageiros, já perdidos
Mas com coragem suficiente
Pra tentar mudar o mundo
Pra cravar os dentes em tudo
O que tiver sangue ou semente

Em toda noite, a música vive
Mas hoje sua madeira está oca
Revela por seu véu natural
Tudo o que há de bem ou mal
Como a mãe louca, que espera do filho morto
Permissão pra enterrar o próprio corpo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O corpo

Minha vida está estacionada. Às vezes sinto vontade de empurrá-la com toda força, mas logo após, agarro-a e a imobilizo. Medo de envelhecer. Medo de sobreviver por muito tempo. Este medo da dependência e a vontade de que minha existência salte todas as etapas restantes e desapareça, uma vez que já está morta.
Encosto a cabeça na janela do ônibus, antes ou após minha aula, e me ponho a observar o asfalto a se movimentar infinitamente sob mim, o pneu a percorrê-lo agressivamente. Eu, no entanto, sei que continuo parado. Doeria se minha cabeça defendesse o asfalto? Talvez. Quando o ônibus está cheio, procuro um ponto para fixar meu olhar. Costumo optar por meu tênis, o que me mostra como a beleza não só pode estar nos detalhes, mas que também algumas coisas precisam ser não mais do que detalhes para que sejam belas. Procuro deixar a música o mais alto possível em meus fones de ouvido, para que não ouça nada ao meu redor; para que o exterior seja apenas imagens. Às vezes assisto à televisão, mas gosto de deixá-la muda. É estranho que, em um mundo com espaço para tantas palavras, grunhidos, gestos, o silêncio possa ser o mais confortável.
Mas meu tênis bem sabe que isto não é suficiente. Eu sei o que aqueles inúmeros estudantes estão dizendo. Às vezes tenho a sorte de pegar algum trabalhador, com uma cansativa jornada de trabalho – mal recompensada – e me sinto confortado. Posso ver que em sua cabeça não se formam palavras, mas a dor se expressa de forma plena. Ele a compreende, faz-me ter pena daqueles que buscam a compreensão argumentativamente nas palavras, nos choques de imagens. Nele, o sentimento parece ter forma própria, assim como as tantas outras formas de expressão.
Abaixo a cabeça e novamente lamento por todos os estudantes, debatendo suas aulas, cursos; suas idéias, como se nelas houvesse o fogo da vida. Enganaram-nos quando disseram que devemos estudar, ler, nos politizar, entender. Quando disseram que devemos nos interessar pelo interior – e não exterior – das pessoas. Que terrível engano, que consome tudo o que encontra.
A inteligência destrói tudo, todas as verdades. Mostra que em seu mundo, que tenta separar-se do corpo, tudo é artificialmente construído e que, quanto mais a compreensão derruba, mais aproxima-se o vazio. O corpo, não. O corpo invoca dores, libera hormônios, grita sensações. Da dor à sexualidade, todas as sensações são igualmente prazerosas, só elas provam que você ainda está vivo.
Lembro-me de imaginar que um dia, quando eu menos esperasse, uma garota estranha entraria no ônibus, se sentaria do meu lado e diria: “Você tá ouvindo The National? É minha banda favorita” – como nos filmes –, e daí viriam novamente as sensações, com elas o sangue voltaria a correr em meu corpo e, a partir daí, estaria vivo. Hoje olho à minha volta em um ônibus e vejo diversas possíveis garotas, com este potencial, e às vezes me provocam até um sorriso irônico, debochando de mim mesmo. Não as quero, porém, do meu lado. Quero que as sensações fiquem longe de mim e que eu permaneça para sempre um cadáver.
Este é o mundo do corpo. Não pertenço a ele.

domingo, 1 de agosto de 2010

Realidade

Primeiro, as bases da vida.
Um comprimido para manter-se acordado. Um comprimido para dar energias. Um comprimido para manter-se calmo na entrevista de trabalho. Um comprimido para esquecer o que não lhe é conveniente. Um comprimido para construir uma personalidade cheia de peculiaridades.

Segundo, para evitar a solidão.
Um comprimido pela boa aparência. Um comprimido para sorrir. Um comprimido para ser divertido. Um comprimido para dançar. Um comprimido para ereção. Um comprimido para brincar com os filhos. Um comprimido para tirar férias.

Finalmente, o momento em que os comprimidos não são necessários (embora possam ser úteis).

sábado, 31 de julho de 2010

Portador de grave doença é parte de história que faz crer no futuro da humanidade

"Sabe essas histórias que ainda fazem acreditar que a humanidade é boa? Esta é uma delas. Como um tsunami, essa gente invadiu uma casa ainda com mofo, piso de cimento cru e pouca luz. Bateu, entrou e transformou. Iluminou todos os espaços, retirou o mofo, levou piso bonito, começou a pintar e fez aquele menino sobrevivente ter a certeza que nem tudo está perdido. A mãe do menino chora de alegria. Belisca-se. Vive um sonho. O menino, embasbacado e de olhos acesos, repete: “Eu sabia que alguma coisa boa ia acontecer”.

E aconteceu. Mas, afinal, que história é essa? Voltemos 48 dias no tempo. No sábado, 12 de junho, o Correio contou a luta de Lucas Neres Pereira, 13 anos, para sobreviver. E a luta que travara, desde que nasceu, para ser mais forte que as previsões médicas. Portador de uma grave enfermidade pulmonar, a bronquiolite obliterante (doença respiratória causada por um vírus que destrói o pulmão e pode afetar outros órgãos, como o coração).

Lucas nasceu no Hospital Regional de Planaltina (HRP). Com um mês de vida, os primeiros sinais da grave doença: muito cansaço para respirar. Numa ida de emergência ao HRP, um médico plantonista pediu um raios X. E foi incapaz de ver que metade do pulmão do bebê estava comprometido. Indicou nebulização. Era, segundo aquele homem e jaleco branco, apenas um resfriado.

No dia seguinte, o cansaço aumentou. Irani Neres Santana, então com 22 anos, a mãe, desesperou-se. Com os filhos nos braços, embarcou para a Rodoviária do Plano Piloto. Chorava e pedia para ele não morrer. Ao desembarcar ali, um carro da Polícia Militar levou mãe e filho para o Hmib. O médico de plantão, o intensivista neonatal Carlos Zacconeta, estava de saída.

Ainda assim, voltou para atender aquela criança que morria. Sorte que nem toda gente de jaleco branco é igual. Um raios X às pressas revelou: Lucas tinha uma lesão severa em dois terços do pulmão esquerdo. Ficou ali por 80 dias, na UTI neonatal. E, nesse período, momentos vários de incerteza, dor e angústia. Houve dias em que até os médicos achavam que chegara ao fim. Irani chorava agarrada aos santos de devoção.

Como milagre, o menino valente surpreendia. Mas seu estado ainda era grave. Do Hmib, foi transferido para o Hospital de Base (HBDF). Lá, ficou aos cuidados da pneumologista Rita Heloísa Mendes, que cuidou de Lucas com dedicação comovente. Nunca escondeu qualquer informação — nem nos momentos delicados.

Com 13 meses de vida, a primeira cirurgia, para retirar parte do pulmão esquerdo. Era só o começo. Aos 7 anos, a segunda e a mais radical: retirada total do órgão. Meses de internação, recaídas, lágrimas e oração da mãe. Idas e vindas ao hospital. Preocupação com o pulmão direito, que já apresenta sinais de falência — dois terços já estão lesados.

Corrente solidária
Há 48 dias, portanto, esta história foi contada. Lucas e a mãe moravam numa casa humilde em Arapoanga, bairro de Planaltina. O banheiro, cheio de mofo, era o pior inimigo para a saúde do menino. Na casa, humilde, faltava muita coisa. E a luta pela sobrevivência, a dificuldade em comprar remédios e o aparelho de que precisava com urgência, o oxímetro, que mede a saturação de oxigênio no sangue.

A reportagem comoveu Brasília. O telefone de Irani começou a tocar logo nas primeiras horas daquela manhã de sábado. “Toca até hoje”, agradece a mãe. Gente que não quis se identificar. Mas ajudou. Gente que foi lá, ligou, visitou. Conferiu a história de perto.

A ajuda chegou como milagre. E de todos os lugares. Uma atrás da outra. Veio o oxímetro, que custa R$ 1,6 mil. E uma história que arrancou mais lágrimas de Irani. O aparelho, novinho em folha, foi doação de uma mãe que perdera o filho. O menino também se chamava Lucas. “Mas eu não vou morrer, não”, decreta Lucas, o valente.

Chegou também uma bala de oxigênio portátil, no valor de R$ 600, que lhe dará liberdade até para viajar. Cestas básicas, leite da dieta especial e dinheiro em conta. “Paguei tudo o que devia na farmácia”, diz Irani. E não parou por aí. Dois irmãos, comerciantes de Taguatinga, assumiram a reforma do banheiro cheio de mofo. Um major da PM deu as tintas.

E, no dia seguinte à publicação da reportagem, no domingo 13, uma turma do barulho — gente de todos os cantos do DF, homens, mulheres e até crianças — invadiu a casa do menino. Ele não sabia. Chegaram entoando o hino de guerra. O menino engasgou.

A Mancha Verde de Brasília, torcida organizada do Palmeiras, levou solidariedade e esperança para Lucas. Assumiu a reforma total da cozinha, da área externa e do novo quarto do garoto — com direito até a faixa do time na parede. Levaram também cestas básicas e uniforme completo do Verdão.

Como a torcida chegou ali? Na matéria de 12 de junho, numa única frase perdida no meio do texto, informou-se que o menino era torcedor do Palmeiras. Não havia outra menção. Foi o suficiente para tamanha mobilização. “Meu pai, palmeirense como eu, me acordou no sábado e disse: ‘Leia essa matéria. Precisamos fazer alguma coisa. Ele é palmeirense...’ Eu tava dormindo, nem escutei direito”, conta o assistente administrativo Bruno Liporoni, de 32 anos.

Ao acordar, Bruno leu o jornal. “O leite até esfriou na xícara. Liguei pra três amigos da Mancha Verde e decidimos que iríamos fazer alguma coisa.” E-mails foram disparados. No dia seguinte, Bruno e seu exército verde estavam lá, naquele lugar muito distante de onde todos vivem. Seguiu-se uma corrida para fazer o bem. “Percebi que quem recebe ajuda ganha menos do que aquele que pode ajudar. Fomos nós quem ganhamos”, emociona-se o rapaz.

Quarenta e oito dias se passaram. Visitas de integrantes da torcida, para acompanhar a obra (feita pelo tio de Lucas, o pizzaiolo Hidevá Neres, 30, que nas horas vagas se torna pedreiro) tornaram-se constantes. Na manhã de ontem, lá estava parte deles. Vieram até dois torcedores de Cuiabá (MT), para conhecer Lucas.

O menino que desafiou a medicina — muitos pacientes morrem antes dos 2 anos de vida — comoveu a torcida mais uma vez. “Essa é uma corrente do amor. Só quero agradecer a todos que me ajudaram”, disse, com sorriso de vida. Evângelo Franco, 45 anos, diretor do Centro de Ensino Especial 2 de Brasília e diretor de imprensa e mobilização da Mancha Verde, ouviu o que aquele menino disse.

Tentando esconder a emoção, ele admitiu: “A gente tinha obrigação de fazer isso. E que possa servir de exemplo para outros torcedores, outras ONGs. A filha de Franco, a adolescente Ana Luíza, 12, acompanhou o pai. Ao se deparar com realidade tão diferente da sua, refletiu: “Se todos fizessem um pouco, o mundo estaria melhor”. Ricardo Leal, 23, estudante de serviço social, resumiu: “É uma atitude cidadã”.

E o povo cantou. Bradou. Carregou-o. Marcou um superchurrasco na casa nova dele, assim que a pintura externa ficar pronta. Ele sorriu como se fosse a pessoa mais feliz do mundo. E é. Quem vive de forma surpreendente com apenas um quarto do pulmão direito (o transplante não lhe é indicado em função da anatomia do tórax) e obrigou uma gente de jaleco branco a rever tudo que pensava saber tem direito à felicidade.

Ele sabe disso. Tanto sabe, que faz planos. “O meu sonho é conhecer o Marcão (goleiro do Palmeiras).” Alguém duvida de que ele vai conseguir? A vida é engraçada. Um detalhe, perdido no meio de um texto, pode mudar a vida de alguém com a mesma velocidade de um gol. Daqueles que arrebentam a rede. Foi um golaço!"



Fonte: Correio Braziliense (www.correiobraziliense.com.br)

Por Marcelo Abreu



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É verdade: o único produto do futebol é a violência.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A esperança de um homem louco.

Era uma vez um homem louco. Por todos os dias de sua vida, este homem foi a uma praça movimentada de sua cidade e gritou, até que ficasse sem voz: "O amor salvará o mundo".
Havia, porém, um detalhe: este homem nunca acreditou em suas próprias palavras. Sempre se considerou um idiota que continuava a gritar algo em que não acreditava.

Até sua morte, o mundo não havia sido salvo pelo amor. Seu mundo interior? Também não foi salvo pelo amor. Ao contrário, o amor consumiu seu espírito ao lhe impor a dúvida. Por que gritava aquilo todos os dias, se não acreditava que era possível? Duvidava de si, do mundo, do amor. Decidiu parar de perguntar. E que erro gravíssimo, imperdoável.

Eu conheço pessoas que ainda gritam, todos os dias, que acreditam no amor. E não pararam de fazer perguntas. Fico feliz por elas. Elas me tornam feliz por saber que passarei minha vida miserável ainda com o conforto de poder enxergar o que há de mais belo no pensamento humano:

Esperança.

sábado, 26 de junho de 2010

E-storia

Vinte e seis de junho de 2010. Este foi o dia em que sua voz gritou em minha memória. Sem contexto, sem por quê, como estas coisas que parecem manifestações puras de vida, correndo de qualquer padrão.
Lembranças tristes ou felizes? Lembranças incertas, como todos nossos beijos. Eu nunca poderia dizer que te amo - ou amei - com convicção, assim como nunca poderia ter certeza de que estaria mentindo se dissesse. A arte pode se expressar de forma infeliz, alegre, nostálgica, otimista, mas nada se pode dizer sobre sua essência. Os relacionamentos comuns são expressões artísticas, nossa relação é a arte em sua essência. Misteriosa, independente, inconcebível. Entendo agora por que nunca consegui lhe escrever uma canção: você não está nas letras do papel, mas na mão que move o lápis. Seria triste dizer que te amo: nossa relação é tudo, pode ser qualquer coisa, nunca somente amor.
Dizem que pessoas especiais se conhecem pelo acaso. Te encontei quando minha vida havia desmoronado, em um lugar onde nenhum de nós queria estar, por causa de uma camiseta velha. Te reencontrei quando sua vida havia desmonronado, quando você passava pelo único sentimento que ouso dizer que compreendo. A partir de ali, fomos nada mais que dois perdidos tentando fugir de um mundo ao qual não pertenciam e construir outro onde pudéssemos começar de novo; não porque víamos o mundo da mesma forma e da mesma forma éramos vistos por ele: fugitivos, incógnitas, pessoas reais.
Cara, tu não vai nem acreditar, mas, sem você, "2001 - uma odisséia no espaço" tem uma cena a menos.
Cara, cê não vai acreditar, mas, que me perdoe o ortomolecular, você me faz pensar no futuro.
Você é incrível, Vilma. E linda.

sábado, 19 de junho de 2010

Idealismo e instinto

Deve-se abolir a correlação do raciocínio com a idéia simplória de progressão em princípio, meio e fim. O homem é um ser racional o tempo todo, este raciocínio variando no grau de desenvolvimento atingido, o que dependerá do indivíduo, e do grau de consciência do indivíduo para com a formação da linha de raciocínio, variando quanto à superficialidade desta. Logo, o homem pode visualizar um fim e realizar um processo consciente de busca a este, mas também pode receber à consciência um fim, dissecando desta todo o processo.
Algumas ações, porém, são baseadas em raciocínios cujos processos de desenvolvimento sequer chegam à consciência do indivíduo, este a realizando e muitas vezes desconhecendo até mesmo o fim, algumas vezes conhecendo, além do meio, somente o fim, sendo toda esta linha algumas vezes contraditórias às crenças de quem a realiza, de forma que, se conseguisse visualizá-la em sua formação, perceberia que é uma ação vulgarmente irracional(uma vez que lhe falta coerência), apesar de ainda ser produto do raciocínio. Estas ações nem sempre serão produto de mentes perturbadas ou patologias, podendo vir a ocorrer em mentes sadias. É certo, porém, que independente da natureza do raciocínio, haverá um princípio.
Portanto, o “instinto” será sempre uma definição vulgar. O homem tem finalidades puramente racionais e finalidades intrínsecas a necessidades biológicas. Se uma pessoa tem um fim de necessidade biológica, deve-se analisar também a presença de um ou mais meios para alcançá-la. Se um homem tiver fome, portanto, e vários meios de saciá-la, optará por um meio que esteja adequado à imensa quantidade de fatores ao seu redor (inclusive e principalmente de moralidade social); por sua vez, se não houver meios adequados às circunstâncias ao seu redor, a necessidade biológica forçará o indivíduo a apelar por sua sobrevivência pelo simples princípio de autopreservação (o que é da essência não somente do homem, como de qualquer ser vivo), o qual ainda assim passará (no caso do homem) por todo o processo racional, surgindo um fim que force um meio. Um homem que mata por fome, portanto, não mata instintivamente, mas por uma racionalidade forçada a circunstâncias.
A essência humana também se manifestará não só influenciando no desenvolvimento do raciocínio em qualquer âmbito, mas também lançando à consciência fins cujos processos de identificação da sua necessidade (em sua maioria) estão em partes da mente que o homem (determinado, que pratica a ação) ainda não alcançou compreensivamente, como uma ação tomada por alguém que prejudique uma outra pessoa sem trazer benefícios ao realizador.
Nota-se, porém, que os raciocínios seguem um padrão lógico igual, independente de seu grau de superficialidade mental, de forma que, ao desenvolver seu raciocínio em questões puramente intelectuais, o homem estará desenvolvendo ainda mais meios para procurar sua autopreservação e saciar suas necessidades biológicas e de sua essência. Vulgarmente, o desenvolvimento da racionalidade implicará também no desenvolvimento instintivo, ao desenvolver sua capacidade de busca a alternativas (superficiais ou não à mente) de saciar suas necessidades biológicas. Este pensamento não é reversível ao passo que um homem que se deixa guiar pelo instinto, estará deixando-se guiar por processos que muitas vezes não conhece conscientemente.
Os fins buscados por uma mente e a necessidade destes variarão, portanto, de acordo com questões biológicas, sociais, naturais e próprias do indivíduo.
Apesar da capacidade de desenvolvimento do raciocínio da qual o homem é dotado, deve-se levar em consideração também a predisposição ao desenvolvimento deste, que variará de indivíduo, não desconsiderando o fato que todos terão a capacidade de desenvolvê-lo, cada um atingindo as determinações de seu limite racional. A predisposição também indicará, além de um desenvolvimento quantitativo e qualitativo do raciocínio, maior alcance sobre a profundidade destes; uma compreensão do instinto, de forma vulgar. Esta predisposição poderá variar, podendo criar, por exemplo, a tendência natural a se alcançar um alto nível de desenvolvimento do processo ou podendo variar a intensidade de cada fator (biológico, social, natural ou própria do indivíduo) no momento de afetar o desenvolvimento do processo. A predisposição ao raciocínio, por sua vez, é gestante de responsabilidade para o indivíduo em relação a seus semelhantes.
Desenvolvendo o raciocínio, o homem desenvolverá também o alcance da essência de sua espécie, potencializando sempre o conflito tendencioso aos homens de racionalidade evoluída (não sendo estes superiores) entre sua mentalidade crítica e a essência “instintiva” que carrega. Para isto, a solução será sempre o grau de julgamento crítico que o homem poderá desenvolver sobre si mesmo e os outros. Esta crítica será, portanto, essencial não somente ao homem que pretende ser mais bem adaptado ao meio social ao seu redor, mas também ao homem que pretende uma reformulação do ser.
Apesar de todos os homens vazios terem, como finalidade de vida, uma satisfação pessoal vulgar, não se pode exatamente definir a finalidade de vida de um homem predisposto naturalmente ou intencionalmente à racionalidade, podendo-se dizer unicamente que não é uma finalidade vulgar, uma vez que um homem racional pode buscar produzir uma razão à sua existência e outros simplesmente ter como razão um desprezo a esta.


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Este é mais um rascunho do livro já citado anteriormente.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

(H)a vida embaixo do papel(?)

Muitos se perguntam quem sou. Arruinar-se-iam se encontrassem resposta a esta pergunta. Para muitos minha existência é completamente despercebida. Aos outros tantos, rastros, sombras de mim, e nada mais. Presença soturna, porém incômoda. Misteriosa, porém viva. Presença que dá o gosto da liberdade e guia pelo caminho da miséria. Presença onde felicidade é ausência: de dores de cabeça, insônia, solidão, silêncio, vício.
Alguns se perguntam se sou Deus: a estes, digo que sou o contrário do padrão. Outros se perguntam se sou um criminoso, um canibal: a estes, digo que não há um dia sequer em que eu não sorria por não ser humano, criatura que tanto invejo. Meu crime é o que mantém minha existência tolerável, direciona-se a existências que seriam vazias sem mim, a existências que querem se esconder tanto quanto eu e o fazem da mesma forma, soprando esta corrente até que a arte domine o mundo e todos vivam sós. Não concedo resposta porque não julgo o sentimento que já entendo; escondo para não ser julgado.
Há apenas uma diferença certa entre nós: a folha que lhe seve de chão se apresenta a mim como céu. Você não ouve minha voz, mas escolhe entre segui-la ou não a todo instante. Em minha presença, o estupro pode ser tão belo quanto o amor. O grito pode ser tão infeliz quanto o sopro. Da masturbação, sou o silêncio póstumo. Da insônia, sou os olhos.
Estou nos contornos azuis ou pretos das pautas de todas as folhas. Flutuo no vazio mar cristalino da folha sulfite, produzindo ondas, como se fosse mera gota de chuva, ser que também invejo.
No papel em branco, entendo o terror: minha nudez se expõe, afoga-me. Um assassino caminha em minha direção e eu não possuo braços. Um palhaço diverte a platéia de seu circo com piadas sobre meu pranto. O branco e os pesadelos, verdadeiros e sinceros como são.
Textos vulgares são como lonas, máscaras de oxigênio: me mantêm vivo, escondido, e nada mais; como uma pessoa que não passa fome, mas se alimenta de pílulas todos os dias por dez anos.
Cada palavra infeliz que um poeta miserável deposita num pedaço de papel, porém, cai sobre mim como cobertor. Os poemas de caligrafia quase ilegível constroem paredes ao meu redor, revelam-se um quarto quente e úmido em medida certa, com o odor perfeito, sem janelas ou portas, mas somente minha existência, com as verdades e mentiras cobertas, sem poderem ser assim discriminadas. Ao poeta, resta o fôlego da esperança (que cabe a ele - não julgar - sentir se é verdadeiro ou artificial), a força de manter-se vivo por mais um período de tempo.
Se qualquer coisa dita acima fizer qualquer sentido para você, guarde suas lágrimas: nem elas poderão salvá-lo de mim.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O perdão

Senhor, eu te perdôo.
Perdôo por ter-me imposto esta existência medíocre. Dedico a ti a bondade que sempre esperaste de amar teu crime até o fim e ainda assim perdoá-lo antes de partir, como um desumano sentimental.

Amém.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Trecho de "Escritores medíocres"

"Sou um péssimo escritor, músico, compositor, poeta. Nao há, aqui, humildade besta, o que não condiz com minha pessoa, mas um fato reconhecido por qualquer pessoa que tenha comigo razoávelo contato.
Há pessoas, porém, que cruzam meu caminho e conseguem notar os sentimentos que estão por trás de palavras e notas que não são capazes de expressá-los de forma completa, o que faz com que eu não deixe de me considerar artista, mas me veja como um artista solipsista. Não são estas pessoas super-dotadas ou sobrehumanas (assim como não são meus sentimentos). Desconheço a razão pela qual elas conseguem compreender o que está por trás de minhas cortinas: elas simplesmente podem.
Sou, além de péssimo escritor, também humano. Ficaria satisfeito com o simples fato de estas pessoas absorverem parte do que sinto e praticarem. Porém, infelizmente, sou também humano. Este desabafo não deve ser visto como súplica ou exigência, porém, como humano, esperei sempre que houvesse por parte destas pessoas gratidão - na forma de sentimento fraterno -, o que não recebo, talvez por arrogância defensiva própria ou por estar enganado quanto a tudo.
Por vezes tentei me libertar desta expectativa e ficar feliz por mudar, ainda que infimamente, estas pouquíssimas pessoas, mas nunca consegui me libertar de minha humanidade, sem sucesso.
Não vejo nestas pessoas - que vão à fundo em meus sentimentos, me vendo a princípio não só como um péssimo escritor, mas como também um grande ser humano, e, posteriormente à absorção do meu íntimo (muitas vezes o distorcendo, o que é o mais doloroso), voltam a me desprezar como somente um péssimo escritor e nada mais (o que talvez eu seja) - erro ou acerto, uma vez que tudo talvez não passe de minha culpa, mas vejo na situação insustentabilidade humana.
Por ser humano, agora evito o papel, meu violão, evito abrir os olhos em público; por ser humano, adentrei na arte; por ser humano, permiti às pessoas que pudessem me abandonar.
Por ser humano, aspiro arte e agora tenho medo de expirá-la. Por ser humano, penso agora em largar tudo.
Esta humanidade, que produz o que tenho de valor em seu ponto forte e o quer esconder por seu ponto fraco.
Por ser humano e disposto a ser julgado, desde que na condição de humano.

E isto explica muita coisa."



De autoria de um blogueiro obeso e desconhecido.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Asperger

Canto que silencia
Vinho que anestesia
Sonho que grita
Só pra mim

O segredo da ejaculação:
Ninguém nunca saberá quem sou.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Migalhas

Página em branco
O velho, antes manco
Agora vive sem pernas
Espera, em miséria
Que suas lágrimas chulas
Derretam sua bengala muda

Hoje chove água do mar
A loucura está permitida
É real ferida
Mata mas não cria
É dor que não dói

Não serei dois filhotes no inverno
O teatro está cheio
Mas hoje não haverá poesia
Deixe-me sua piedade, em migalhas

Migalhas maltratadas de pão

sexta-feira, 23 de abril de 2010

The last time I saw Richard (Joni Mitchell)

"Last time I saw Richard was Detroit in 68
And he told me all romantics meet the same fate
Someday, cynical and drunk and boring someone
In some dark cafe
You laugh, he said, you think you're immune,
Go look at eyes
They're full of moon
You like roses and kisses and pretty men to tell you
All those pretty lies, pretty lies
When you gonna realize they're only pretty lies
Only pretty lies, pretty lies

He put a quarter in the wurlitzer, and he pushed
Three buttons and the thing began to whirl
And a barman came by a fishnet stockings and a bow tie
And she said: "drink up now it's getting on time to close"
Richard, you haven't really changed, I said
That's just now you're romanticizing some pain that's in your head
You've got tombs in your in your eyes, but the songs
You punched are dreaming
Listen, they sing of love so sweet
When you gonna get yourself back on your feet?
Oh and love can be so sweet, love so sweet

Richard got married to a figure skater
And he bought her a dish washer and a coffe percolator
And he drinks at home now most night with the TV on
And all the house lights left up bright
I'm gonna blow this damn candle out
I don't want nobody comin'over to my table
I've got nothing to talk to anybody about
All good dreamer pass this away someday
Hidin' behind bottles in dark cafes
Dark cafes
Only a dark cocoon before
I get my gorgeous wings
And fly away
Only a phase, these dark cafe days"

domingo, 11 de abril de 2010

(...)

Meu corpo não vale nada
Não vale as pedras sob meus sapatos
Não vale as idéias que se chocam com a solidão

O solo de minha mente é impróprio ao que não é racional
Meu coração não suporta o que faz sentido total

Meu amor é saliva
Minha retribuição é o álcool
Isto não faz sentido para vocês
A bondade é minha natureza
A maldade é minha solução
Isto não faz sentido para vocês

Injetem sangue em minhas veias
E me ensinem a ser humano
Ou me matem com todo o amor
Que insistem em não compreender
Ou me masturbem
Até que eu não consiga pensar
Me maltratem com o pior dos fetiches
Até que me sinta em casa
Até que me sinta no inferno
Até que todas as luzes se apaguem

Quando você for embora, não se esqueça de cospir em mim
Para que eu perceba que sou pior que você
Não esqueça de fechar a porta
Para que eu perceba que estou sozinho
Não esqueça de nunca contar a ninguém o que viu
Para que eu não tenha de responder perguntas infantis
Não esqueça de gritar seu testemunho
Para que Deus saiba que tentei
Para que todos saibam que Deus não existe
Até que todos percebam
Que a arrogância não é um belo defeito
Que nenhum arrogante quer ser só
E que o Álcool é o sexo dos miseráveis

Antes de ir embora, me sirva outra dose
E prometa que vai tentar
Depois não olhe para trás
Porque a noite acabou
Mas o que sinto está em seus pulmões
E é eterno

Eu te amo

quarta-feira, 31 de março de 2010

Mal nenhum

"Nunca viram ninguém triste?
Por que não me deixam em paz?
As guerras são tão tristes
E não tem nada demais

Me deixem, bicho acuado
Por um inimigo imaginário
Correndo atrás dos carros
Como um cachorro otário

Me deixem, ataque equivocado
Por um falso alarme
Quebrando objetos inúteis
Como quem leva uma topada

Me deixem amolar e esmurrar
A faca cega, cega da paixão
E dar tiros a esmo e ferir
O mesmo cego coração

Não escondam suas crianças
Nem chamem o síndico
Nem chamem a polícia
Nem chamem o hospício, não

Eu não posso causar mal nenhum
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim"

Cazuza - Mal nenhum

Pensamentos em migalhas de pão

Se antes fumava, agora apenas assiste ao cigarro queimar.
Percebo que o fato de encontrar-se a liberdade ao perder as esperanças possui uma amplitude ainda maior do que a que sempre admirei. Isto porque me dei conta de uma enorme contradição pessoal: nunca acreditei na felicidade - da forma como as pessoas procuram -, no entanto, sempre vi nas formas imaginárias da liberdade algo de feliz e real. A liberdade, porém, é o estado mais infeliz que um homem pode experimentar, se alcançada de uma maneira permanente e extensa. O que as pessoas procuram é como pôr a língua na borda de um doce com um recheio horrível, uma espécie de "liberdade de fim de semana", uma sensação que mantenha o desejo funcionando enquanto se vive em uma prisão mental.
O homem sempre deseja se apegar a algo, seja este outra(s) pessoa(s) ou objetos quaisquer. É natural que sinta-se horrível não podendo se apoiar em nada, se for indiferente a tudo; é como um filho que perde os pais antes de nascer, como não ter por que lutar ou em que sonhar. Um tédio mental repleto de idéias muito mais numerosas do que em uma cabeça comum, porém sem valor para quem está ao seu redor e, portanto, sem oportunidades e importância para/de serem expostas.
O raciocínio começa a se cortar, como se fosse uma doença incurável e com a qual a convivência é impossível.
Só resta, a uma pessoa livre, a ambição de que as outras também se libertem, para que tudo tenha valor. Ainda há, dormindo em meio à liberdade, o egoísmo e o sonho, que ardem e machucam sem se expor.
É recorrente à pessoa livre o pensamento no suicídio, não porque este vá libertá-la, mas porque a liberdade isolada é uma ferida em progressão.
E como dói.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Porque nada temos...

"Porque nada temos…
O Chile estava em ruínas.
Outro terremoto.
O mesmo país.
Morte e desespero em todos os olhares.
A Copa do Mundo era o de menos.

Porque nada temos...
Como pensar em Copa do Mundo quando se contavam os mortos.
As mães chorando pelas calçadas.
Talca e Concepcion vermelhas de sangue.

Porque nada temos…
A FIFA ameaça mudar a sede do Mundial.
Carlos observa o seu país devastado.
Carlos que nascera longe dali.
Em Niterói.
Um chileno carioca.

Porque nada temos…
O Chile ouve as palavras de Carlos.
O Chile junta seus trapos e farrapos humanos.
Seu coração e sua honra.
Constrói pedaço por pedaço em desenho mágico.
Campos. Cidades. Vidas.

Porque nada temos…
Dos que nada possuem chega a força para voltar a sonhar.
O futebol torna-se símbolo da ressurreição nacional.

Porque nada temos…
Dois meses antes da Copa do Mundo de 1962.
O Chile está pronto para receber Pelé, Garrincha e Masopust.
O país chorando suas cruzes.
O país de pé novamente.

Porque nada temos…
Os jornais dão a manchete.
Aos 38 anos morre Carlos Dittborn.
O coração dizendo adeus.
Como um final de tarde em Viña Del Mar.
Como um poema de Neruda."

Roberto Vieira

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Medo

Ando com medo de tantas coisas. Medo de escrever. Tenho medo de ficar rodeado de pessoas, tenho medo de morrer só. Tenho medo de ter um filho e me tornar meus pais, tenho medo de nunca ter filhos.

Ando recusando ligações, dormindo pela manhã e vivendo à noite. Quero ficar só, é tudo o que me importa. O maior prazer em escrever é ouvir as teclas ecoando no silêncio, como um inseto gritando à noite, como um lembrete: "não se preocupe, não há ninguém em volta de você, ninguém está acordado. Só você no mundo".

Tenho medo de ter medo. Tenho medo de esquecer que eu tenho de ter medo. Tenho medo de ter de me expor desnecessariamente. Medo de fugir e nunca mais me expor. Medo de esquecer o que são as pessoas, pra que elas servem, o que elas fazem. Medo de pensarem que sou uma pessoa. Medo de ter amigos. Medo de ter de sair do quarto. Medo de viajar com meus pais.

Tenho medo que minha mãe descubra quem eu sou. Tenho medo de um dia ter de me explicar pra alguém. Tenho medo de chorar e alguém ver. Tenho medo de acreditar no que penso, em que vocês são. Tenho medo de luzes. Tenho medo de ser encontrado no escuro.

Tenho medo de ficar lúcido. Tenho medo de dormir e sonhar. Tenho medo de viver demais. Tenho medo de morrer de câncer. Tenho medo de ouvir músicas que me marcaram. Medo de lembrar. Tenho medo de pensar demais. Tenho medo das cidades pequenas. Tenho medo de não ser mais um na multidão. Tenho medo de proteger os fracos.

Tenho medo de sentir, de ouvir, de abrir os olhos. Medo de compor. Tenho medo de amar uma mulher de verdade. Medo de transar por amor. Tenho medo de ler um muro pixado. Tenho medo de deitar no meio do mato. Tenho medo do mar. Tenho medo de não fechar a porta. Tenho medo do que sou capaz de fazer.

Tenho medo da dor física. Medo da morte esperada. Tenho medo de matar um pai. Tenho medo de induzir um suicídio. Tenho medo que meus pés fiquem descobertos pelo edredom. Tenho medo de ter errado o caminho. Tenho medo de não haver caminho certo. Tenho medo que leiam este texto. Tenho medo que fiquem em meu apartamento sem eu estar presente.

Tenho medo de morar sozinho. Tenho medo da intimidade. Tenho medo dos pêlos do meu corpo. Tenho medo de descobrir que ninguém serve para nada. Tenho medo do calendário, do Natal, do meu aniversário. Tenho medo de não morrer antes de ficar velho. Tenho medo de terminar este texto e esquecer algum medo. Tenho medo de conseguir escrever todos meus medos.

Tenho medo de reencontros. Tenho medo de ficar bêbado em público. Tenho medo de nunca poder dirigir uma moto. Tenho medo de virar advogado. Tenho medo de palcos. Tenho medo de bater pênaltis. Tenho medo de trair. Tenho medo de reler meus textos. Tenho medo da fome. Tenho medo de deixar o cabelo crescer. Tenho medo de fazer solos de guitarra.

Tenho medo da métrica, da rima, da simetria. Tenho medo do meu rosto. Tenho medo de olhos escuros. Tenho medo de injeções. Tenho medo de não me decepcionar com alguém. Tenho medo de conhecer alguém até me decepcionar. Tenho medo de decepcionar quem amo. Tenho medo de não amar ninguém.

Tenho medo de descansar. Tenho medo de cumprimentar e não se lembrarem de mim. Tenho medo de ter problemas com os dentes. Tenho medo da lua desaparecer. Tenho medo de não sentir mais saudades. Tenho medo de mudanças. Tenho medo de não haver perspectivas de mudanças.

Tenho medo de não entender um quadro, um filme. Medo de não compreender um sentimento. Medo de não resolver um exercício de matemática. Medo de deitar na rede. Medo de ficar gordo. Medo de pensar no futuro.

Tenho medo de que este texto seja uma mentira e eu não tenha medo de nada.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Sound of Silence


"Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping
Left it's seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walk alone
Narrow streets of cobblestone,
Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That slip the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more,
People talking without speaking,
People hearing whithout listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence

'Fools', said I, 'You do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you.'
But my words like silent raindrops fell
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made,
And the sign flashed out it's warning
In the words that it was forming,
And the sign said: 'The words of the prophets are
Written on the subway walls
And tenement halls'
And whispered in the sounds of silence"


(Simon and Garfunkel - The sound of silence)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

(...)

(...)
Seu sufismo não fazia sentido. Seu caminho e seu consolo eram a dor, o ódio, a misantropia, o egocentrismo. Era um sufista ateu.
Se Deus não existisse, nada do que ele via teria sentido; se Deus existisse, nada teria sentido de qualquer forma. Ainda assim, acreditava encontrar o sentido de tudo.
Sua função de dar às pessoas o que as falta através de todos os livros que nunca conseguira escrever não era sustentada por qualquer motivo racional, mas ele sentia seu peso e, à noite, quando seus ombros gritavam, era mais real que qualquer lei do universo. Bêbado, assistia a si mesmo demonstrar toda infalibilidade de sua idéia sem se compreender; estava certo, nunca errava.
Quando via sua mulher sofrer, queria vomitar sua "doença" (não a considerava patológica, mas se referia a ela dessa forma em seus pensamentos, sem saber ou procurar saber por quê), via que não era mais apenas ele que abria mão de sua vida pela verdade do mundo. Nunca deveria ter se casado.
Era a pessoa mais racional e também a mais emotiva do mundo.
(...)



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Este trecho foi retirado de um livro que estou escrevendo. Ainda é um esboço, podendo ser modificado posteriormente.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vícios

“Como deve ser pular desta sacada?”
Todas as verdades viciam. Eu podia fechar os ouvidos, olhos, forçar minha mente para estar em outro lugar, mas pra onde quer que eu corresse, essa pergunta continuaria ecoando em minha mente. Era uma idéia que esteve presente em minha vida por dois anos e se encontrava adormecida em um canto empoeirado, poeiras as quais se transformavam em vômito, poesia e música.
Estava há dias sem tomar qualquer remédio quando esta pergunta trouxe todos os dias que se passaram de volta pra mim em dez segundos, como tempo perdido, como pesados dez dias a mais.
O primeiro a desferir golpes de conforto acabou por consolar, na verdade, a mim. Eu não era hipócrita, eu não tinha o direito de convencê-lo de que aquilo era errado, eu e ele não éramos diferentes. Aquele hipócrita que agora beijava sua mão seria, em alguns dias, o mesmo que o empurraria de um prédio meses depois, enquanto aquela pergunta estaria ecoando em minha cabeça, destruindo minha vida, me puxando pelo mesmo caminho.

O próximo encontro contou com um amigo a menos. Um amigo feio, burro e chato a menos. As pessoas sentiram sua falta nos momentos em que deveriam ser engraçados para a maioria e torturantes pra um único indivíduo. Nos momentos em que eram obrigados a expor os defeitos um do outro, porque o dono de todos os defeitos estava morto.
O maior problema é que eu ainda não conseguiria ser hipócrita, mas ainda teria de suportar aquela maldita pergunta ecoando em minha cabeça, em curvas, passeando por todos meus pensamentos, vindo rir e me bater enquanto estivesse em um ônibus, uma festa ou almoçando com a família. Embriagado, dez anos depois, escreveria aquela pergunta à caneta em meu braço, na parede de meu quarto, choraria sem me achar no direito de chorar, sem conseguir acreditar que haveria um porquê pra isso.

A verdade é um vício, nunca uma resposta, nunca uma solução. Enxergar isso é simplesmente notar que a verdade não tem valor algum, que não existe. É ter consciência de que não sofremos por nada, que o sofrimento é simplesmente independente. A verdade é um vício, o sofrimento não é verdadeiro, é algo que existe e independe de qualquer padrão.
Sofrimento não é a verdade, sofrimento é a resposta que nunca conseguiremos enxergar, a doença que arderá todos os dias em equações que nunca desvendaremos, o qual morreremos ignorando, isolando; algo que não queremos entender, mas simplesmente evitar.

A verdade é um vício, o sofrimento é apenas uma lágrima.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A primeira prece

Hoje eu conheci um doente mental.
A maioria das pessoas pensa que sofrer é saber que um inferno espera quem comete pecados. O verdadeiro inferno é ter a certeza de que não há infernos que esperem quem tente compreender o mundo.
Ele havia sido traído e estava triste. Eu não compreendia o que ele dizia e ele sabia que dizia demais. Seria um romance à lua cheia, se ele não fosse retardado e eu tivesse preconceitos diversos misturados à perversidade benevolente de querer ser alguém. Eu precisava ajudá-lo, não sei por quê, e ele me respondeu: “Sou eu quem está te ajudando, e não você quem está me ajudando”. Foi a única coisa que ele disse, e me respondeu a ignorância de muitos, menos a minha. Não era o que eu sentia, mas eu acreditava no que eu pensava, apesar de sentir que pensava o que não traduzia aquilo que consistia em mim.
Era só uma pessoa que havia sido traída e não podia deixar que eu o acompanhasse pra casa e, enquanto ele caminhava embora, até atingir o horizonte e o lugar no qual eu nunca mais poderia vê-lo, lágrimas pulavam de meus olhos e tentavam acompanhá-lo em vão; eu ficaria ali, parado.
Ele conhecia além do que podia compreender. Sabia que, enquanto eu estivesse parado ali, assistindo a ele caminhar até desaparecer, eu estaria descobrindo parte do que eu era: um doente que precisa ajudar outros doentes, um delinqüente responsável que detesta seu próprio serviço.
Tudo o que eu queria era ficar bêbado e assisti-lo desaparecer, tentando fingir que isto nunca havia acontecido. Que todas minhas memórias e minha consciência fossem embora junto com aquele retardado mental. Aquele surdo com o qual tentei me comunicar e o qual tentei ajudar com lágrimas de minha bondade semi-hipócrita.
Posso nunca ser bem-sucedido ou posso ser bem-sucedido enquanto você estiver lendo este desabafo, mas indiferente disto (e que isto fique bem claro), peço que você corte em pedaços tudo o que não escrevi e sou, tudo o que escrevi e não sou, tudo o que sofri e não senti, tudo o que senti e não sofri, tudo o que bebi e não vomitei, tudo o que vomitei e não bebi; tudo o que sou e não sei, tudo o que sei e não sou. Tudo.
Mate-me com um machado, faça com que eu sinta dor. Acabe com tudo.
Amém.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Analgésicos e solidão

"Salva o mundo e ganharás
Analgésicos e solidão"

Foi o que lhe disseram
Aceitou, sem pensar no que viria
Sentia na pele a vertigem da verdade
Passava pelos olhos a ânsia da mentira
Construiu para si uma coroa de pesadelos
Espancou-se com a dor que nada valia

Dele restou um bilhete
Para o filho que não teve:

"Deus não existe;
Deixe este peso de lado
E vá brincar de miséria"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Poema da catarse sem rimas

A insônia é o sufismo dos loucos
A arrogância é o sufismo dos sábios
A prisão é o sufismo dos livres
O vazio é o sufismo dos vícios

A noite é o sufismo dos poetas
A felicidade é o sufismo dos ignorantes
O pinto é o sufismo das putas
O não-ser é o sufismo do ser

E vice-versa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Passageiro de um esboço passado

Já estive em tantos lugares
Que não estou em lugar nenhum
A cada passo o passado não passa
"Pra onde vou?", esta pergunta eu passo
Por enquanto fico aqui,
Sentado neste compasso
Nos olhos, passando o passado
Passo a passo
Três por quatro, escasso
Infindável esboço
Vida

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Green Day - Emenius Sleepus

"I saw my friend the other day
And I don't know
Exactly just what he became
It goes to show

It wasn't that long ago
I was just like you
And now I think I'm sick and
I wanna go home

How have I been, How have you been
It's been so
What have you done with all your time
And what went wrong

I knew you back when
And you, you knew me
And now I think you're sick
I wanna go home

Anybody ever say no?
Ever tell you that you weren't right?
Where did all the little kid go?
Did you lose it in a hateful fight?
you know it's true"

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Errar é Humano. Acertar é desumano.

Estou na porta da casa da Júlia. Muito álcool.
Carol discute sobre como não liga para o que os outros pensam e como a fidelidade é boçal enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dela.
Daniel discursa sobre como é emocionante ser flamenguista e o Flamengo é um time superior enquanto João, gritando como de costume (quando está bêbado), debocha dele.
Júlia não consegue parar de rir. Gargalha. Serve álcool para todos: “Mais ‘Balalouca’. Mais ‘Balalouca’”. Irrita-me muito quando chama “Balalaika” de “Balalouca”. Mas sorrio.

Cara, quando eu iria imaginar que reuniria essas pessoas? Estávamos todos sentados no meio da rua, poderíamos ser atropelados a qualquer momento (mas nenhum carro passaria, eu sabia disto), completamente bêbados; mas eu sorria.
“Algo grande vai acontecer hoje”. “O quê?”. “Você vai morrer”.
“Vamos roubar o carro do pai da Júlia?”, sugeri.

Daniel, João e Carol, no banco de trás, morriam de rir, compartilhando estórias nas quais eu estava envolvido. No volante, Júlia estava muito séria. No banco da frente, eu tinha uma garrafa de “Balalaika” em mãos.
Júlia passava dos 100km/h e a sensação era excelente. Ao contrário do que se pensa, a velocidade é um remédio anestésico e hipnótico. Desacelera o coração, tudo fica sereno, embaçado. É uma nova embriaguez.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Na beirada da estrada, eu movia arbustos da forma como eu desejasse, como se fossem dedos de minhas mãos; prolongamentos de meu corpo.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Dobrava as faixas amarelas da estrada, como se eu as formasse com a ponta de um lápis. Como se fossem vibrações das cordas de um violão; do meu violão.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri a janela e fiz ventar muito forte em meu rosto, fechando os olhos. Já não mais ouvia a voz de ninguém. Virei-me para trás e notei que eles ainda conversavam. E riam muito. Virei-me para Júlia: ela ainda estava séria. Tentei fazê-la sorrir, mas não tinha controle sobre isto.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Fechei os olhos e me vi, com os braços abertos e as pernas juntas e esticadas, em minha cama. Não podia me mexer, minhas mãos e pés estavam pregados.
“Errar é humano. Acertar é desumano”.
Abri os olhos e vi uma curva acentuada à frente. Do outro lado, um enorme e íngreme barranco.
“O carro atravessará a curva. Seus amigos não se machucarão. Você morrerá”.
Júlia pisou no acelerador e tentou virar o volante. Ela não parecia assustada, não sei se realmente pretendia escapar da curva. Talvez estivesse tão bêbada que nem compreendia que havia uma curva a nossa frente. Que se machucaria e poderia morrer se não a fizesse. Talvez nem percebesse que estava em um carro. Talvez nem estivesse pensando. O carro atravessou a curva, voando pelo barranco.

Suspenso no ar, o carro parou. O tempo parou.
Olhei para trás, todos estavam parados, em uma gargalhada congelada. Olhei para o lado, Júlia ainda estava séria.
Acho que agora eu deveria estar lembrando toda minha vida, mas na verdade, foda-se.
Em uma montanha-russa, a adrenalina não é completa porque no fundo tem-se a noção de estar seguro. Se eu não tivesse medo de morrer, aquela seria a melhor emoção de minha vida. Seria o meu momento. Valeria pelo que vivi e pelo que ainda viveria. Se eu não tivesse medo da morte. Não tenho medo da morte.
Dei uma golada da garrafa de “Balalaika”. “Queria poder fazer sexo agora”. Uma risada e o tempo voltou a andar.

Assisti ao carro ser inteiramente destruído, capotando infinitas vezes, sendo moldado à força do acaso. Sentia cada pancada nele em meu corpo, sem haver, porém, dor, como se estivesse anestesiado. Caímos em um local plano.
Eu estava vivo.
Saí do carro, este de cabeça para baixo. Pela janela, puxei Carol. Merda, enquanto a puxava, sua perna se rasgou na ferrugem. Ela estava horrível. Seu rosto todo roxo, inchado e repleto de cortes.
Puxei João. Porra, como era pesado. Algo havia penetrado em um de seus olhos, o qual sangrava muito.
Pela outra janela, tirei Daniel. Uma de suas pernas parecia quebrada, com algo que deduzia ser um osso se projetando em sua calça jeans, com muito sangue. Enquanto o puxava, seu osso agarrou na lataria. Náusea. Senti o vômito chegar à minha boca, mas o engoli. Um enorme corte procurava ênfase, se extendendo desde o início de sua barriga até a metade de seu peito.
Puxei Júlia e ela não parecia ferida. Seus olhos estavam abertos, mas estava morta. Todos eles estavam. Eu sabia disto.

Arrastando seus cadáveres, fiz com eles um círculo ao meu redor. Eu não respirava. Não havia vento, barulho, não havia nada.
Acendi um cigarro e o fumei até o fim, sem pensar em nada – também não havia pensamentos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

(...)

De que me adianta tentar escrever neste papel
Se sentimentos não podem ser descritos?
Muito menos deve-se tentá-lo fazer
Sinta-os, e só

Em uma balança de qualidades e defeitos
Os sentimentos nos mostram a beleza
Independentes, o que os mantém vivos
Fugitivos do mundo no qual foram criados

Aos versos mais brancos e livres
Os sentimentos atribuem sentido
Miteriosos, como olhos desconhecidos
Carregando, em suas entrelinhas, o prazer da dúvida

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Itacoatiara



Buraco na cortina
Transparece o sol
Tecido rasgado
Transparece o estofado
Brilho na saliva
Transparece a loucura
Vazio da alma
Transparece no olhar

Barraco de tijolos
Desnudos, expostos
O chão é o próprio solo
Lágrimas de água do mar
O teto são estrelas
Cabeça regada ao luar
Casa velha desmorona
Transparece alguém a sonhar

Sonhos, sonhos
Trabalhar, trabalhar
Risca na madeira podre
Sua vontade de gritar
Suado, acorda à noite
Beber leite, talvez um cigarro fumar
A fumaça transparece
Alguém que se põe a cantar

É só o princípio do fim
Dia-a-dia que corrói o ser
Lembrou seu pai, vida idêntica
Pediu a Deus para não crescer
Mais uma prece oca
Não atendida pelo vento
Transparece, em sua caligrafia torta,
Sua vontade de morrer

Mas ele não sabe disto
A chuva ofusca tudo
Mudo, se põe a pensar:
Fim de semana ganho um beijo
Que mate meu desejo
Do sal ardente do mar
Na vida, o sonho flutua
Itacoatiara, nada é pesar

(...)

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

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domingo, 8 de novembro de 2009

Futebol: manifestação cultural ou bem de consumo?

Duas coisas devem ficar bem claras antes de qualquer crítica vinda de mim:
Sou palmeirense, torço pra um time paulista que sempre foi favorecido pela mídia em sua história; estou em posição de lançar qualquer crítica sobre o caráter de mercadoria que assume o futebol? Talvez.
Devemos, acima de tudo, ter clara a idéia de que a Mídia e o Futebol são estruturas administrativas separadas, apesar de toda interdependência, de forma que a administração do Futebol Brasileiro não pode controlar o poder de modelar o esporte que a mídia possui (basta lembrar que a mídia não é, por exemplo, um critério de qualidade musical, mas influencia na música de forma direta sem que a música tenha o que fazer para frustrar esse controle, podendo no máximo buscar ferramentas alternativas a ele). Seria muito mais coerente, sem dúvidas, porém, que um torcedor do Vitória, Sport ou Cruzeiro fizesse aqui esta crítica.
Mas o que há de possível para que se evite que a justiça se perca completamente no futebol? É óbvio e até desnecessário e engraçado que eu inclua aqui (porém, mais necessário do que aparenta ser): o aparelho que regula a justiça futebolística: CBF, STJD.
Estou aqui desmerecendo o time do Fluminense? Há dez rodadas digo que o Fluminense está jogando excelentemente bem e defendo suas chances de escapar do rebaixamento (escapatória pela qual torço assim como torci pelo Vasco no ano passado; acho que acima de tudo, devemos torcer pela grandeza do futebol), além de tudo, o Fluminense é um time carioca que tenho uma enorme simpatia, a torcida mais bonita que vi pessoalmente (Nas quartas-de-final, contra o Corinthians - claro que não sirvo de critério, por ter visto poucos jogos no Maracanã) e uma torcida que realmente tem presença marcante nos momentos de necessidade de seu time.
Estou aqui desmerecendo o time do Palmeiras? Excetuando o Vagner Love, jogador que venho criticando antes mesmo de voltar ao Palmeiras, me orgulho e muito do elenco de meu time (crises são normais em todos os campeões brasileiros).

De que se trata esse texto, afinal?
Da justiça esportiva no Brasil. Será que ainda existe um critério?
Vagner Love foi expulso no jogo contra o Santo André em uma falta que, na minha opinião, não era nem pra amarelo. Foi denunciado e eu concordo com o STJD: o critério utilizado foi a opinião do árbitro dentro de campo, ignorando as conclusões posteriores sobre a real presença de violência desnecessária ou não. Foi suspenso e, até aí, com minha concordância
Mas se o critério é esse, como é que funciona denunciar o Danilo por conclusões posteriores (cartão amarelo no jogo contra o Corinthians) e não pela opinião do árbitro? O futebol se decide dentro ou fora de campo? Vamos criar um critério pra isso? Uma justiça mais racional? O fato é que fica a dúvida se o Danilo vai ser suspenso ou não: já não sei, porque com a derrota contra o Fluminense essa suspensão pode se tornar "desnecessária". Mas vamos ainda além; se as conclusões posteriores são aceitas, por que não validar o gol do Obina contra o Fluminense hoje? Afinal de contas, ficou claro que o Simon, mais uma vez, errou.
"O Simon mais uma vez errou"? É, sim. Apesar de o Rogério Ceni dizer que o Símon sempre prejudica o São Paulo, alguém lembra qual jogo tirou o Palmeiras da disputa do título ano passado? Acho que eu lembro: o Jogo contra o Grêmio, apitado pelo Símon. Aquele que o Grêmio segurou o jogo em faltas desde o princípio e o Simon atribuiu dois cartões amarelos já no fim do segundo tempo; aquele, em que assisti à atitude mais bonita de minha vida (goleiro Marcos, aos 30 do segundo tempo, já correndo pra área e buscando fazer o gol, mostrando por que é o maior ídolo da história do futebol brasileiro), apesar de a beleza da raça do santo ser incoerente com a sapiência do árbitro.
Mas espere aí, ir além disso? Então vamos: A Justiça desportiva deixa bem claro que não tolera que questões relacionadas ao futebol sejam resolvidas na Justiça comum, mas deixa nossos árbitros totalmente vulneráveis? Quer dizer então que o Rogério Ceni pode ser expulso no jogo contra o Santos e difamar publicamente o Simon, que o STJD não tomará partido nenhum do caso? Quer dizer então que o esportista deixa de ter Direitos Civis pra entrar no futebol?
Ou será que não? Ou será que o Obina teria sido punido hoje, se saísse de campo crucificando o Simon (em uma situação em que ele realmente merecia)?
Não vou além e citar a Mala Branca que acabou por tirar os dois principais jogadores do Barueri apenas no confronto com o São Paulo (Val Baiano e Renê), porque esse é o assunto menos importante e o que a mídia, a mesma que favorece o eixo Rio-São Paulo, mais polemizou (apesar de todos nós, com exceção do Rogério Ceni - que é muito sábio, por sinal - achar o lance um pouco estranho).

Finalizarei dizendo que o futebol tende, mesmo, a cada vez mais funcionar menos como Manifestação Cultural e mais como Bem de Consumo, a não ser que nós nunca abandonemos nosso time e a cultura do mesmo. Com ou sem título, com ou sem justiça, o amor por meu time ficará sempre inalterado.

PALMEIRAS, SEMPRE!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Epitáfio

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Passo a passo, do fim ao início.
Mergulhar além da superfície.

Vivo em seis cômodos vazios
E, por isso, sei melhor que ninguém:

Sentimentos são foneticamente diferentes
E invariavelmente dolorosos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Lupus Eritematoso Sistêmico

Hoje descobri a felicidade nos detalhes
Nas cores das pernas desnudas
No cheiro putrefato dos açougues
Nos riscos da lâmina fina e afiada de uma navalha

Lágrimas são menos salgadas se você sorri
Mais quentes se você sonha
Duras, se você ama
Vazias, se você é humano

Me afogo em Lá Menor
Os acordes tapam meus ouvidos
Minha voz emudece minha razão
A melodia transforma meus sentimentos

Este cadáver, mais vivo que a vida

A música acaba e já não mais sou mudo
Meus pensamentos voltam, devoram meu ser
Aqueles, que deveriam construir
Que vêm do passado volumoso, do presente escuro, do futuro vazio

Bocas se voltam contra mim, no interior de minha pele
Me mastigam e gritam tudo o que sou
A mim, não resta o que dizer
Eles estão certos, isto é tudo

Este tudo que a vida tem a oferecer
Este nada em que se torna no meu interior
Esta dor na alma (alma que já não acredito ter)
Canibalismo

Hipocondria e aversão a remédios
Uma bailarina sem palco
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio
Álcool e um quarto vazio

Quero ser encontrado morto em meu quarto
Corpo nu no chão empoeirado
Sem móveis, sem papel
Sem letras, sem dinheiro
Com um blues de pano de fundo
(Ou melhor, sem música)

Este cadáver, mais morto que a morte

domingo, 1 de novembro de 2009

Visão geral

Cara, preciso de umas férias de seis meses, em uma praia de nudismo, com a Fernanda Machado e uma caixa de Midazolam.
Enfim, não ando postando por, como sempre, ter deixado o que não me interessa - e, ao mesmo tempo, me é essencial - pra última hora, o que anda ocupando meu tempo, apesar de, como sempre, passar a maior parte do dia olhando pela janela sem fazer nada.
Pretendo postar, quando tiver mais folgado pra detalhes, o livro ("Silêncio") explicando poema por poema (mas algo me diz que nunca terei paciência pra fazer isso, então pode acontecer de eu só postá-lo sem explicar nada também). A maioria dos poemas estão no Blog, por isso não tô me apressando em colocar aqui.
Também criei um twitter (www.twitter.com/marceloriceputi), que pretendo usar concomitantemente ao blog.

Acho que isso é tudo. Abraços e se cuidem.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sufismo psicológico e social

Prisão
É onde vivemos, apesar de você dizer que
Não
Pode pensar que sabe o que sinto, mas não pense que peço
Perdão
Descrever sentimentos e tentar entendê-los com
Razão
Esconder o lixo, expor o luxo e chamar isto de
Civilização

Perdão, não, você tem razão
A civilização é uma prisão

Perdão, civilização, você tem razão
Mas não vou viver nesta prisão

Ração
Branquear os dentes, remover as cáries, esconder a
Podridão
Forçar o riso, esboçar o siso e perder de vez a
Noção
Levantar da cova e trazer as novas a esse inferno
Pagão
Erguer o muro, lavar a alma e celebrar, em festa, a
Nação

Eu sei, nação, perdi a noção
Mas não vou mais comer sua ração

Me chame pagão, me crucifique com noção
Mas não vou mais cheirar sua podridão

O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura
O Bom-senso é censura

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

This is the end, my only friend

Merda, cara, mas que merda. Vontade de encher um papel de xingamentos e porra alguma. Vendi, há muito tempo, minha felicidade ao demônio por um preço que nunca vou receber. Sonho com este erro todos os dias e, ao acordar, não ganho nem sequer o privilégio de me arrepender. Vida injusta filha de uma puta.
Nunca fiz questão de ser feliz e ainda não faço. A peça acabou, sem platéia alguma, e algum filho da puta esqueceu de abaixar as cortinas, me deixando aqui: nu, exposto, sozinho.
Uma doença só mata se você a descobrir em você. Nunca faça exames preventivos, corram da porra do exame de próstata. Escrevi um livro de poemas julgando ser um "Sentimento do Mundo", mas agora vejo que nunca será publicado, nunca será lido. É um livro sobre um câncer que as pessoas não sabem ou não querem saber que possuem. Eu sou a única pessoa nesta porra achatada onde dizem haver vida? É só uma porra, um esboço, um rascunho, de vida.
Obrigado a minha educação por me mostrar que vivemos sem poder fazer escolhas - seguimos uma estrada sem bifurcações, onde os fracos morrem no caminho e os fortes tomam champanhe na virada dos anos e, no fim, escrevem livros desinteressantes sobre suas existências; acordamos todos os dias e, depois de milhares de anos de racionalidade, concordamos com o instinto humano mais primitivo. Obrigado a meus amigos por serem complacentes com isso e devorarem tudo o que há de especial em mim e depois me abandonarem exposto (não preciso mais dessas merdas, fiquem com tudo isso pra vocês, não vale nada). Obrigado a meu pai por toda sua preocupação mesquinha e por se esquecer de olhar para minhas vontades (apesar de tudo, o amo, por saber que se parece comigo e que é uma pessoa totalmente diferente do que demonstra ser).
Agora quero que todos vão tomar em seus cus com a mesma certeza de que precisam ser sábios, passar no vestibular, fazer faculdade, trabalhar e ser bem-sucedidos. Vão se foder como se essa fosse uma verdade dogmática, como todas as outras verdades de suas cabecinhas burras e idéias medíocres.
Por fim, um agradecimento sincero à sociedade - e toda sua concepção moral - por comer todos meus sonhos; hoje os vejo pueris e percebo que de nada valeria realizá-los.
Vão todos tomar no cu, não faço parte de toda esta merda. Hoje tomei uma decisão e preciso estudar coisas às quais perdi todo o interesse à medida que perdi a esperança, mas só por mais dois anos e então desaparecerei.
Não me façam perguntas, não façam perguntas a ninguém, apenas vão tomar no cu.

"Pra que(m) serve seu conhecimento?"

domingo, 18 de outubro de 2009

Parede de fotografias

As paredes de meu quarto já não refletem mais
Tudo o que passou
Meu reflexo no espelho já não mostra mais
Tudo o que eu sou
(E o que será que eu sou?)

Na manhã, pela janela, o sol não ilumina mais
O que sobrou
Há um mar de escolhas e meu corpo não emerge mais
Fico com o que restou
(E o que será que me restou?)

Cartas que já não interessam
Versos no canto do caderno
Lembranças do que um dia foi sincero

O rosto no espelho do baneiro
Os olhos carregando o passado
Todo o fardo sendo abandonado

Os meus livros na estante já não refletem mais
O que aprendi
Os CD's e o walkman já não mostram mais
Tudo o que eu vi
(O que eu vi, eu aprendi)

A promessa da menina já não reflete mais
O que virá
E soprando na esquina, o destino, o acaso traz
O que será
(O que será que me virá?)

A cabeça deitada no travesseiro
No caderno, as idéias novas
A bondade que o mundo, lá fora, reprova

O espaço vazio na parede
Os retratos que ainda estão por vir
Retratos que um dia também vão partir

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Papel sujo de letras

Este é um papel imundo;
Imundo de letras,
Imundo de pessoas,
Imundo de mundo.

Vinte e sete homens arrogantes aqui cuspiram.
Seqüestraram lápis suicidas
E o encheram de besteiras;
Alguns até as acharam inteligentes.

Aqui, uma prostituta se deitou,
Abriu suas pernas,
Mostrou o medo e a vontade de ser feliz;
Alguns sentiram nojo; outros, se excitaram.

Os vinte e sete homens que se excitaram
Gozaram neste papel
E nele brotou vida;
Suja e desperdiçada.

Os vinte e sete homens que sentiram nojo
Vomitaram aqui o muito do que haviam se fartado
E tudo se tornou comida;
Comida do descaso.

Hoje não sei se as letras devoram o papel
Ou o papel devora as letras.
Não sei qual é a esperança e qual a morte.
Desconheço, como minha sorte e a mim mesmo.
Reconheço que, como tudo que no mundo é imundo,
(imundo como ele próprio)
Meus sentimentos passeiam por meu interior
E a tudo tornam sujo.

Carrego comigo uma certeza:
Este papel foi escrito por lágrimas;
As mais sujas e sinceras lágrimas.

Tudo o que vejo são lágrimas imundas dos olhos castanhos de Lisa.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Palavra

Antigamente, a palavra era feliz
Enchia de amores quem a observava
Suas aventuras eram vitoriosas
Seus riscos, psicológicos

Depois, a palavra ficou suspeita
Se difundiu
Era lágrima, esperança
Era coragem, mudança

Hoje, a palavra é muda

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Carne morta

Carne morta rasteja ao outro lado da porta;
Brinca, festeja, sorri
Mas está morta;
Morta como o que sente a natureza aos homens,
Morta como o que sente os homens a sua própria natureza,
Morta como a certeza da morte,
Morta.

Minha mão se move a cada cicatriz sua.
Minha mão se move a cada uma de suas deformidades.
O medo da eterna existência desta porta
Confronta-se com o medo do grotesco
Em uma batalha de surrealidade bêbada.

Até que um dos lados silenciou:
A noite se tornou dia;
A felicidade, inconstante como deveria ser.

Eu era um bêbado;
Não mais ignorante,
Não mais só,
Apenas um bêbado

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bad Memories

Leave this place inside of me
I'll leave this brain inside my head
I'll leave you laid on this bed right now

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
I feel my mind spinning all around

Take my hand
I'll show you that I'm about to fall

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
I'm stuck inside this dream and I can't go out

I've got bad memories in my head
I've got bad memories in my head
And I can't throw this knife from the inside out

Take my hand
I'll show you that I'm about to fall

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Sample:
http://rapidshare.com/files/290816949/Bad_Memories_Sample1.wav.html

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nostalgia - Volume dois

Resgatando momentos históricos.
Éramos heróis e ninguém sabia disso, nem nós mesmos..
Mas éramos, e ponto final.

Neste vídeo, estamos comemorando meu aniversário de dezessete anos. Acabou se tornando o vídeo de apresentação da Legendarius (a segunda banda da qual participei em Varginha e, obviamente, a preferida).
http://www.youtube.com/watch?v=cK332sM3XUY

Neste, estamos cantando "Cogumelos Azuis", Ventania, na praça central da cidade de Varginha (onde nasci), em horário extremamente movimentado.
http://www.youtube.com/watch?v=xo7YgMWQZJ0&NR=1

São momentos que provavelmente nunca se repetirão.
Sentimentos grandes passam despercebidos no momento em que se mostram presentes, mas se tornam notáveis e nostálgicos quando passam a fazer parte do passado.

sábado, 3 de outubro de 2009

Harrowdown Hill

http://www.youtube.com/watch?v=lrXtb1QK9hQ

Thom Yorke (Radiohead) no vocal, Flea (Red Hot Chili Peppers) no baixo;
Incrível.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O advogado do Diabo

Algumas coisas me dão vontade de vomitar;
Outras, de dormir.
Há ainda as que me são indiferentes.

Havia o que me fazia amar,
Mas extinguiu-se com minha infância.
O que me fazia chorar
Foi extinto com a vontade de amar.

O segredo?
Este é o mundo do orgasmo,
Fique imundo e aprenda a dançar.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Espelho

A prostituta observa seu reflexo, nu, no espelho
Em seu corpo, marcas que nunca cicatrizaram
Mas lhe deram comida e álcool
Permitiram que sua vida continuasse, sem sentido
(com ou sem vírgula)
Seu sexo, disforme, devorado pelo instinto humano
Seus seios nunca amamentaram,
Mas foram chupados, até secarem, pela irracionalidade
Seu ânus havia sido cruelmente violentado
Ela ainda se lembra da dor, mas este custava mais caro

Lembrou-se de quando era jovem e bela
Em uma mesa prostituída,
Brindou a infidelidade da felicidade
E a infelicidade da fidelidade
Sentiu o vinho caríssimo deslizar suave por sua garganta
Depois deste, a porra suja e agressiva
E, como esses rastros de vida que engoliu,
Perdeu-se

Lembrou-se de sua infância
Seu sorriso era dócil, ingênuo, feliz
E não pedia um porquê
Não se lembra de quando tudo passou a pedir um
Se a dor trouxe a falta de sentido
Ou a falta de sentido trouxe a dor
Tentou esboçar um sorriso,
Não conseguiu chorar

Foi quando a bala atravessou o céu de sua boca
Perfurou suas lembranças, desavenças, suas noites
Perfurou os detalhes de sua vida
Perfurou seu amor que não alcançava nem sequer ela própria
O eco, porém, não pertenceu ao tiro

O corpo de Lisa se foi,
Infeliz para sempre
Seu sorriso, porém, se prendeu naquele quarto
Feliz e infeliz, eterno
À espera de um porquê

Não posso deixar de amar esta garota
O que a sociedade fez com seu corpo
Fez também com minha alma

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A ponte

Do diretor norte americano Eric Steel, "A ponte" é um documentário sobre suicídio, onde uma equipe cinematográfica se põe a acompanhar a ponte de São Francisco (Califórnia, EUA) durante todo o ano de 2004, capturando vinte e três suicídios e, em torno destes, entrevistando parentes e amigos para se chegar a conclusões sobre o que os levou ao ato e o que deixaram para trás.

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PARTE I - http://www.youtube.com/watch?v=HRvlzN_AIms

PARTE II - http://www.youtube.com/watch?v=qjd6xZMd9Vk

PARTE III - http://www.youtube.com/watch?v=pObw8_aTqsk

PARTE IV - http://www.youtube.com/watch?v=SW-MuC9Un3E

PARTE V - http://www.youtube.com/watch?v=gd4g-ZYy_4k

PARTE VI - http://www.youtube.com/watch?v=VnM9_KmN82E

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Universo de um só são

O brilho do diamante ofuscou sua visão
E, desapercebido, desacelerou seu coração
De repente, sentira-se feliz
Pois a riqueza lhe levara também sua visão

A boca gritava e ele não escutava
Pois o que lhe valia era o que
Apalpava com sua mão
Esqueça o pão, esqueça o pão

Universo de um só são, mundo cão
Perdão, perdão
A assonância corroeu o cérebro
Mas compreender o valor das palavras, não

Engolia mentiras e vomitava o luxo
O sofá adornado de suor em vão
Quem não come, apalpa a fome
E a pele descasca em violência e opressão

Desprovido, ele só gritava
E lhe gritavam de volta: "desprovido de nada"
Suicidou-se e nem pôde entrar em um caixão
Não morreu como cristão, nem pode servir de lição

Universo de um só são, mundo cão
Perdão, perdão
A assonância corroeu o cérebro
Mas compreender o valor das palavras, não

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Midazolan

Midazolan distorcido
Caligrafia torta
Olheiras de cansaço

Que a marca de baba nesta folha
(De quem dormiu sem perceber)
Seja mais poética do que seus versos
(Nem deu tempo de fazer uma oração)

Amém

Intifada

A História é o diário da desesperança
E a Intifada é o início do sonho
Me atirarei em pedras contra a desumanidade
E, em lágrimas de fúria, me recomponho
Humano que sou, demasiado humano

Muros de tijolos se erguem frente a nós
Mas não absorvem a história que trazemos nos olhos
Podem abafar os gritos de nossa voz
Mas não podem cessar o pulso
O coração não vai parar de bater

A Intifada nunca vai morrer
A Intifada nunca vai morrer

Todos os dias o sol nasce no Oriente
E é assassinado no Ocidente
Sua luz não serve para iluminar o indecente
Mas para uma tarde perfeita americana no litoral
Tão perfeita, que chego a passar mal

Enquanto houver corpo, farei tremer a ordem
Ou qualquer apelido que inventem para este caos
Entregarei minha sorte a meu povo
A cada explosão, a esperança brilhará de novo
E cada mãe se ajoelhará para chorar

A Intifada não pode morrer
A Intifada não pode morrer

terça-feira, 22 de setembro de 2009

(...)

Todos os dias o sol da esperança nasce no Oriente e morre no Ocidente

Poema artificial

O artificial corre em minhas veias. Escorre por meus cabelos, se esconde embaixo de minhas unhas, fede embaixo de meus braços.

O artificial impregna meus versos. Ama meus amores, odeia meus desafetos, alimenta meu ódio e desfruta de meus breves momentos de prazer.

O artificial lê minha sorte. Viaja por meus segredos, forma as linhas de minhas mãos e caçoa de meus sonhos.

O artificial me arrasta pelo asfalto de sua própria estrada em busca de algo que não o seja.

O artificial escancara as cortinas quando já é noite e me obriga a sorrir como se visse o sol.

O artificial faz com que me arrisque sem medo, porquanto minhas decepções sejam também artificiais.

O artificial me adora, flerta com minha humanidade, me seduz, me devora, me vomita.

O natural me faz chorar.

sábado, 19 de setembro de 2009

Com fraternidade e raiva

A amizade é um espelho às avessas
É enxergar-se nos contornos opostos
É sentar-se na praia e, durante um silêncio de vinte minutos,
Ainda conseguir desfrutar do conforto do mar

A amizade é hipócrita
É ser grosseiro por fora e piegas por dentro
É um barco prestes a afundar em pleno oceano
Onde as pessoas dançam, cantam e festejam o medo do mundo

A amizade é um livro de estórias ridículas
Das quais somente duas pessoas acham graça

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Os Três Mal-Amados (excerto) - João Cabral de Melo Neto

"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

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http://www.youtube.com/watch?v=0ibBmsBRxEU

Corpo morto (o sentido da vida)

É jogo sujo
A mulher que te come e te larga em lençóis manchados
A escuridão da noite se junta à viscosidade da porra em sua coxa
E as sensações se misturam
Como o prazer cancerígeno da fumaça de um cigarro
Como se a felicidade fosse expulsa por seu pinto
E dissolvesse no ar

Você está só
O relógio não vai mais bater (ele já não precisa)
Os olhos não vão mais piscar
Os lábios não vão mais sorrir
O coração não vai mais sonhar
Você está só

Hoje eu vi Deus
Ou talvez apenas uma mancha no ar
Ele me disse algo
Mas a música estava alta demais
Indiferente

Um cadáver de sentimentos
Um anjo do pecado
O pudor da luxúria
A embriaguez da razão
As lágrimas do estuprador carregam todo o
Sentido da vida

Rivotril
Risotril
Vivotril
Corpo morto
Sopro morto
Não há pulsação
Nada

Samba para Ana Bolena

Morrer por um amor que não existe
É muito triste
Que a ilusão não se transforme em dor
E, no torpor, eu encontre um sorriso

É, eu sei, não é isso que eu preciso
Mas às vezes dói demais ficar só
E procuro na complicação de um nó
A simplicidade de ser feliz

É que hoje a saudade de você bateu
E nesses dias eu penso demais
Minha cabeça não se engana pela paz
Que carrego em meu semblante morto

Morto, vou dançar um samba morto
Vou mostrar meu corpo torto
Prá lua ignorar (será?)

Vou deitar neste gramado
Imaginar-me do seu lado
E deixar tudo queimar

Vou deitar neste gramado
Imaginar-me do seu lado
Prá o amor se enganar

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Tabacaria - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu."

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

...

Sorte o ser humano possuir polegar opositor..
Caso contrário, eu levaria meses pra diferenciá-lo de um animal qualquer.

AA! UU!

"AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Estou ficando louco
De tanto pensar
Estou ficando rouco
De tanto gritar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Eu como, eu durmo
Eu durmo, eu como
Eu como, eu durmo
Eu durmo, eu como

Está na hora de acordar
Está na hora de deitar
Está na hora de almoçar
Está na hora de jantar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Estou ficando cego
De tanto enxergar
Estou ficando surdo
De tanto escutar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!

Não como, não durmo
Não durmo, não como
Não como, não durmo
Não durmo, não como

Está na hora de acordar
Está na hora de deitar
Está na hora de almoçar
Está na hora de jantar

AA! UU! AA! UU!
AA! UU! AA! UU!"


(Titãs - AA UU)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Lisa

Lisa no canto do quarto
Lisa observando a fumaça
Lisa desprezando o movimento
Lisa escutando o silêncio
Lisa sorri
Lisa chora
Lisa não pode ser vista
Lisa está morta

(Tem oito anos e sorri quando pisca a luz)

Envelhecer

Uma gota cai do céu
Em meio a muitas, mas esta é uma gota especial
Entre tantos céus, ela escolheu o mais nublado
Entre tantas nuvens, ela escolheu a que mais se parecia um sonho
Entre tantos prédios, escolheu o mais sujo
Entre tantas janelas, escolheu a mais antiga
Se chocou contra o vidro e desapareceu

No pequeno e desajeitado quarto, reinava o silêncio
Em sua porta, uma placa gritava:
"Aluga-se este espaço vazio"

domingo, 6 de setembro de 2009

Eloquência

A inteligência é o corpo nu
algum prazer e muita dor

É um curtametragem de ilusão
e um filme mudo de solidão

Inteligência é desinteressante
É a boca muda e a cabeça baixa

O silêncio é criativo

O culto e o poeta

Tinham medo de se olhar nos olhos.
Para o culto, o poeta era um mistério, e ele odiava se confrontar com o que não conhecia perfeitamente.
O poeta, porém, tinha medo de uma única pergunta - ficava branco só de pensar em seu ponto de interrogação e o silêncio que se seguiria a ele. Ele sabia que, quando olhasse o culto nos olhos, enxergaria conhecimento, enquanto o culto, quando encarasse os olhos do poeta, se depararia com a criatividade.
Quem sentiria inveja?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Morte anterior à vida

Só quem já tocou em um cadáver sabe qual a sensação.
No início eles são moles, flácidos, como uma mulher que grita por socorro em vão enquanto é estuprada em um beco sujo por um homem nojento. Depois, porém, eles ficam rígidos - tão rígidos que, se fechar os olhos enquanto os toca, pode ter dúvidas quanto a quem está morto: você ou ele.
Dizem que uma pessoa só se sente viva quando em contato com outras pessoas; eu ouso discordar. A vida nada mais é do que um caminho em direção à morte - se você não se aproxima dela, não vive, e quanto mais se tem contato com ela, mais se sente vivo (experimente alguns segundos com uma arma carregada e apontada para sua cabeça).
Quando se toca uma pessoa viva, sente-se um pouco do que ela é: a textura de sua pele, a sensação provocada pelo toque - onde ela gosta (ou não) de ser tocada. Quando se toca um cadáver, tem-se a sensação do que é ser você: as unhas roídas se comprimindo contra a carne de seus dedos, suas doenças, hipocrisias, medos e desejos. É quase como tocar a si mesmo (e, de fato, talvez seja o mesmo, já que, para nós, nossas próprias vidas nunca são interessantes, o que não nos torna diferentes de uma pessoa morta).
Tocar um cadáver é como fazer com que seus dedos entrem em suas mãos, seu cérebro vire do avesso e se torne nítido, claro; tocar em um cadáver é nojento.
Já pensou em transar com um?