quinta-feira, 21 de maio de 2009

De alguém para alguém

http://www.youtube.com/watch?v=FQrhA6QtWOM
--------------

Escrevo hoje para você porque você é a única pessoa que tenho para escrever. Por mais que você não pense tanto em mim quanto eu penso em você e talvez, na verdade, nem eu pense tanto em você quanto eu acho que penso.
O quarto em que você se encontra é indiferente; seja um hotel em um lugar maravilhoso, seja em um apertado quarto de uma cidade grande, a solidão consegue te encontrar e atacar. Você sai pelas ruas e, quanto mais pessoas passam ao seu redor, mais sozinho e pequeno você se sente.
O escritor é um paradoxo - ele não gosta de escrever, se sentiria eternamente feliz se nunca mais precisasse de um papel; exalta a arte por ser uma válvula de escape.
Eu me pergunto se você enxerga o mundo como eu, se sabe como é árduo ter de ir lá fora. Às vezes me pergunto se sairia se não precisasse comer ou de dinheiro, de vencer nessa batalha insana da vida. Para que sairia do quarto? Mas acontece que a lua e o ar da madrugada trazem o mundo para o escritor e mesmo que ele se tranque em seu quarto, vai estar em contato com as coisas como são. Enquanto houver mundo, mesmo de olhos fechados, o sentirei.
Então, quando a noite ataca mais fortemente, saio na varanda, olho a chuva, procuro nas janelas luzes e pessoas que se sintam como eu, mas não encontro. Penso em que você deve estar fazendo, se está deitada a olhar a luz de um abajur e a pensar nessas coisas, se está dormindo e tendo um sonho feliz, em outro mundo.
Será que realmente tenho o direito de lhe escrever? Alguém que enxerga as coisas dessa forma deve espalhar esse vírus? Será que eu não deveria simplesmente sumir? É por isso que sempre desapareço, mas ainda não encontrei o motivo pelo qual eu sempre reapareço - talvez seja porque, acima de tudo, sou humano; mais humano do que todos.
Sempre dizemos um ao outro que um dia vamos fugir, mas será que existe um lugar para onde fugirmos? Eu fujo de tudo quando vou até você, agora aguardo que você me mostre onde fica esse porto seguro que eu desconheço.
Escrever tudo isso é engraçado porque, quando estou próximo a você, não consigo nem chegar perto de pronunciar essas palavras - talvez nem precise pronunciá-las. Às vezes prefiro simplesmente olhar você, seus olhos, ou simplesmente saber que você está por aí, a te dizer algo.
Sinto saudades, espero que você esteja bem.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Trecho de "Noites Brancas", de Dostoiévski

"(...)
- Há, se não sabe ainda, Nastenka, há em Petersburgo muitos recantos estranhos. Nesses lugares, não penetra, dir-se-ia, o sol que brilha para todos os outros habitantes de Petersburgo: o que ali penetra é um outro, um novo sol enviado expressamente para esses recantos e que ilumina tudo com uma outra luz especial. Ali, minha cara Nastenka, se leva uma vida muito diferente, que não se parece com aquela que borbulha ao nosso lado, mas que pode se passar num mundo desconhecido, e não entre nós, em nossa época séria, ultra-séria. Essa vida é uma mistura de algo puramente fantástico, furiosamente ideal e, ao mesmo tempo - ai de mim, Nastenka! - enfadonhamente prosaico e ordinário, para não dizer inverossimilmente vulgar.
-Puxa! Ah! Meu Deus, que prefácio! Que me falta ouvir ainda?
-Ouvirá, Nastenka (parece-me que nunca me fatigarei de lhe chamar Nastenka), vai ouvir que nesses recantos habitam seres estranhos: os sonhadores. O sonhador, se quisermos defini-lo em todos os pormenores, não é um homem, mas sabe? Uma espécie de criatura do gênero neutro. Ele jaz na maior parte do tempo em algum canto inacessível, como se se escondesse da luz do dia e, uma vez retirado para o seu refúgio, gruda-se ao seu canto como o caracol, ou pelo menos parece-me muito, a esse respeito, com esse curioso animal, que é ao mesmo tempo animal e casa e que se chama tartaruga. Na sua opinião, porque ama ele de tal maneira suas quatro paredes pintadas obrigatoriamente de verde, sujas, tristes, enegrecidas de fumo além do permitido? Por que esse ridículo senhor, quando o vem visitar um de seus raros conhecidos (ele faz tantas que finalmente todos os seus conhecidos desaparecem), por que esse homem o acolhe com tanto embaraço, tanta perturbação no rosto, e confusão, como se acabasse de cometer um crime, lá, entre as suas quatro paredes, como se fabricasse notas falsas ou versinhos para mandar a alguma revista com uma carta anônima, precisando que o verdadeiro poeta morreu e que seu amigo considera como um dever sagrado publicar sua obra? Por que, diga-me, Nastenka, a convrsa custa tanto a travar-se entre esses dois interlocutores? Por que nenhum riso, nenhuma palavra mais viva surge, na casa onde esse amigo subitamente entrou e está inquieto, esse que em outra circunstância ama tanto o riso e as palavras brilhantes, e os discursos sobre o belo sexo, e outros assuntos divertidos? Por que então, enfim, esse amigo, provavelmente um conhecido recente, desde a primeira visita - pois em semelhante caso não haverá segunda, e ele não voltará mais -, por que esse próprio visitante está tão perturbado, tão arrefecido, com todo o seu espírito (se é que o tem), ao ver a expressão alterada de seu anfitrião, o qual, por seu turno, está agora completamente perdido e desprovido do seu último grão de bom senso, depois de esforços gigantescos, mas vãos, para aplainar e ornar a conversa, mostra-lhe também seu hábito da sociedade, falar também do belo sexo, e, ao menos por esta submissão, aprazer ao pobre homem extraviado, caído por engano em sua casa? Por que finalmente o visitante apanha o chapéu à pressa e se vai, rápido, ao se lembrar de repente dum compromisso absolutamente inevitável, que nunca existiu, libera sofrivelmente a mão dos quentes apertos de seu hospedeiro, encarniçado em manifestar seu desgosto em recuperar o tempo perdido? Por que, ao despedir-se, o amigo tem um largo sorriso, logo que chega à rua, e promete a si mesmo voltar à casa desse original - se bem que esse original seja no fundo um excelente rapaz -, e ao mesmo tempo é incapaz de recusar à sua imaginação uma pequena fantasia: comparar, mesmo de longe, a fisionomia do interlocutor de agora durante toda a entrevista, com o aspecto desse desgraçado gatinho enxovalhado, apavorado, torturado de todas as maneiras pelas crianças que o aprisionaram traiçoeiramente, e que, confuso ao extremo, fugiu-lhes enfim para debaixo da mesa na obscuridade, e lá deve com vagar, durante uma boa hora, se arrepiar, se molhar e lavar com as duas patas, pequeno focinho maltratado, e depois disto, com um olho hostil, olhar longamente a natureza e a vida, e mesmo os sobejos do repasto dos donos que lhe guargou uma cozinheira cariodosa?
-Escute um momento - interrompeu Nastenka, que todo o tempo me ouvia com espanto, olhos e boca abertos -, escute: eu não sei absolutamente por que tudo isso aconteceu e por que você me apresenta perguntas tão cômicas. Mas o que sei bem é que todas essas aventuras foram unicamente a você que aconteceram.
-Sem dúvida nenhuma - respondi, com expressão mais séria.
-Então, se não há dúvida nenhuma, continue, poios estou ansiosa por saber como isso terminará.
-Quer saber, Nastenka, o que fez no seu canto o nosso herói, ou para dizer melhor, o que fiz eu, pois que o herói de toda a aventura sou eu, na minha própria e modesta pessoa? Quer saber por que estive assim transtornado e perdido por todo o dia, depois da visita inesperada de meu amigo? Quer saber por que estive assim transtornado e perdido por todo o dia, depois da visita inesperada de meu amigo? Quer saber por que corri, tendo enrubescido assim quando se abriu a porta de meu quarto, por que não soube receber o visitante e sucumbi tão vergonhosamente ao peso de minha própria hospitalidade?
-Está bem, sim, sim! - respondeu Nastenka. - É isso que desejo saber. Escute: você sabe contar muito bem, mas não poderia contar com menos perfeição? De outro modo, quando você fala, dir-se-ia que lê num livro.
-Nastenka - respondi com voz grave e severa, mal podendo conter o riso -, minha cara Nastenka, eu sei que conto bem, mas perdoe-me, não sei contar de outro modo. Neste momento, minha cara Nastenka, eu me assemelho ao espírito do rei Salomão que ficou mil anos numa ânfora fechada a sete chaves, e que finalmente foi libertado. Neste momento, minha cara Nastenka, em que nos reunimos de novo depois de tão longa separação, pois eu a conheço há muito tempo, Nastenka, pois desde há longo tempo eu já procurava uma certa pessoa, e isto significa que eu procurava, a você, e que estávamos destinados a nos revermos agora - neste momento abriram-se na minha cabeça milhares de válvulas, e tenho que me exprimir numa torrente de palavras, se não sufocarei. Assim, suplico-lhe não me interromper, Nastenka, mas ouvir com submissão e docilidade; senão me calarei.
-Não, não, não! Não quero! Fale! Não direi mais uma palavra.
-Então continuo. Nastenka, minha amiga, há no meu dia uma hora que eu amo extraordinariamente. É aquela em que se acabam quase todos os afazeres, funções e obrigações, e em que todo mundo se apressa a voltar para casa, para jantar ou descansar, e ao mesmo tempo, a caminho imagina ainda outros motivos de alegria, para a noite, e para o tempo que fica livre. Àquela hora, nosso herói também - pois vou me permitir Nastenka, fazer meu relato na terceira pessoa, porque na primeira eu teria muita vergonha -, assim, a essa hora, nosso herói também, que aliás não é um ocioso, segue os outros. Mas uma estranha sensação de contentamento se espalha no seu rosto pálido, como se ligeiramente fanado. Não é indiferente ao pôr-do-sol, que lentamente se extingue no céu frio de Petersburgo. Se dissesse que ele o olha, eu mentiria; não olha para ele, contempla-o sem se dar conta, como um homem fatigado ou ocupado ao mesmo tempo com outro objeto mais interessante, de maneira que por instantes apenas, quase involuntariamente, ele pode conceder tempo àquilo que o cerca. Está satisfeito, pois acabou, até o dia seguinte, com assuntos que o aborrecem, e contente como um estudante que se libertou da escola e que corre para os jogos e brincadeiras prediletos.
Olhei-o furtivamente, Nastenka: verá logo que esse sentimento de alegria, felizmente, já lhe agiu sobre os fracos nervos e sobre a imaginação excitada de forma doentia. Atenção, ele pensa em alguma coisa... Você calcula: em seu janta? Na noite de hoje? Que olha ele assim? Aquele senhor grave, que acaba de saudar tão pitorescamente uma dama que passou por ele, não há senão um instante, em sua elegante carruagem, em sua brilhante caleche? Não, Nastenka, que tem ele agora a fazer de todas essas misérias? Neste momento ele é um homem rico de sua vida interior; ficou rico de repente, e o último raio do sol poente não brilhou inutilmente para ele, e fez surgir de seu coração reaquecido todo um enxame de impressões. Agora, mal repara no caminho no qual outrora o mínimo pormenor podia chocá-lo. Agora a deusa Fantasia (se leu Jukovski, minha cara Nastenka) teceu com mão caprichosa sua trama de ouro e desenvolveu diante dele os arabescos de uma vida maravilhosa, inaudita e - quem sabe? - talvez com mão caprichosa, tenha-o transportado ao sétimo céu de cristal, deste excelente passio de granito que o leva à sua casa. Procure detê-lo agora, pergunte-lhe de repente onde está ele nesse momento, por que ruas passou; estou certo, não se lembrará de nada, onde esteve, nem onde está no momento, e, corando de despeito, inventará não importa o quê para salvar as aparências.
Eis aí por que estremeceu tão fortemente, quase gritou, e olhou à sua volta com pavor, quando uma velha muito respeitável o fez parar cortesmente no meio da calçada e lhe perguntou pelo caminho, que ela havia perdido. Os supercílios franzidos de enfado, continua sua rota, mal reparando que mais de um transeunte sorriu, ao olhá-lo, e se voltou para o ver, e que uma menina, depois de se ter afastado dele com medo, se pôs a rir muito alto, olhando bem seu largo sorriso contemplativo e os seus gestos. Mas foi isempre a mesma Fantasia que levou no seu vôo jovial não só a velha, como também os transeuntes curiosos, e a menina risonha, e os homens que ceiam nos barcos que obstruem o Fontanka (suponhamos que o nosso herói passava justamente por lá nesse momento); ela envolveu maliciosamente tudo e todos no seu véu, como moscas numa teia de aranha, e com esta nova aquisição o original entrou enfim, em sua asa, na sua amada toca, sentou-se à mesa, há muito já acabou de jantar e só se deu conta do que o cercava quando a penstiva e eternamente aflita Matrena, que o serve, retirou a toalha e lhe estendeu o ca-chimbo; voltou a si e com espanto se lembrou que acabara de jantar, sem querer ter reparado como isto acontecera.
No aposento descera a obscuridade; sua alma está vazia e triste; todo um reino de fantasias se desmoronou à sua volta, desmoronou sem deixar vestígios, sem ruído num tumulto, passou como um sonho e ele nem se lembra que teve essas ilusões. Mas uma espécie de obscura sensação, que magoa e lhe agita ligeiramente o peito, uma espécie de desejo novo, seduz, afaga e irrita sua imaginação, e suscita furtivamente todo um enxame de novos fantasmas. No quarto exíguo reina o silêncio; a solidão e a preguiça lisonjeiam a imaginação; ela se inflama rapidamente, rapidamente atinge a ebulição, como a água na cafeteira da velha Matrena que, impertubável, se ocupa, na cozinha ao lado, em preparar-lhe o café. Ei-la que já se evola em ligeiras espirais, e o livro apanhado sem objetivo, ao acaso, cai das mãos do meu sonhador, que não chegou à terceira página. Sua imaginação de novo se sobreexcita, e subitamente, outra vez, um novo universo, uma nova vida encantadora, surge-lhe aos olhos em brilhante perspectiva. Novo sonho: nova felicidade! novo trago de um veneno delicioso, refinado! Oh! De que lhe serve a nossa vida? Ao seu olhar seduzido, você e eu, Nastenka, vivemos uma vida tão preguiçosa, tão lenta, tão largada! Ao seu olhar estamos todos tão descontentes com a nossa sorte, tão fatigados de nossa existência! E em verdade, considere, com efeito, como, à primeira vista, tudo entre nós é frio, amargo, como que hostil... "Os pobres diabos!" pensa o meu sonhador. Não admira nada que ele assim pense! Olhe os fantasmas feéricos que se formam diante dele, feiticeiros, caprichosos, largamente e sem limites, em um animado quadro fantástico, em que se encontra no primeiro plano, naturalmente, primeira figura, o nosso próprio sonhador em sua preciosa pessoa. Olhe: que aventuras variadas, que enxame infinito de sonhos exaltados! Você perguntará, talvez, com que sonha ele? Para que perguntar? Mas em tudo... no papel do poeta, primeiro desconhecido, depois glorificado; em sua amizade com Hoffmann; na matança de são Bartolomeu; em Diana Movbray; em Effie Deans; nos prelados em concílio, e em Huss diante deles; na revolta dos mortos em "Roberto, o Diabo" (lembra-se da música? Cheira a cemitério!); em Mina e Brinda; na batalha de Berezina; na leitura de um poema em casa da condessa V... a D... a; em Danton; em Cleópatra e i suoi amanti, na casinha de Kolomna; num cantinho para ele e, ao seu lado, uma criatura amada que o escuta, numa noite de inverno, sua pequena boca e os olhinhos bem abertos - como você me escuta neste momento, ó meu pequeno anjo!...
Não, Nastenka, que lhe importa, a ele, preguiçooso, voluptuoso, esta vida a que aspiramos de tal modo você e eu? Pensa que é uma pobre vida, miserável, sem adivinhar que, para ele também, talvez, um dia soará a hora lamentável em que soluçante e desesperada, sobre o seio, sem ouvir a tempestade desencadeada sob um céu lúgubre, sem ouvir o vento que arrancava e levava as lágrimas de seus cílios negros? É possível que tudo isto não tenha sido senão sonho, e este jardim melancólico, abandonado e selvagem, com suas alamedas forradas de musgo, solitário, intratável, onde tão freqüentemente passeavam os dois, esperavam, desespeeravam, amavam, amavam-se um ao outro, tanto tempo, tão longo tempo e tão ternamente! E essa velha morada ancestral, bizarra, onde ela viveu tantos anos solitária e triste com seu velho marido, rabugento, perpetuamente calado e bilioso, que os atemorizava, a eles, tímidos como crianças, que melancólicos e apavorados se secondiam um do outro seu amor? Como se atormentavam, como temiam, como era puro e inocente o seu amor e quanto (a coisa é muito natural, Nastenka) as pessoas eram malvadas! E, meu Deus, não foi ela que reencontrou em seguida, longe das fronteiras da sua terra natal, sob um céu estrangeiro, meridional, causticante, na maravilhosa Cidade Eterna, no tumulto de um baile, ao ruído da música, em um palazzo (obrigatoriamente um palazzo) mergulhado em um mar de fogos, sobre esse balcão enguirlandado de mirtos e de rsas, onde, tendo-a reconhecido, ela tirou tão apressadamente sua máscara e, sussurrando: "Eu sou livre", trêmula, soluçante, atirou-se em seus braços; então com um grito de entusiasmo, estreitados um contra o outro, esqueceram, num minuto, desgosto e separação e todos os tormentos da casa e o marido soturno e o sombrio jardim na pátria longínqua e o banco no qual, depois de um último beijo apaixonado, ela se tinha desprendido do seu amplexo, petrificada num sofrimento sem esperança... Oh! confesse, minha cara Nastenka, pode-se fugir, perturbar-se e corar como um colegial que acaba de introduzir no bolso a maçã furtada no pomar vizinho, quando um rapaz sadio e alto, alegre companheiro e belo conversador, seu conhecido, sem ser convidado abre a porta e grita como se fosse nada: "Sou eu, meu caro, chego neste momento de Pavlovsk!" Meu Deus, o velho conde está morto, eis finalmente a felicidade, uma indizível felicidade, e logo agora chega-lhe gente de Pavlovsk.
(...)"

domingo, 26 de abril de 2009

Fantasiado

A brasa do cigarro do músico não é a mesma do advogado ou do empresário; ela o busca no fundo de sua alma e o alivia de si mesmo o colocando mais próximo da morte.
O músico está sempre farto de si mesmo; cada pessoa vê o mundo com as cores que lhe convém - o músico o vê em preto e branco. Ele está nos falsetes de Thom Yorke, na cama solitária de Janis Joplin, na mescalina de Allen Ginsberg e na inquietação de Bob Dylan.
O músico não é naturalmente triste, mas a natureza quer que ele seja e o força a ser; ele escreve sobre o amor porque sabe que é incapaz de possuir o amor de uma mulher, escreve sobre a alegria porque a quer em sua vida e sabe que nunca a terá, escreve sobre a tristeza porque a vê o tempo todo e, finalmente, escreve sobre o medo porque é curioso - ele não tem nada a perder, não precisa sentir medo.
Quando se é feliz, a infelicidade é triste; quando se é infeliz, a felicidade se torna triste - não há saída. Ler e escrever são os piores hábitos viciosos; somados são o primeiro passo para a desesperança, sendo o segundo quando se vê esta na vida real.
Não há esperança em lugar nenhum, mas é bom que você viva acreditando nela.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Videotape

Hoje eu não acordei; o sol não tinha direito de subir ao céu e os carros movimentam as ruas porque são tolos. Talvez eu tenha acordado demais e por isso esteja aqui, no meu quarto, de pijama, com tudo fechado, escrevendo no escuro. É verdade que hoje não quero ver a luz, nao quero me ver ao reflexo do espelho, meus brincos, pulseiras, roupas, quero retirar tudo de mim; cabelo, sobrancelhas, quero raspar cada pêlo de meu corpo - retirar detalhe por detalhe que construí em minha personalidade até voltar a ser ninguém, voltar ao zero. Rasgar e queimar cada pequena lembrança desse caderno, desde um pedaço de pano de chão até uma flor tão destruída pelo tempo que já se tornou irreconhecível como uma. Fazer com que cada foto onde eu apareça no tempo simplesmente desapareça junto com os momentos nos quais elas foram tiradas. Junto com os momentos, que cada pessoa que esteve comigo me esqueça, me olhe e pense nunca ter me visto.
Quando tudo o que me liga ao mundo finalmente se apagar, quero que esse quarto se tranque para sempre e se mova para um lugar onde não exista nada além de meus CDs, livros, papés, lápis e o silênico da alma singular.
Que meu violão não se esqueça de mim, que eu não me esqueça dele e que eu não me esqueça de mim mesmo.

----------------------------------------

http://www.youtube.com/watch?v=-kCKob1YKOU

terça-feira, 14 de abril de 2009

Poema interior

Quanto menos fede o corpo
mais fede a alma
.
A maquiagem não esconde o ser
O mar alcança até as pedras mais claras
E é nos pensamentos mais profundos
que encontramos os sentimentos mais imundos
.
Quanto mais pesa o copo
menos encara a cara
.
Porque é nos olhos mais bonitos
que encontramos os maiores desesperos reprimidos
No álcool do bar, o alívio imediato
No escuro do quarto, o sofrimento intacto
.
Quanto mais farto o troco
mais se perde a calma
.
Quando se tudo tem
tudo tem importância
Mas de mochila vazia
o silêncio preenche a esperança
.
Quanto menos a pele cora
menos a mente aflora
.
Barreira, cegueira, muro mudo
aço, embaraço, pensamento a fora
Acaso, descaso, embaralha tudo
fecha essa guarda, vai embora

terça-feira, 24 de março de 2009

Fim da viagem

Depois de quatro anos, o homem caminhava novamente só pela praia. Sentia, em seu rosto, o suor escorrer-lhe violentamente e, em seus músculos, a fadiga contrair-lhe dolorosamente - e isso era bom; era como se sua mente se dividisse entre a atenção ao exterior, à sua vida pessoal e ao seu esforço físico e, quanto maior fosse esse esforço, menos seu pensamento se voltaria às áreas restantes.
Enquanto andava, de cabeça baixa, notou que algo mudara totalmente de quatro anos para cá: antes andava sempre de cabeça erguida, observando as pessoas e procurando em seus olhos seus sofrimentos, indignações e, por que não, alegrias. Agora, ao erguer a cabeça, o homem olhava a todos com indiferença.
Nunca havia sido um comunista, pixado muros, participado de protestos ou lutado abertamente contra o sistema, mas ao mesmo tempo, em sua vida, nunca havia conhecido alguém tão subversivo quanto ele próprio.
O fato era que a mulher que amava havia o abandonado neste dia e ele se sentia como se estivesse reconhecendo o que restara de seu mundo. Se antes olhava ao seu redor e ansiava justiça, mudança, agora olha ao seu redor e nada sente; é como se antes de a conhecer ele amasse todos e se preocupasse igualmente com todos e, ao conhecê-la, tivesse reunido todo esse amor em uma única pessoa, a qual jogou tudo no lixo; nada mais restava para ele.
Percebeu, então, que o fato de ela o ter abandonado era indiferente; o amor é optar por uma vida de alguns anos entre esta e a eternidade.
Sorriu, parando ao lado de um lixo e retirando uma foto do bolso, onde ele e sua ex-mulher sorriam para a câmera. Porém, ao olhar para o lixo, ficou novamente melancólico, guardando a foto em seu bolso outra vez.
Há, na vida, caminhos dos quais não se pode voltar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Sinais de fumaça

Caminhando pela cidade eu vi sinais de fumaça
que, entre outras coisas, me trazem mensagens de casa.
No meio das cinzas que se formam entre o primeiro e o próximo trago,
sinais de fumaça irradiam de meu próprio cigarro.
.
E me fazem lembrar que um dia eu tive um lar.
E me fazem lembrar que um dia eu tive um lar.
.
Na dicotomia entre mentira e sinceridade,
a opção mais sincera é que às vezes dispensa a verdade.
Mas como é um dia especial, precisamos comemorar;
vou brindar-lhes com a verdade, na verdade, nunca tive saudades de lá.
.
Mas eu preciso pensar que um dia eu tive um lar.
Mas eu preciso pensar que um dia eu tive um lar.
E me fazem lembrar que um dia eu tive um lar.
E me fazem lembrar que um dia eu tive um lar.
Mas eu preciso pensar que um dia eu tive um lar.
.
Mas eram só sinais de fumaça.
Mas eram só sinais de fumaça.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Retrato

Misantropia e solidão.
Sou aquele que não tem passado,
o que está atrás é apenas uma página borrada.
Sou a desesperança esperançosa de Winston.
Sou a solidão de Raskolnikóf.
Sou a misantropia introspectiva de Jack Torrance.
Sou a falta de sentido da vida Meursault.
Sou a boca que te ama e há de te maltratar de Augusto dos Anjos.
Sou o delírio que te há de matar de Álvares de Azevedo.
Sou o vento que tudo traz de Arnaldo Antunes.
Não disperdiço papéis com negócios e afazeres,
o mundo é poesia, o mundo é tristeza.
Meu papel descreve o que já esteve na cabeça de todos
mas ninguém ousou escrever.
.
Café, estrada, mapas, acaso, papéis, solidão.
Sou aquele que ninguém vê, mas um dia todos hão de notar.
Porque é no nada que às vezes encontramos tudo.
Sou a dualidade paradoxal da personalidade humana
fichada, descrita, arquivada.
Sou a cortina que isola o sol.
Sou os olhos que observam a lua.
Sou as lágrimas que escorrem do desespero.
Sou a solidão das capitais.
Não fui, sou, nunca serei.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Por trás dos olhos firmes..

"E lá vai Deus
sem sequer saber de nós
saibamos pois
estamos sós.."
------------------

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Companhia na solidão do espelho


"(...)
Cai a noite doce escuridão,
de madura vai ao chão.
Na hora da canção o que eles dizem, baby
eu não soube o que dizer.
Ah, vida real; tchau"

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Vida Meursault


Vida Meursault
Aqui vamos nós de novo
caminhando em meio à multidão.
Ao nosso redor, as vozes de um povo
soam de um único coração.
.
Não vais lembrar
de quando era possível e preciso lutar.
Não vais lembrar
que o desafio continua no ar.
.
Aqui vamos nós de novo
e a esperança a nos deixar.
Os riscos na maçaneta da porta
de um homem que quer escapar
de um quarto de tristezas
e a vida a lhe pesar.
Carrega nos ombros o peso do mundo
e um pesadelo no olhar.
.
Ele vai esquecer
que há ainda pelos cantos um motivo pra viver.
Ele vai esquecer
que para haver o impossível, basta crer.
.
Ele vai esquecer
que há ainda pelos cantos um motivo pra viver.
Ele vai esquecer
que para tocar o infinito, basta crer

(...)



Lápis, silêncio, papel, solidão.
Não quero ninguém por perto, cansei de espelhos que refletem o que não sou, mesmo que eu me entregue a seu julgamento.
Acaso, destino, descaso.
Na escolha entre conviver e ficar só, opto por não escolher.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

(In)felicidade

http://www.youtube.com/watch?v=IyCRJmerW1Q

"A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe."
Charles Chaplin

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Trecho de "O Estrangeiro", de Albert Camus

"(...)
E, com as horas de sono, as recordações, a leitura de minha ocorrência e alternância da luz e da sombra, o tempo passou. Tinha lido que na prisão se acaba perdendo a noção do tempo. Mas, para mim, isto não fazia sentido. Não compreendera ainda até que ponto os dias podiam ser, ao mesmo tempo, curtos e longos. Longos para viver, sem dúvida, mas de tal modo distendidos que acabavam por se sobrepor uns aos outros. E nisso perdiam o nome. As palavras ontem ou amanhã eram as únicas que conservavam um sentido para mim.
Quando, um dia, o guarda me disse que eu estava lá há cinco meses, acreditei, mas não compreendi. Para mim, era sempre o mesmo dia, que se desenrolava na minha cela, e era sempre a mesma tarefa que eu perseguia sem cessar. Nesse dia, depois de o guarda ter saído, olhei-me na minha bacia de ferro. Pareceu-me que minha imagem ficava séria, mesmo quando tentava sorrir para ela. Agitei-a diante de mim. Sorri, e ela conservou o mesmo ar severo e triste. O dia acabava e era a hora de que não quero falar, a hora sem nome, em que os ruídos da noite subiam de todos os andares da prisão, num cortejo de silêncio. Aproximei-me da janela e, à última luz, contemplei uma vez mais a minha imagem. Continuava séria, e que há de espantoso nisso, se nesse instante eu também estava sério. Mas ao mesmo tempo, e pela primeira vez nos últimos meses, ouvi distintamente o som da minha voz. Reconhecia-a como a que ressoava há longos dias aos meus ouvidos, e compreendi que, durante este tempo, falara sozinho. Lembrei-me, então, do que dizia a enfermeira no enterro de mamãe. Não, não havia saída, e ninguém pode imaginar o que são as noites nas prisões."

----------------------------

"Somos quase livres, isso é pior do que a prisão"
Humberto Gessinger

domingo, 8 de fevereiro de 2009

..


A distância é insignificante para um poeta, afinal, ele não precisa ir à lua para flutuar;
Basta observá-la.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Que as mães sempre vivam

Sou um péssimo conselheiro, talvez o pior que exista; na verdade, uma pessoa nunca deveria fazer com sua vida o que faço com a minha; nasci assim, imutável, cheio de certezas - as mais incertas que se possa imaginar. Queria conseguir dizer para as pessoas o que sinto e penso e não guardar e empregar isso em formas disfarçadas de textos ou músicas; simplesmente jogar o fardo para o alto instantaneamente. Mas sinto demais, vejo demais, ouço demais e temo demais pôr para fora tudo o que sinto. Entalado, cheio, estufado, uma explosão que está sempre adiada e da qual tenho vontade de me livrar, mas não gritando, contando, me abrindo; simplesmente sair de mim, ir para um lugar onde eu simplesmente já não sinta mais nada.
Nós nascemos com a única certeza de que morreremos; por mais que a vida seja bela, ela leva à morte, como qualquer sentimento. Não há sentimento que seja eternamente bom - há simplesmente aqueles que se mantêm eternamente vivos - qualquer destes se converterão em uma dor, uma cicatriz. O amor, não é que não exista, mas implica, custa, em um grande sofrimento - que é necessário; sem ele, o amor não existiria.
O fato é que existe e o sofrimento é real, estará presente em toda sua vida; vivemos fadados a alegrias curtas e sofrimentos longa-metragens.
Eu não me expresso bem, mas não costumo mentir, costumo me calar - omitir. Mas há uma situação na qual alguém nunca conseguiu encontrar sinceridade e que a hipocrisia está sempre ligada - inclusive em mim.
Diversas vezes recebi ligações, já de madrugada, com pessoas ameaçando se matar - menti em todas as vezes. Confesso que talvez tenham sido meus piores conselhos. Não se encontra motivos para uma pessoa continuar viva; se ela não o possui, ninguém encontrará. Então o que dizer? Se você a ama, por ela ser importante para você, você a aconselha a ficar viva mesmo tendo consciência de que a vida dela é uma merda e que a morte seria o melhor para ela - ou todos nós; se você não dá a mínima para a pessoa, ainda assim a aconselhará a não fazê-lo por isso ser disseminado como o certo.
Quando recebia esses telefonemas, só conseguia pensar nas mães dessas pessoas e suas reações com relação ao suicídio - eu menti, por elas, para dar a elas a única razão que tenho para evitá-lo, disseminar meu medo para as pessoas assim como a mãe que mima demais o filho e passa a ele os seus.
A vida é um teste e admiro as pessoas que têm a coragem que não tenho, a coragem de ir até o fim.
Que suas mães vivam para sempre.

domingo, 18 de janeiro de 2009

"É preciso estar-se, sempre, bêbado.
Tudo está lá, eis a única questão.
Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-
os para a terra,
é preciso embebedar-vos sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa.
Mas embebedai-vos.
.
E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio,
sobre a grama verde de uma vala,
na solidão morna de vosso quarto,
vós vos acordardes,
a embriaguês já diminuída ou desaparecida,
perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o
que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são;
e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão:
"É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados
do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa."
Charles Baudelaire
----------------------------------------
"Juro nunca mais beber - e fez o sinal-da-cruz com os indicadores. Acrescentou: - Álcool.
O mais, ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.
- Curou-se 100% do vício - comentavam os amigos.
Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr-de-sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos"
Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Abstrações de um mesmo tema

"Liberdade" - era o que dizia o adesivo daquele monza preto em uma parada de estrada em uma das paradas da vida. Voltei para Juiz de Fora em minhas férias como uma loucura e, sem entender bem e fazendo o errado, novamente a deixei, repentinamente. Acontece que nessa parada, tudo fez sentido; de uma forma louca, aquele carro estava ali, esperando por mim, naquele segundo - e eu precisava estar ali.
Liberdade é um conceito que precisa de revisão. Varia de pessoa para pessoa, mas de certa forma, segue uma constânciaa. Uma pessoa que mora em uma pequena cidade, isolada do mundo, que possa se locomover para onde quiser nessa cidade, talvez sinta-se livre - no nosso conceito, não é, mas ela sente a liberdade que nós buscamos e, nesse caso, o que pensamos não importa; ela é livre. A evolução, globalização, tornam a liberdade algo mais amplo e, para a maioria das pessoas, distante. Se essa pessoa nessa pequena cidade descobrisse uma praia maravilhosa do outro lado do mundo, sendo considerado provável que ela não tivesse condições de chegar até ela, talvez não se considerasse mais livre. E quando isso acontece, precisamos ter um carro, comprar passagens aéreas; depois termos o carro dos nossos sonhos, uma passagem para um lugar ainda mais distante - a imagem de liberdade que criamos em nossa cabeça muda. Os fatores aos quais somnos expostos hoje em dia não destroem a liberdade, mas a cada dia que passa, a tornam mais maravilhosa e inalcançável. O mesmo sentimento de milhares de anos atrás, para ser atingido, começa a formar cada vez mais e maiores exigências até chegar o dia em que ele será tão maravilhoso que nunca será alcançado.
Mas toda essa digressão pura e simplesmente - repleta de perguntas, mas sem nenhuma resposta - me leva a uma questão ainda maior.
Chutando alto, talvez pela pouca divulgação, talvez pelos temas abordados ou talvez pela falta de qualidade, imagino que algo em torno de dez pessoas lêem esse blog com freqüência; dessas dez, sete são pessoas que considero inteligentes; por um momento, me pergunto o que essas sete continuam fazendo aqui.
Nós não conseguimos encontrar sequer respostas pequenas, normalmente nos vangloriamos ao encontrar perguntas pequenas, mas estamos sempre procurando grandes respostas com esperança e convicção de que as encontraremos. Pessoas que encontram grandes perguntas normalmente são consagradas como gênios na história, poucas são as que encontraram grandes respostas (se é que há alguma; no momento, não consigo citar); na verdade, grandes respostas se convetem em perguntas ainda maiores, tornando o mundo das idéias uma grande avalanche.
Acho que eu sou puramente um questionador, levanto perguntas e raramente acredito na certeza, mas a busco avidamente. Por exemplo, um dos dias mais tristes de minha vida foi quando acordei e percebi que já não conseguia mais acreditar em Deus; mas enquanto muitos simplesmente acreditam porque é algo que está em nossas raízes culturais (e mesmo porquie a natureza humana pede a crença), eu busco sinais e informações que não precisam ser necessariamente concretos, mas que me façam sentir que sua existência seja concreta (agora mesmo o alcorão viaja comigo em minha mochila).
Quando eu afirmo que o artista tem de ser infeliz para que as outras pessoas sejam felizes, estou presumindo que, através do sofrimento, o artista vá encontrar respostas. Eu sou infeliz - nunca encontrei nenhuma. Minha afirmação se baseia na crença de que um dia, em meio a tantas perguntas que lancei, consiga encontrar ao menos uma resposta.
Metade do café se vai, metade da viagem se vai, várias abstrações, nada concreto.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ego revolucionário - as revoluções "porção única"

Não posso afirmar que Russeau estava certo ou errado com relação à sociedade, mas tenho consciência de que esta corrompe o homem mais e mais a cada dia que passa, talvez por cada vez mais oferecer a este um ambiente ideal para que ele se revele, se deixe levar por seus instintos mais internos.
Essa gradação afasta cada vez mais o homem de seu lado idealista e o aproxima de seu ego; às vezes eu olho ao meu redor e me sinto sozinho. Não parece haver mais revolucionários idealistas como os vistos em toda a história, como os vistos no século XX, o que eu vejo são pessoas que simplesmente querem ser vistas como aquelas do passado, admiradas por serem considerados revolucionárias, mas visando seu ego e não seus ideais - se é que possuem algum realmente.
É o que vemos a cada dia que passa; não há espontânea vontade, é preciso que um policial mate um adolescente e isto apareça na televisão para as pessoas se revoltarem; é preciso que setecentos palestinos morram e bombas explodam na Faixa de Gaza para que as pessoas se revoltem - é preciso que até os jornais se escandalizem para que as pessoas se assustem um pouco.
É aí que surgem os heróis porção única, que nunca haviam sequer ouvido falar no assunto, mas que lêem desesperadamente sobre ele, falam sem parar coisas que às vezes nem sequer sabem se estão certas ou têm algum embasamento para afirmá-las; repassam belos e-mails, muito bem escritos, com opiniões alheias, sem sequer terem certeza do que estão repassando. Informação, idealismo? Zero. Ego? Mil - olha como ele fala bonito e tem a barba grande.
A revolução não está morta, mas dorme na ignorância desses jovens "politizados".

sábado, 10 de janeiro de 2009

Rock n' roll nunca será passado

Estou ficando velho. Triste e precoce, mas é a realidade. Impressionante o que um CD que há muito você não ouvia pode resgatar e trazer para você; é o que o "Panela do Diabo" - Raul Seixas - está fazendo comigo agora.
Me lembro de minhas duas primeiras bandas, meus tempos "Raul Seixas"; como eu mudei, como eu me sinto diferente.
Envelheci, mas de uma forma engraçada, muito do que foi ainda é - o rock ainda corre em minhas veias; amadureci, mas ainda acredito em meus sonhos. Olho para pessoas que passaram por minha vida musical de maneiras diversas em minha adolescência e sinto que neles o sonho de uma banda, mudança, ficou para trás, apagou-se perante as obrigações e preocupações da maturidade; esses sonhos não adormecem em meu coração; idéias amplamente diferentes, mas os sonhos se mantêm e se mantêm também a garra e a vontade de realizá-los.
Quando o rock n' roll se torna passado, descobre-se que ele nunca foi presente; uma descoberta que nunca experimentarei.

----------------------------

"Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
Não sei por que nasci
pra querer ajudar a querer consertar
o que não pode ser.
Não sei, pois nasci para isso, aquilo
e o enguiço de tanto querer.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
Estou sempre
pensando em aparar os cabelos de alguém
e sempre tentando mudar a direção do trem.
À noite a luz do meu quarto eu não quero apagar
pra que você não tropece na escada quando chegar.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
.
O meu egoísmo é tão egoísta
que o auge do meu egoísmo é querer ajudar.
.
Mas não sei por que nasci
pra querer ajudar a querer consertar
o que não pode ser.
Não sei, pois nasci para isso, aquilo
e o enguiço de tanto querer.
.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou, assim;
no final, carpinteiro de mim."

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

(...)

"O homem andava apressado, investigando tudo ao seu redor, como se houvesse perdido algo e o estivesse procurando, farejando como um lobo, caçando pela noite. O fato é que havia se segurado mais do que podia e precisava se soltar naquele instante, deixar que seus instintos fizessem seu trabalho, agir como suas raízes ordenavam – era um animal, já não podia negar, não importava o quanto fosse inteligente, o quanto assimilasse, continuaria sempre sendo um animal.
Um barulho o fez parar instantaneamente. Por alguns segundos o homem fechou os olhos e sentiu sua respiração ecoar – estava mais bela do que nunca, soava como música; todos os pequenos sons da rua – como o gotejar de calhas de pequenas casas de baixo porte ou o vento movimentando papéis no chão – formavam uma simples e bela sinfonia, uma música em homenagem a alguém que por muito tempo esteve morto e agora finalmente voltara à vida.
Colocou a mão direita no interior de seu paletó e lá estava ela – sempre estivera lá – adormecida, esperando pelo momento de finalmente voltar a ser usada. Duvidamos de alguns sentimentos que são certos, mas simplesmente acreditamos em alguns que são duvidosos; o fato é que soava certo tocá-la naquele instante, o toque provocou-lhe a sensação de que sua mão estava no lugar certo, na hora certa; era hora de usá-la.
Abriu os olhos e sorriu; o garoto – algo em torno de dezenove anos – havia passado por ele fingindo indiferença, mas nem era preciso olhar em seus olhos para perceber a presença do medo, da desconfiança; talvez o garoto tentasse não admiti-la sequer a si mesmo e isso fosse o que a tornava tão gritante. O homem dobrou rapidamente uma esquina; precisava pegá-lo de frente, olhar em sua face enquanto ele sentia o que tinha por fazer.
Esperou os passos ficarem mais fortes e dobrou a esquina seguinte, parando bem em frente ao garoto – tão próximos que quase trombaram. Por um segundo que, se não houvesse sido criado um padrão para o tempo, poderia se dizer horas ou dias, eles se encararam, olho a olho – muito próximos – e, nesse segundo, um pôde entender perfeitamente o estado de espírito e as intenções do outro; apenas um deles sorria.
Com o braço esquerdo, o homem retirou um pano úmido do paletó e o pressionou contra o rosto do garoto, que se debateu em vão – não era forte o suficiente – até desmaiar.
A partir daí o homem se sentia cada vez menos consciente, como se seu próprio corpo fizesse seu trabalho agora; ficava parado, apenas observando seus braços agirem sozinhos.
Retirou de seu paletó uma bela faca que parecia brilhar, entender e responder ao luar. Virou o garoto de costas e, cuidadosamente, rasgou sua camiseta, a afastando e deixando suas costas a vista. De olhos fechados, enquanto movimentava a boca sem produzir sons, o homem, com a faca, desenhou habilmente uma partitura já preenchida por notas nas costas do garoto.
-Permita que esse cadáver utilize seu corpo para produzir vida – ele disse.
Repentinamente o homem se levantou, caindo para trás como se houvesse levado um susto; olhou para o garoto com indiferença enquanto se limpava (ou tentava se limpar) com um novo pano, ajeitou seu paletó e saiu andando novamente, tentando se lembrar onde havia estacionado seu carro."

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Morte

Libertem-se desses corpos, seus ignorantes! Deus não existe; se existisse, estaria rindo da inocência de vocês. Libertem-se desses corpos, seus ignorantes! Vocês não são mais que ninguém e nem sequer são algo, são simplesmente algo feito a imagem e semelhança do corpo de Deus, algo que não existe! Vocês nem sequer existem! Se matem, todos! Todos são inúteis, todos são pedaços em decomposição andando pelo planeta, são meros seres que se sentem vazios e tentam justificar o vazio acreditando que exista algo. Não existe nada! Se matem, todos, todas as carnes em decomposição nesse instante nesse planeta. Se joguem pelas janelas, quebrem o que houver ao seu lado, se matem, matem ao outro. Nada existe. A morte é a única existência concreta, é a única esperança pra quem procura existir: se você quer existir, a única forma é abandonando o corpo putrefato no qual você habita. Não tema mais a morte, ela é o único caminho, a única esperança. Se jogue dessa janela, rápido, se mate, é a única forma de talvez se tornar algo vivo.

domingo, 4 de janeiro de 2009

"Quando o Bourbon é bom, toda noite é noite de luar"

"(...)
Já freqüentei grandes festas
nos endereços mais quentes.
Tomei champagne e cicuta
com comentários inteligentes.
Mais tristes que o de uma puta
no Barbarella, às quinze pras sete
(...)"

Bom gosto, inteligência, sabedoria, merda; são todos sinônimos, inutilidades. Odeio pessoas inteligentes, finalmente percebi; tão vazias e retóricas, sempre procurando algo além para saber e poder preencher o espaço que sobra em suas falas por não terem nada a dizer sobre si mesmas. Não é necessário acreditar que o silêncio diga mais que as palavras, mas ao menos perceber que ele às vezes valhe a pena pelo valor que as palavras possuem, por mais que soem bonitas e alimentem seu ego perante pessoas que, além de burras, também são vazias.
Fale feio, escreva errado, não saiba os autores de livros consagrados, fodam-se os grandes cineastas, não decore o nome daquele bom ator, esqueça tudo que não tenha prática (não necessariamente mundana) - livre sua mente da estupidez desses nojentos inteligentes.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mais um ano

É, a gente sobrevive mais um ano se estressando, esfolando, até chegar ao tão cobiçado fim de ano; festas, alegria, amigos, foguetes, champagne, felicidade..
Ai ai ai; essa merda de vida é realmente uma grande utopia.

Antes que me esqueça, feliz ano novo.

------------------------
"Eu roubei esses versos como quem rouba pão
com a mão urgente, com urgência no coração.
Eu contei estórias, inventei vitórias
como quem tem preguiça
como quem faz justiça com as próprias mãos.
.
Eu roubei quase tudo que eu tenho só pra chamar tua atenção
e quando cheguei em casa, vi que lá morava um ladrão.
Eu perdi quase tudo que eu tinha
a paz, a paciência
a urgência que me levava pela mão.
.
Uma noite interminável numa cela escura.
Sentido!
senhores..
censores sem poder de censura.
O ruído dos motores em uma sala de torturas
Senhoras e senhores
Censores sem talento censorial
.
Nunca mais saiu da minha boca o gosto amargo da palavra traição.
Nunca mais saiu da minha boca nenhum elogia a nenhuma paixão.
Uma noite mal dormida, um porre sem maus lençóis.
Sem sono.
Sem censura.
100% de nada não é nada
é muito pouco.
.
Sem sono.
Sem censura.
100% de nada não é nada
é muito pouco."

sábado, 13 de dezembro de 2008

Albergue espanhol

Eu não sou brasileiro; não sou boliviano, chileno, argentino, estado-unidense; não sou francês, inglês ou espanhol; não sou sírio, búlgaro, chinês, russo, angolano ou congolense. Cada pessoa é uma pessoa e cada pessoa é tudo. Sou Marcelo, brasileiro, argentino, búlgaro, sírio, francês, angolano.
Cada pessoa é uma, mas cada pessoa deve experimentar e sentir as dores e os prazeres de todos os povos. Tentar focar e limitar-se a uma cultural local é uma tentativa intelectual inútil, a cultura pessoal prevalece, a cultura local é a cultura que avassala todo o mundo e a cultura que ataca cada pessoa individualmente; abandone o aprisionamento local e a indução à prisão de uma cultura estrangeira; todas as culturas são uma só, os costumes de uma só raça, os hábitos de um só coração que se divide em diversas batidas ao redor do mundo.
Hoje caminho em meu país, em meu estado, minha cidade, e me vejo um estrangeiro em meio a diversos estrangeiros, um povo dividido em singularidades, mas um povo com limitações artificiais que não os permitem notar que somos diferentes, mas somos iguais. Carregamos dores, felicidades, admirações, medos, todos diferentes, mas indiferentemente os carregamos.
Caminhamos e caminharemos sempre dotados de preconceitos e muros de vidro ao nosso redor, nos livrando de encarar o fato de que estamos todos em um albergue espanhol.
Visto a camisa do mundo e paradoxalmente brindo àquele que se reconhece: um estrangeiro em meio a estrangeiros.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Conselho de um poeta

Minha insônia hoje é uma coisa meio louca, vem da voz de Robert Smith, não muito de lembranças do que já passou, mas de uma expectativa e animação do que virá. De coisas boas que podem vir a acontecer em lugares que tenho um carinho especial.
Essa semana, esse mês, eu não sei dizer direito o quanto dormi e o quanto fiquei acordado. Quando deito, me perco em meus pensamentos e, às vezes, durmo, mas sonho comigo mesmo deitado em minha cama, ainda sem dormir, pensando e quando acordo, já de madrugada, não sei dizer se dormi a noite toda ou passei a noite toda em branco, acordado, perdido em pensamentos.
Hoje escrevo, mas por não ter outra opção, queria ter alguém aqui agora simplesmente para jogar conversa fora, conversar sobre coisas sadias, me perder em palavras e simplesmente esquecer um pouco as coisas lá fora. Mas diferente do que costuma acontecer, não estou triste, deprimido ou pessimista, estou puramente introspectivo e pessoal, simplesmente pensativo.
Por mais que digamos que não nos apegamos a objetos, lugares, a velha história de simplesmente estarmos com quem gostamos em qualquer lugar, que não ligamos para roupas etc; tudo isso não é verdade. Todo mundo tem aquela jaqueta já velha e gasta que nunca vai deixar de usar, todo mundo sente falta daquele parquinho que ia brincar quando criança, da primeira escola, do seu quarto, sua casa, aquele lugar que você ia tanto e que nunca tinha nada pra fazer, sempre te deixava entediado e te levava a pensar que você precisa encontrar um novo lugar pra freqüentar.
Há um ano não moro mais em Varginha e esse mês fará seis meses que não visito minha cidade natal. Minha vontade e ansiedade em voltar lá não se dá tanto pelas pessoas (apesar de sentir muitas saudades de algumas), mas sim em rever coisas, lugares, ver como eles devem ter mudado (minha casa mesmo está totalmente diferente), sentar nesses lugares e simplesmente deixar a cabeça trabalhar nas lembranças, olhar como eles estão agora, sentir dentro de mim um pouco da vida que já passou.
Ah, Varginha, acho que se uma pessoa nasce no inferno, sente saudades ao sair dele. Não importa aonde eu vá ou onde eu esteja, sempre sentirei imensas saudades dessa cidade que me proporcionou tantas alegrias e inúmeras tristezas, inesquecível.
Apesar de achar que alguém não pode se autoconhecer sozinho, acho que deve haver uma fase intermediária onde a pessoa fica sozinha e, sem muitas coisas acontecendo em sua vida, sobra tempo para parar e olhar para o passado, analisá-lo e, através de tudo o que viveu com outras pessoas, se entender melhor. Minha fase foi esse ano, sem dúvidas, mas sem dúvidas também está na hora de essa fase passar, sem dúvidas já estou preparado para voltar à vida, e me alegra muito finalmente ouvir isso de mim mesmo; espero que as coisas dêem certo para mim.
E quanto a você, ouça um conselho de um humilde poeta e escritor: só há vida fora dos livros.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

S.O.S. Santa Catarina

Antes de qualquer coisa, queria deixar o mais claro possível que esse texto tem a intenção de levar a pensar de forma sadia, estou amplamente comovido com a situação calamitosa de Santa Catarina, assim como estaria se essa situação estivesse ocorrendo em qualquer parte do Brasil.
Em partes, é de se compreender o porquê do separatismo sulista; o sul não tem ampla participação na colonização do país, tendo uma integração a partir do Tratado de Madri em 1750, com a aderência forçada do Sete Povos da Missões, e em 1777, com o Tratado de Idelfonso que adquire algumas partes do atual estado de Santa Catarina. Tudo isso vem a se concretizar em 1801, com o Tratado de Badajós; mas os tratados não significaram o fim dos conflitos.
Porém, economicamente, desde por volta de 1703, quando a Intendência das Minas foi criada e a mineração começou a tomar força, o sul passou a ter uma integração pela pecuária, sustentando a mineração em Minas Gerais.
Por ter passado um tempo amplo como colônia espanhola, sustentando missões jesuíticas, por ter recebido diversas etnias, é óbvio que a cultura sulista possui uma imensa diferença da cultura do restante do país. Mas esses mesmos sulistas mais conectados à cultura espanhola, se procuram algum embasamento ou estudam a situação, deveriam enxergar que um dos grandes problemas da independência das colônias espanholas, como já frisava Simón Bolívar, com o Congresso do Panamá, antes mesmo da ocorrência, são as divisões, que tornaram os Estados fracos e vulneráveis. Ao incentivar os separatismos, os sulistas estão indo contra suas raízes. Lembre-se também de que uma das razões de o Brasil ter uma certa voz internacional e liderar movimentos do "Terceiro Mundo" (Perdão, odeio esse termo) é a sua dimensão territorial.
O Brasil é um país repleto de culturas diferentes, já houve movimentos de cunho separatista na Bahia, em Pernambuco, Maranhã, Pará, São Paulo, mas todos foram deixados para trás e isso manteve a esperança de surgir um espírito nacional que vá além de copas do mundo de futebol.
Estive duas vezes em Santa Catarina e posso dizer por experiência própria o quão certos estão os catarinenses de se orgulharem de seu estado, tão certos quanto eu estou de me orgulhar por esse estado fazer pate de meu país, assim como me orgulho da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará e São Paulo.
Se hoje visto a camiseta de ajuda à Santa Catarina, é por ver que o Brasil ainda é um país, ainda há caminhões que partem do Acre para Santa Catarina buscando amenizar a situação, é com dúvidas por pensar em com que ajuda Santa Catarina estaria contribuindo caso a tragédia fosse no Acre, mas é com certeza por saber que a grande e esmagadora maioria, se não totalidade, dos brasileiros que estão sofrendo com a tragédia não compõem movimentos separatistas e nem compartilham desses ideais.
Olhem para Santa Catarina, há brasileiros lá que precisam de ajuda.

------------------------------------

http://www.youtube.com/watch?v=LxR0wCcB5Vo

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Muros e grades

.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Nas grandes cidades, no pequeno dia-a-dia
o medo nos leva tudo, sobretudo a fantasia
Então erguemos muros que nos dão a garantia
de que morreremos cheios de uma vida tão vazia
Erguemos muros...
.
Nas grandes cidades de um país tão violento
os muros e as grades nos protegem de quase tudo
Mas o quase tudo quase sempre é quase nada
e nada nos protege de uma vida sem sentido
O quase tudo quase sempre é quase nada...
.
Um dia super
uma noite super
uma vida superficial
entre sombras
entre as sobras
da nossa escassez
.
Um dia super
uma noite super
uma vida superficial
entre cobras
entre escombros
da nossa solidez
.
Nas grandes cidades de um país tão irreal
os muros e as grades nos protegem de nosso próprio mal
Levamos uma vida que não nos leva a nada
Levamos muito tempo pra descobrir
que não é por aí, não é por nada não
não, não pode ser, é claro que não é
será?
.
Meninos de rua, delírios de ruína
Violência nua e crua, verdades clandestinas
Delírios de ruína, delitos e delícias
Violência clandestina faz seu trottoir
Em armas de brinquedo, medo de brincar
Em anúncios luminosos, lâminas de barbear
.
Um dia super
uma noite super
uma vida superficial
entre as cobras
entre escombros
da nossa solidez
.
Uma voz sublime
uma palavra sublime
um discurso subliminar
entre sombras
entre as cobras
da nossa escassez
.
Viver assim é um absurdo, como outro qualquer
como tentar o suicídio ou amar uma mulher
Viver assim é um absurdo, como outro qualquer
como lutar pelo poder, lutar como puder

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Sonho (E A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE)

Tudo era escuro, não havia nada ao meu redor, em todo o horizonte, além de meu corpo. Eu estava caindo, mas sentia como se houvesse um chão; então, corri, gritei, corri, corri, gritei e, de repente, várias espécies de tentáculos de água começaram a surgir ao meu redor e percebi que não mais estava correndo, ou caindo, ou gritando. Flutuava e esses tentáculos me envolviam e roçavam em meu corpo; alguns tentavam esmagar meus braços e minhas pernas, mas simplesmente passavam por mim, como se eu (ou eles) fosse transparente. Lá embaixo, muito lá embaixo, enxerguei-me correndo, mas não me desesperava, apenas sentia os tentáculos, frescos, suaves, envolverem meu corpo.Pisquei os olhos e estava novamente correndo, correndo, até que trombei em um muro. Quando notei, estava cercado por um muro enorme e intransponível. A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE, e um grande jato de fogo começou a passar por mim; sorri, não o sentia. A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE. De repente, tudo queimava e pessoas se desesperavam, esmurrando o muro; de repente, eu sentia o fogo queimar e, como várias pessoas, gritava: "Morte! Deus! Deus! Morte! Rápida Morte! Rápido Deus!". E A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE; de repente, alguns corpos se tornavam fogo e flutuavam e não sentiam mais a dor e sorriam; alguns tentavam subir também, e os corpos-fogo os empurravam de volta ao fogo, e tudo era "Deus, rápido Deus, rápida morte, rápido morte, Deus morte rápido". A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE, um balde gigante e cheio de água aparece sobre nós, mas não derramou; de repente, percebi que eu tinha um balde vazio em minhas mãos, e todos tinham. O balde enorme começou a despejar água em nossos baldes e, as pequenas gotas que ele errava e caíam no fogo, as pessoas apontavam e gritavam: "Milagre, milagre!" e em poucos segundos o local era convertido em fogo novamente. E ninguém jogava seus baldes de água no fogo, tudo era "Deus, morte, rápido, morte ao Deus, que Deus nos salve!".De repente, todos éramos fogo e uma grande corrente de ar nos sugava para o cano de um revólver, nos compactamos e éramos uma bala. Podia ver pelo cano do revólver o nada e, de repente, um gatilho foi puxado, todos gritamos e voamos, juntos, por uma planície. Já não éramos uma bala e, a medida que voávamos, tomamos forma de uma lança de fogo e eu avistei uma cruz. A antingimos em cheio, porém, não havia ninguém nela; explodimos como lindos foguetes no céu, como A CABEÇA NO INFERNO DA MENTE.Estava em meu quarto, em cima de uma mulher, e eu precisava terminar de comê-la logo, porque ia vomitar e o sangue já não circulava mais em minhas veias, e ela gemia, e estava pálida como o demônio, o demônio, o demônio, e estava morta, ao lado de minha cama, um gravador gemia e eu tremia, e lembrei-me que no início havia uma estrela e velhos corriam atrás dela e, de repente, o brilho lindo dessa estrela começou a se intensificar demais, e todos ficavam cegos, e todos explodiam e a cabeça encontrou o inferno cego da mente. E vomitei no corpo do cadáver, corri pela porta do meu quarto e sempre que passava por ela saía novamente em meu quarto, e lá estava o cadáver do demônio morto e estuprado por mim, corria, passava pela porta, quero a verdade, a verdade, a verdade, a verdade, a verdade, a maldade, a maldade, a verdade, a verdade. A VERDADE. (Quer ver a verdade?).
Estava no sofá de um escritório de luxo e, sempre que respirava, fumaça saía de minha boca ao exalar o ar, e havia um cigarro em minhas mãos, aceso, mas não soltava fumaça; o traguei e, ao soltar o ar, não havia fumaça. Havia uma mesa e a mulher que estuprei estava atrás dela, na frente, um belo homem chegava caminhando: "Está tudo pronto, Deus, se quer destruir o mundo, basta assinar". E havia um papel, e uma caneta, e Deus pegou a caneta, se virou para mim e disse: "Nada está ao contrário, se parece ao contrário para você, talvez seja porque você queira o contrário".
Pisquei o olho e estava em meu quarto novamente, e transava comigo mesmo, e eu estava morto, mas sorria; me esfaqueei e o sangue esguichava, e eu estava no chão e só havia um eu; e eu enfiava a faca com força em mim mesmo, e não havia dor, tudo era tesão, e eu gemia. Corri rindo pela porta e novamente estava no escritório e me via no sofá, e me via atrás da mesa, e segurava o papel; gargalhei, assinei, tudo explodiu.
Novamente eu estava envolto por tentáculos líquidos, e sorria, só havia eu, mais ninguém. Havia, dessa vez, uma bela paisagem a minha volta, e os tentáculos a agarraram e tudo se tornou água e entrou em um balde. Essa água tomou forma de um homem, ergueu a mão para mim e eu a apertei; "é sempre bom fazer negócios com você", ele disse, e entrou novamente no balde. A água, como um soco, entrou direto em meu peito, caí de joelhos em frente ao balde e restava uma gota, que entrou em meu olho e, em seguida, saiu lentamente em forma de lágrima.
Acordei, sorrindo, com a cabeça fora do inferno da mente.

-------------------------------------------
Entenda que a pontuação confusa é proposital e que a intenção do texto é que seja lido o mais rápido possível, em voz alta para si mesmo e foi escrito com a intenção ao mesmo tempo que literária (pela pontuação proposital), cinematográfica (pelas cenas narradas).

domingo, 23 de novembro de 2008

Jingle Bell

Nesse Natal, não corra riscos; faça suas compras com antecedência.




sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Filosofias de boteco


Hahaha! Desculpe, mas esse texto precisava se iniciar com uma gargalhada; já notaram que a gargalhada de um louco, que pra gente é uma demonstração de aprofundamento na insanidade, para ele pode significar um passo em direção à sanidade? Ou quem sabe não possa ser o inverso? Quem define a sanidade? Talvez Einstein e suas peripécias relativas.
A fórmula ao lado apenas demonstra, a princípio, um conceito ao qual estamos muito familiarizados: quanto mais próximos estamos de uma fonte emissora de sons, mais intensamente os ouvimos. Indo além, porém, percebemos também que, nesse momento, estamos ouvindo todos os sons do mundo, porém "alguns" com intensidade tão baixa que se tornam imperceptíveis. Entrando no campo da filosofia, o único som que não se ouve é o som que sai exatamente de onde ele é emitido, pois a área seria zero e, assim, a intensidade seria anulada.
Logo, a única coisa que não ouvimos é a nós mesmos; bem onde procuramos o autoconhecimento (hahaha). Procuramos, procuramos, não o encontramos; o que fazer? Leia-mos os clássicos, os consagrados, os distantes filósofos. Ó, tão sábios, porém tão distantes, como apreciar uma música que agora está sendo tocada a uma distância tão grande de você? Você a ouve, mas em intensidade tão baixa que nem é capaz de notá-la. Então como se autoconhecer? - pergunta o interlocutor desesperado.
Se algo estiver tão próximo de uma fonte sonora que a área seja quase zero, mas não zero, então a intensidade sonora recebida por este será de uma grandeza imensamente pleonástica. Que mundo irônico, nascemos todos hostis e diferentes, os que se julgam sábios passam a vida procurando respostas em livros escritos por pessoas que nunca as encontraram, os que se julgam espertos demais passam a vida desprezando quem está ao seu redor e buscando verdades de forma introspectiva quando, na verdade, os únicos que têm chances de encontrá-las talvez sejam os desprezados, os que não são sábios ou espertos, os que vivem a vida simplesmente e, talvez, nem busquem respostas. A única forma de se autoconhecer é deixar que alguém se aproxime tanto de você que possa compreender, sobre você, o que nem mesmo você compreende.
A ironia maior é que, duas ondas de freqüências iguais ou muito próximas, ao se interferirem, têm grandes chances de ter pontos de amplitude simplesmente igual a zero ou muito próximos a isso. Porém, ondas de freqüências diferentes, essas sim, muito improvavelmente terão pontos iguais a zero e podem ser construtivas ou destrutivas. É muito fácil se aproximar de alguém que se pareça muito com você, mas esse talvez tenha as mesmas dúvidas e anseios que você, como peças iguais de um quebra-cabeça. Para se autoconhecer, deve-se enfrentar o desafio de se aproximar daquele que se difere totalmente de você, outra ironia: apesar de tão diferentes, são exatamente as peças que se encaixam; para uma peça se encaixar na outra no quebra-cabeça, elas devem possuir uma superfície totalmente diferente e, quando essas e todas as outras se encaixam, tornam possível que se reconheça a imagem; quando todas as idéias se encaixam, é possível reconhecer o contexto final.
Por mais incrível que possa parecer, só aqui começa a piada. Se há um Deus, ele poderia ter criado todo esse funcionamento ao contrário: poderíamos ouvir melhor quem está extremamente distante de nós e mal quem está próximo. Que idéia louca e totalmente incoerente! Se vivêssemos em um universo que funcionasse dessa forma, o funcionamento do nosso soaria totalmente louco e incoerente. Talvez nosso universo funcione assim porque esse Deus queria que alguém, um dia, olhasse para essa fórmula e entendesse tudo isso. Talvez, por dez segundos, eu tenha conseguido conhecer o que é o foco do olhar de Deus.
Hahaha!

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Se Deus é justo, então quem fez o julgamento?"


Se há um Deus em algum lugar, é certo que não deve ser atribuída a ele a culpa por nenhuma das atrocidades presentes no mundo; a injustiça humana confunde a justiça divina.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Pessoas e animais


O vinho pode afastar o frio
o cigarro, esquentar os pulmões;
mas nenhum deles pode afastar a solidão.
E o vazio que preenche a minha vida
continua a me arrastar como uma mão.
.
Não há nada como confundir o sopro do amor
com o sopro do ódio, sopro do rancor.
E quando tudo é tão errado à nossa volta
é difícil recusar a solidão.
.
Balançando entre insanidade e insegurança
a tristeza é o fiel da balança.
E nada mais imteressa e não há mais mudança
se o seu próprio coração fingir ser em vão
qualquer tentativa de diferenciar
morte e libertação
palavras e olhares
mentiras e verdades
dinheiro e solução
pessoas e animais.
.
Não há mais coragem para tentar
nem medo para parar;
não há mais amor nem ódio por você.
mas você persiste em ser a minha maldição
em sonho, pesadelo ou alucinação.
.
E quando penso em correr, escapar
são as mesmas quatro letras no papel.
Estejam elas claras ou não
são elas que me mantêm nessa prisão.
.
Balançando entre insanidade e insegurança
a tristeza é o fiel da balança.
E nada mais interessa e não há mais mudança
se o seu próprio coração sentir ser em vão
qualquer tentativa de diferenciar
morte e libertação
palavras e olhares
mentiras e verdades
dinheiro e solução
pessoas e animais.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

"Podem calar os gênios, mas não podem apagar suas heranças (...)"

O sono passa por mim como uma brisa; traz uma sensação de alívio mas me abandona logo em seguida; em tempos como esse, acho incrível que esse tipo de sentimento passe apenas por mim.
Quanto mais se aprende, mais medo se cria, mais desesperanças; o aprendizado alimenta o ódio, a sensação de ânsia de vingança, mas, principalmente, a sensação de estar em perigo. Não consigo dormir ao ver ao meu lado um grande irmão em um sono profundo e tranqüilo e imaginar que sua tranqüilidade possa ser rompida por cobiças artificiais alheias. Penso em minha família, em crianças de minha família, esse pensamento me remete a barbaridades cometidas em outros países e pensamentos de tristeza infinita vêm à minha cabeça, como se eu pudesse sentir uma pequena parte do que esses povos sentiram e apenas essa pequena parte já fosse insuportável. Lutaria até a morte por cada um deles, até que meu último pedaço de carne se decompusesse; mas me pergunto se adiantaria alguma coisa, me pergunto se estou sozinho nessa.
Há dias não durmo direito e, acima de meu cansaço físico, estou exaurido mentalmente em pensar que dias piores ainda possam vir, que as coisas se tornem mais artificiais. Pior que isso seria se a margem do sofrimento fosse ultrapassada e as pessoas deixassem escapar seus sentimentos por puro desespero.
Acordem, acordem! Mais que com insônia, minha mente acorda e se liga mais a cada noite que passo a observar a lua; talvez não compreenda o céu como um astrônomo, mas talvez o céu me compreenda melhor do que a qualquer um deles.
Podem calar os gênios, mas não podem apagar suas heranças; o desafio à luta pela hegemonia dos povos continua vivo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

.


"Podem calar os gênios, mas o desafio à luta pela hegemonia dos povos continua vivo"
.
Em cima: Yasser Arafat (esquerda); Ruhollah Khomeini (direita)
Em baixo: Patrice Lumumba (esquerda); Gamal Abdel Nasser (direita)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

(In)felicidade


http://rapidshare.com/files/163113925/Ethos_-__In_felicidade.WAV.html

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Marcelo Camelo; Los Hermanos e pós Los Hermanos


Mais difícil do que reconhecer um gênio da música vivendo em sua época, é criticá-lo em seu auge musical; enquanto não há polêmica sobre uma consagração, enquanto esta é unânime, posicionar-se contra soa como uma loucura.

O Los Hermanos é uma banda carioca, inciada em 1997, que conta com uma mistura de inúmeros estilos sonoros, o que a torna muito difícil de classificar, ainda levando em consideração que eu não gosto muito de rótulos na música, principalmente nos dias de hoje, em que uma banda é influênciada por inúmeros estilos e as correntes vão, cada vez mais, desaparecendo. A banda possui quatro álbuns: "Los Hermanos", "Bloco do eu sozinho", "Ventura" e "Quatro". Analisando esses álbuns, podemos notar não somente as mudanças e assimilações que a banda foi fazendo no decorrer de sua carreira, como também as mudanças de eixo dentre as composições e as diferentes personalidades que nela se encontram. Apesar de muitos negarem isso por simples fanatismo, comum para um fã de qualquer banda, que não aceita a idéia de que alguns dos membros desta não tenham grande utilidade ou influência, o Los Hermanos gira em torno de duas figuras: Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante.

O "Los Hermanos", álbum, é lançado em 1999 pela banda. O álbum conta com um dos melhores baixistas dessa geração, com um baixo muito bem elaborado se chocando com melodias não tão boas assim, demonstrando a influência do hardcore e ska principalmente. É um álbum no qual o Los Hermanos ainda não se achou como banda e, apesar de razoável, não traz nada de novo e de excelente pro Rock, um álbum normal.

Em 2001, com o "Bloco do eu sozinho", a banda começa a encontrar realmente seu estilo, com uma mistura de MPB, samba, rock e mantendo ainda raízes do álbum anterior, sendo um marco para os fãs. Esse álbum divide pessoas que gostam da fase anterior e do que vem em seguida, mas simplesmente pelo óbvio fator "gosto pessoal". Aqui, o Los Hermanos começa a se destacar como uma boa banda, mas ainda não era o que viria a ser. Se no primeiro álbum a banda era praticamente Marcelo Camelo, nesse álbum, Rodrigo Amarante começa a se destacar como verdadeiro músico na banda.

Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante possuem personalidades e gostos musicais, tendências musicais, amplamente diferentes, mas isso se consolida de forma excepcional em um dos melhores álbuns da música nacional, um marco de nossa geração e o que torna o Los Hermanos, finalmente, a banda excepcional que é; em 2003, nasce o "Ventura". O álbum é uma mistura de MPB no melhor estilo Camelo com Rock no melhor estilo Amarante; porém, esses estilos se fundem em todas as músicas, demonstrando uma excelente confluência e uma linha que influenciará a música nacional e a difusão da cultura nacional de forma totalmente diferente, como se tornasse esse estilo, pouco procurado por jovens, algo acessível e interessante. Até aí, a parceria Camelo e Amarante era algo a se considerar explêndido e importantíssimo pra música nacional.

Porém, toda essa diferença musical e na própria personalidade começou a ir muito além e, em 2005, com o lançamento do "Quatro", nota-se que era algo que caminhava para já não mais dar certo. Se no "Ventura" essa mistura se fundiu em um álbum homogêneo e com um novo estilo, no "Quatro" essa mistura já se mostrava não conciliável, e temos um álbum totalmente heterogêneo que, apesar de apresentar músicas maravilhosas, não segue uma linha; era como se ouvíssemos dois álbuns de estilos diferentes em um álbum só. No "Quatro", o Los Hermanos já demonstra que seguir com a banda seria uma besteira, algo inconciliável e inútil.

Então, banda anuncia um recesso por tempo indeterminado para dedicação a projetos pessoais.

Essa breve divagação sobre a banda tem como objetivo seguir como base para analisarmos o pós Los Hermanos e chegarmos a conclusões sobre afirmações normalmente feitas durante a existência da banda.

Minha forma de ver Marcelo Camelo é como alguém que não possui tanta habilidade instrumental, mas que possui um talento nato para a música e, apesar de não ter tanto conhecimento teórico, possui uma capacidade incrível de composição de melodias; enquanto Rodrigo Amarante, apesar de um excelente instrumentista, se baseia em maior dedicação musical e um menor talento; porém, por muito tempo se ouviu que, no Los Hermanos, o talento em melodias estava em Amarante e as melhores composições também, apesar de estarem em menor número.

Em 2008, Marcelo Camelo lança o álbum "Sou" e Rodrigo Amarante se dedica a projetos como "Little Joy".

Apesar de ser uma boa banda, o Little Joy afasta o Amarante totalmente da cultura nacional e o coloca em uma cultura totalmente norte-americanizada, tendo como parceria o baterista Fabrizio Moretti, brasileiro da banda The Strokes. É um som razoável, mas que decepciona muito; principalmente ao se pensar que é algo vindo de um ex-membro de uma banda de ampla valorização da cultura nacional. Enquanto isso, Marcelo Camelo traz, no álbum "Sou", um álbum repleto de Brasil, com uma característica forte de MPB, mas diferente da MPB que estamos habituados, é como se fosse um álbum totalmente Camelo; sem dúvidas, um álbum excelente, muito melhor do que seria um quinto álbum do Los Hermanos; e o mais curioso, com uma melodia muito mais bem elaborada e composições muito melhores do que qualquer outra feita por Amarante no pós-Los Hermanos. Sem dúvidas, ao fim da banda, Camelo prova que o talento musical está, em boa parte, nele - apesar de o Amarante ser um excelente músico - e se consagra como um compositor a ser estudado futuramente como um marco dessa geração na música nacional. álbuns como "Sou" e "Ventura" estão entre álbuns que confirmam a existência de uma música nacional em meio a um cenário de extrema influência internacional, com bandas como "Cansei de ser sexy".

Porém, surge uma decepção grande ainda no ano de 2008, que é o que acabo de ouvir e é o principal objetivo desse texto; quase imediatamente após o início da turnê do álbum "Sou", Marcelo Camelo lança um álbum instrumental com uma banda chamada "Os imprevisíveis". O que sinto ao ouvir é uma tentativa de produzir algo alternativo e experimentalista. Há duas opções para esse álbum: ou ele é messiânico demais para mim, ou é um dos maiores lixos pseudo-experimentalistas que já ouvi em toda minha vida; e o pior é saber que Camelo não usa drogas e, portanto, não estava totalmente drogado ao fazê-lo. A impressão que tenho ao ouvi-lo é que os músicos tentam inibir seu talento e tocar o pior possível, como se isso fosse algo revolucionário. Acho que Camelo simplesmente perdeu seu lugar e tentou fazer algo em estilo Thom Yorke, o que, sem dúvidas, não está imbutido na personalidade musical dele. Admiro a tentativa, adoro experimentalismos, mas uma coisa é fato: bagunça sonora não é som alternativo e muito menos experimentalismo, é simplesmente algo dispensável aos ouvidos dos fãs.

Admiro muito o Marcelo Camelo, o tenho como uma das maiores influências musicais em minha vida; por isso, a partir de hoje, passarei a torcer para que ele esqueça essa idéia e volte a produzir o que eu chamo de "música".

domingo, 9 de novembro de 2008

Amor e vontade


.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
É como minha mãe realmente me falava: "O importante não é ganhar, é competir"; mas ninguém consegue entender essa frase. Não é pra ser um perdedor passivo e, no fim, vê-la como um consolo, é ter a convicção de que não importa se o que veio foi a vitória ou a derrota, o que importa foi todo o esforço empregado em busca da vitória. Se há dois nomes que devem ser citados e consagrados na história do Palmeiras, são Marcos e Kleber. Não é Valdívia, Vanderlei Luxemburgo; habilidade e gritaria, esperteza e falta de coração, não são o bonito do esporte, por mais que a falta destes possa trazer a derrota, a vitória passa a não ser nada perante a beleza do esforço e da vontade de uma vitória por amor, e quando esta acontece, a consagração passa a acontecer de forma magnífica e eterna.
O que senti hoje foi uma pena sem tamanho das pessoas que vivem de consagração de décadas passadas de seu time, de jogadores que nunca sequer viram jogar, pessoas que se utilizam puramente de argumentos de autoridade passados pelos pais sem conseguir enxergar a beleza do futebol; é o mesmo de amar uma mulher que morreu antes de você nascer, não é possível sentir um sentimento real de amor e admiração, sentir na pele, o que é estar junto e se sentir junto de um esportista, se não esteve realmente com ele.
O que assisti hoje foi (a) um espetáculo de beleza e vontade, de amor ao time, simultâneo a vergonhosos vexames de pura cobiça ao fortalecimento do ego: enquanto o Palmeiras era um time totalmente sem raça e vontade, vergonhoso em campo, em meio a uma torcida maravilhosa, Marcos era um exemplo do que é amar uma camisa, do que é se sentir usando um manto que não é como qualquer outro, do que é jogar por amor e não por cobiça. E é o que foi demonstrado pelo Kléber durante todo o campeonato. Habilidades e gracinhas, mas o sumiço e a covardia na hora da real necessidade (Valdívia) não é a beleza real do esporte, desprezo a um campeonato que talvez não tenha tanta significação em seu currículo (Sul-americana) e esquecimento da importância que este talvez tenha para o time (Vanderlei Luxemburgo) não é a beleza real do futebol.
Perdemos uma partida, talvez o título (estive com o Palmeiras até os 45 do segundo tempo em todos os jogos, não importa o placar, e estarei até o fim do campeonato, não importa quão ínfimas sejam as chances), mas ganhamos as cenas que estão entre as mais bonitas da década do nosso campeonato; o amor à camisa não está morto.

sábado, 8 de novembro de 2008

Saudosismo ou nostalgia?


Obrigado, Otávio, pelo desenho.